Os dias de luto em Cuba poderão se prolongar pelos próximos quatro anos. A maior ilha do Caribe, com um tamanho aproximado ao do Estado de Pernambuco, despediu-se de Fidel Castro, o maior ícone da revolução cubana. No sábado, 25 de novembro, o ditador cubano, que permaneceu quase 50 anos no poder, morreu aos 90 anos e deixou um legado controverso na história do país. Mas sua morte não significa uma abertura política e econômica. Seu irmão Raúl Castro, que assumiu a liderança do país em 2006, quando Fidel deixou o comando em razão de problemas de saúde, promoveu avanços “sem pressa, mas sem pausa”, como gosta de dizer.

Ele venceu algumas resistências ao avanço econômico impostas por Fidel e seu governo ganhou ares mais modernos – embora não tenha abandonado a repressão aos que são contrários ao seu controle político. Raúl deu passos concretos para construir um capitalismo de estado, num modelo misto inspirado na China. O mais importante foi o reestabelecimento das relações diplomáticas com os Estados Unidos, o vizinho e grande rival nos tempos de Guerra Fria, fechado em 17 de dezembro de 2014 com Barack Obama. Mas o que parecia que seria enterrado com a lendária figura de Fidel, promete ser revivida pelo presidente americano eleito, Donald Trump. É a nuvem de incerteza que paira sobre o futuro político e econômico de Cuba.

Ao ser informado da morte de Fidel, Trump aproveitou para reforçar sua posição em relação à Cuba, algo que foi muito discutido ao longo da corrida presidencial. Em nota oficial, o Republicano referiu-se a Fidel como “um ditador brutal que oprimiu seu povo por quase seis décadas.” Nos seus discursos polêmicos, Trump afirmou em campanha que revisaria os acordos deixados por Obama no Congresso, principalmente o que envolve os cubanos. Embora o embargo econômico entre eles ainda não tenha caído por completo, os novos regulamentos, as oportunidades de intercâmbio de pessoas, comércio de bens e serviços e finanças foram afrouxados pelo presidente democrata.

Uma revisão poderá levar Cuba a um novo retrocesso e fazer renascer o sentimento anti-imperalista cultivado na ilha durante ao anos 1990. “O movimento iniciado por Obama foi essencial para Cuba, que depende de financiamento externo”, diz Marcos Troyjo, diretor do BRICLAB na Universidade de Columbia e diplomata que trabalhou em Cuba nos anos 1990. A reabertura diplomática da ilha vinha como um alento à nova geração de cubanos. Durante os quase 50 anos em que esteve no poder, Fidel se empenhou em limitar o acesso do que chamava de cultura imperialista americana em seu país.

Até o início da década de 1990, seu modelo de governo prosperava graças ao apoio da URSS, um grande financiador da economia cubana. Com o colapso do país comunista, no entanto, Fidel passou a enfrentar graves problemas com o embargo econômico dos EUA. Além disso, entrou para a história moderna como o líder da ditadura mais letal das Américas. Foram 65 mortos ou desaparecidos para cada 100 mil habitantes, ante 31 na Argentina, de Jorge Videla; 23 no Chile, de Augusto Pinochet; 10 no Paraguai, de Alberto Stroessner, e 0,3 no período militar brasileiro.

Após uma década no poder, Raúl abriu gradualmente a ilha. A dificuldade de acesso à internet deu lugar a 200 pontos de Wi-Fi pelo país. Os postos de trabalho considerados “liberais” saltaram de 165 mil para meio milhão. Ele também autorizou a compra e venda de veículos – ainda é comum ver carros antigos circulando pelo país . “Os cubanos estão mais abertos à mudança, não só pela transição de Fidel para Raúl, mas por uma questão de geração”, diz Fernanda Magnotta, professora de Relações Internacionais da FAAP.

Nessa transição econômica, Cuba registrou um avanço de 4,3% no PIB no ano passado. No primeiro semestre o aumento foi de apenas 1% e a expectativa é de retração para o segundo semestre. Com 3 milhões de turistas visitando a ilha todos os anos, Raúl aposta na expansão do setor. Por isso, o interesse na reaproximação com os EUA. Desde que Obama retomou o diálogo, o leque cubano se expandiu, ampliando o canal que, depois da URSS, se resumia à Venezuela, China, Canadá, Brasil e a alguns países da União Europeia.

Empresas americanas, como a rede de hotéis Marriott, o Airbnb e as companhias aéreas American Airlines e Jet Blue passaram a operar no país. A estimativa de Investimento Estrangeiro Direto (IED) até 2020 saltou de US$ 500 milhões para US$ 19 bilhões – sendo que US$ 2 bilhões viriam dos americanos, segundo o Instituto Peterson de Economia. “O cenário para Cuba é de que a imprevisibilidade é o mais previsível”, diz o embaixador Marcos Azambuja, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. “Estamos diante de uma situação não superada e Trump vai reativar as dúvidas sobre o futuro cubano.”

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Cuba libre

•US$ 121 bilhões é o tamanho do PIB
•3% é a expectativa de crescimento médio, entre 2013 e 2020 
•US$ 500 milhões é o IED. Projeções indicam que o valor suba para US$ 19 bilhões com a reabertura comercial

Fontes: Instituto Peterson de Economia e Euromonitor