Em 2006, a doméstica Angélica Aparecida Souza Teodoro, na época com 18 anos, frequentou as manchetes ao passar 128 dias detida no Cadeião de Pinheiros, em São Paulo, por ter tentado roubar um pote de manteiga que custava R$ 3,10. Na manhã da terça-feira 3, o mesmo ocorreu com a antiga cúpula do finado banco Nacional. O controlador e ex-presidente Marcos Magalhães Pinto e os executivos Arnoldo Oliveira, Clarimundo Santana e Omar Bruno Corrêa foram presos pela Polícia Federal a pedido do Ministério Público Federal (MPF) carioca. Em 2002, eles foram condenados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e prestação de informações falsas a investidores. 

 

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Pijama listrado: (da esq. para a dir.) Luis Octavio Indio da Costa (Cruzeiro do Sul), Edemar

Cid Ferreira (Santos), Daniel Dantas (Opportunity), Marcos Magalhães Pinto (Nacional), Salvatore

Cacciola (Marka) e Kátia Rabello (Rural)

 

As penas variam de 12 a 17 anos. Diferentemente da doméstica, porém, o banqueiro e seus executivos passaram poucas horas presos, a despeito de os desvios do Nacional terem gerado um rombo estimado em cerca de R$ 20 bilhões, cobertos em parte com dinheiro público do Proer, e em parte com recursos privados do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). “Um banqueiro lesa muita gente quando quebra um banco”, diz a advogada Karen Louise Jeanette Kahn, procuradora do MPF em São Paulo. No entanto, as penas que eles receberam são desproporcionais. 

 

Karen fala com propriedade sobre o tema. Graças à sua atuação rigorosa, Luis Octavio Indio da Costa, controlador e CEO do banco Cruzeiro do Sul, liquidado pelo Banco Central em 2012, passou 30 dias na mesma cadeia que hospedou a doméstica Angélica Teodoro, acusado de gestão fraudulenta à frente do banco, que onerou o FGC em cerca de R$ 3 bilhões. Atualmente, ele vive em um luxuoso condomínio na Granja Julieta, na região metropolitana de São Paulo. Leva uma vida sossegada, apesar de ter tido os bens bloqueados. Sem passaporte, apreendido pela Justiça, tem de limitar as viagens a países da América do Sul, que requerem apenas a carteira de identidade. 

 

Sem dramas. Indio da Costa viajou para esquiar com os filhos no Chile em agosto. Uma frustração para Karen? Ela não comenta o assunto, mas uma visita a seu escritório permite conferir a altura das pilhas de papel, sinal das longas horas passadas relatando os processos. Como no caso do ex-dono do Cruzeiro do Sul, a passagem dos banqueiros pelo xilindró foi breve. Edemar Cid Ferreira, ex-dono do Banco Santos, vestiu durante 88 dias o pijama listrado, em 2006. Liquidado pelo BC, em 2004, o rombo no Santos foi de R$ 2,9 bilhões. A exceção foi Salvatore Cacciola, ex-controlador do Marka, liquidado em 1999 na esteira da desvalorização do real. O socorro custou R$ 1,5 bilhão, o que levou à sua prisão no ano seguinte. 

 

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O Nacional patrocinou ídolos como Ayrton Senna, mas o legado da família Magalhães

Pinto é um rombo de quase R$ 20 bilhões

 

Liberado, o cidadão italiano fugiu para a terra natal, onde desfrutou o dolce far niente até 2007, quando foi preso ao entrar no Principado de Mônaco para jogar. Extraditado para o Brasil, permaneceu encarcerado em Bangu VIII, no Rio, por quatro anos. Apesar de as liquidações terem provocado prejuízos gigantescos, a vida dos ex-banqueiros não tem sido difícil. Kátia Rabello, do banco Rural, liquidado em agosto, foi condenada a 16 anos e oito meses pelo Supremo Tribunal Federal, mas até a quinta-feira 5 ainda não havia recebido a visita dos oficiais de Justiça. Ângelo Calmon de Sá, do Econômico, que quebrou em 1995, foi condenado a quatro anos e dois meses no regime semiaberto, mas não foi obrigado a pernoitar fora de sua mansão em Salvador. 

