Quando os líderes das sete nações mais ricas do mundo e da União Europeia estiverem reunidos nesta segunda-feira 24, em Haia, na Holanda, sua motivação será política. Eles vão discutir as sanções que podem ser impostas aos russos como represália à anexação da Crimeia, república autônoma ucraniana que, na semana passada, decidiu, em plebiscito, se juntar à Rússia. Mas os cálculos feitos pelos políticos serão essencialmente econômicos, assim como suas consequências. Estarão presentes os líderes de Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá, mas são os interesses europeus e americanos que vão direcionar a conversa. 

 

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Os impactos, no entanto, poderão ser sentidos por todo o mundo, inclusive pelo Brasil. Solicitada pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, à margem de uma cúpula já agendada sobre segurança nuclear, a reunião pode aprofundar as sanções que seu país e a União Europeia já aplicaram, na semana passada, a importantes membros da elite política e econômica russa. As medidas incluem o congelamento de bens de vários empresários ligados ao presidente russo, Vladimir Putin, e a proibição de viagens aos EUA e aos 28 países do bloco europeu. Obama vai propor ainda a expulsão da Rússia do G8. 

 

“As nações não podem simplesmente redesenhar suas fronteiras”, esbravejou o americano. “A Rússia precisa saber que uma escalada maior só irá isolá-la ainda mais da comunidade internacional.” No discurso após a assinatura do tratado reconhecendo a incorporação da república autônoma à Rússia, e com as tropas ocupando o novo território, Putin comemorou. “A Crimeia é considerada parte da Rússia a partir de hoje”, disse na terça-feira 18. E afirmou que não pretende expandir suas fronteiras para outras partes do país vizinho. A anexação da Crimeia à Rússia é um retorno à condição que vigorava até 1954, quando o então presidente soviético Nikita Khrushchev decidiu que ela pertenceria à Ucrânia, na época parte da União Soviética. 

 

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Festa e prisão: em Moscou, russos comemoram reanexação da Crimeia, na terça-feira 18 (foto de abre).

Acima, soldados ocupam base militar 

 

Em 1989, com o fim do bloco, a Crimeia continuou na Ucrânia, embora mais da metade da população seja de origem russa. Em 2010, a Rússia instalou em Sebastopol uma base militar, pela qual pagou US$ 40 bilhões em fornecimento de gás natural. Com a anexação à Rússia, a Crimeia passa a adotar o fuso horário de Moscou (duas horas mais tarde). O rublo torna-se a moeda oficial, mas a moeda ucraniana, grivnia, poderá ser utilizada até o fim de 2015. A pressão do Ocidente sobre Putin é grande e, na avaliação de Alexander Kliment, diretor de estratégia para Eurasia e Mercados Emer­gentes da consultoria Eurasia Group, pode funcionar. 

 

Ao afetar os interesses dos empresários poderosos do país, Putin deve ser levado a recalcular os benefícios de novas incursões em outros territórios ucranianos. “A Rússia e suas empresas são dependentes do financiamento do Ocidente”, diz o analista. Taras Kuzio, do Instituto Canadense de Estudos Ucranianos, diz que a comunidade internacional não pode ir muito além. “Nunca vão reconhecer o resultado do referendo, mas também não vão fazer muita coisa”, afirma. A dependência, na verdade, é mútua. Um terço do gás consumido pelos europeus é fornecido pela Rússia, e metade desse volume chega à Europa pelos gasodutos que passam pelo território ucraniano. 

 

Embora concorde que a interrupção do fornecimento de gás para o bloco seria “impossível porque causaria um Armageddon energético no mundo”, Kliment acredita que restrições americanas aos bancos russos já seriam suficientes para sufocar sua economia. Para tentar reduzir a sua dependência, a União Europeia já discute um plano para negociar a compra do gás em conjunto, aumentando seu poder de persuasão e evitando retaliações a um país específico. Putin reagiu às sanções do Ocidente, suspendendo o visto de congressistas e funcionários americanos. Para o Brasil, um cenário de restrições econômicas mais severas seria negativo. 

 

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Ex-impérios indignados: o britânico David Cameron, a alemã Angela Merkel

e o americano Obama reagiram mal à decisão dos russos

 

O governo está ignorando o conflito, resistindo às pressões para que condene a ação russa. O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, disse que está acompanhando o assunto, mas não quis opinar. Nos bastidores, integrantes do governo lembram que o Brasil só participa de sanções quando elas são decretadas pelas Nações Unidas. Como a Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança e tem poder de veto, é praticamente impossível que elas aconteçam. Putin deve vir ao Brasil em julho, para a reunião de cúpula dos BRICS, após a Copa do Mundo. 

 

Mesmo sem se juntar às restrições impostas por outros países, o Brasil tem muito a perder se houver um isolamento da Rússia. O comércio entre os países representa pouco mais de 1% das vendas externas nacionais, mas é importante em alguns mercados, como o de carne bovina. Dos US$ 3 bilhões exportados para a Rússia em 2013, a carne bovina respondeu por US$ 1,2 bilhão. Até 2012, era o principal mercado para os frigoríficos brasileiros, só ultrapassado no ano passado por Hong Kong. Para a BRF, a situação preocupa. 

 

“É um mercado muito bom, embora instável, porque os russos fazem contratos de curto prazo”, diz Marcos Jank, diretor da BRF. Os outros produtos importantes da lista de exportações são açúcar, soja, café e calçados. Na importação, prevalecem óleo diesel e fertilizantes. A Cia. Cacique de Cafés Solúveis, por exemplo, tem a Rússia como destino de cerca de 80% de suas exportações de café Pelé. O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, prevê impacto no comércio, mas não imediatamente. “É mais fácil para eles substituírem o fornecedor do que para nós acharmos outro comprador.”

 

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