 

Outro baiano, Daniel Dantas, do Opportunity, passou alguns dias preso em 2008, mas um habeas corpus do ministro do STF, Gilmar Mendes, o livrou da cana. Ao contrário dos demais, ele foi inocentado. O crime mais comum dos banqueiros é a gestão fraudulenta. Em seguida vêm os de lavagem de dinheiro, de prestação de informações falsas a sócio-investidor e de formação de quadrilha. São crimes graves, mas as penas são leves – 12 anos para gestão fraudulenta, três anos para as demais – e as condenações, fáceis de driblar. Magalhães Pinto foi sentenciado a 12 anos e dois meses em regime fechado. Sua primeira prisão ocorreu em 2002, mas os desvãos da lei garantiram-lhe a liberdade. 

 

Ele foi detido provisoriamente, algo fácil de reverter. “A execução provisória da sentença representa um autêntico brinde à impunidade e à ineficácia da justiça brasileira”, disse, na época, o juiz carioca Marcos André Bizzo Moliari, da 1ª Vara Federal Criminal do Rio, que expediu o mandado naquele ano. Segundo promotores e juízes com quem a reportagem conversou reservadamente, essa situação seria diferente se as penalidades para crimes do colarinho branco fossem mais rigorosas. “A vítima de um assaltante é um cidadão com nome e sobrenome, mas um banco quebrado deixa para trás uma multidão de anônimos lesados”, diz um promotor. “Um banqueiro não assalta à mão armada, mas é uma pessoa instruída e rica, que pode envolver laranjas e contratar bons advogados.” 

 

O ex-dono do Nacional é um bom exemplo disso. Seus 78 anos são um argumento do advogado de defesa Nélio Machado. “Meu cliente anda de bengala, tem saúde precária, e o juiz que expediu o mandado de prisão foi muito severo”, diz. A morosidade da Justiça, cuja solução depende de reformas nos Códigos Penal e de Processo Penal, poderia ser atenuada se a Justiça passasse a estabelecer fianças salgadas para garantir o habeas corpus do acusado. “Não adianta ficar dez anos preso sem ressarcir o público”, diz um juiz. As fianças, avalia, deveriam ser altas e usadas para diminuir o rombo dos bancos. “A lei tem de mostrar claramente que os banqueiros corruptos ficam presos e passam a ser pobres”, diz.

 

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Canhedo é preso por sonegação

 

Passivo da Vasp chega a R$ 5 bilhões

 

A semana não foi apenas de ex-banqueiros presos. Também Wagner Canhedo, 77 anos, ex-dono da Vasp, teve seu dia de Fernandinho Beira-Mar, ao ser detido no sábado 31, em Brasília, por um mandado expedido pela 2a Vara Criminal de Florianópolis, em Santa Catarina. Ele foi condenado a quatro anos, cinco meses e 10 dias de prisão por sonegação fiscal. Dono de uma empresa de ônibus em Santa Catarina, Canhedo disse estar surpreso com as acusações. “Temos ICMS a receber de todos os Estados do Brasil, todas as companhias aéreas têm ICMS para receber”, diz. O empresário é alvo de vários processos na Justiça envolvendo dívidas da Vasp, que faliu em setembro de 2008 e cuja dívida oscila entre R$ 3,5 bilhões e R$ 5 bilhões. Os passivos trabalhistas somam cerca de R$ 1,5 bilhão e se referem a direitos trabalhistas não pagos a pilotos, comissários de bordo, aeroviários e outros. 

 

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Como não possui diploma de ensino superior, Canhedo deve ficar confinado no Centro de Progressão Penitenciária, no Distrito Federal, e cumprir pena em cela comum. “Provavelmente ele vai ficar em uma cela menos cheia, com gente da idade dele. Temos que levar em consideração que é uma pessoa de 77 anos e portador de doença grave”, disse o delegado Sérgio Moraes. Por conta disso, os advogados de Canhedo tentaram um habeas corpus em favor do empresário, na tentativa de soltá-lo ou conceder prisão domiciliar, o que foi negado pelo ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Vamos viabilizar as condições necessárias para continuidade do tratamento médico”, diz o ministro. “Ele pode realizar consultas em hospital particular de sua escolha e seu médico pode entrar no presídio”.