23/08/2013 - 21:00
O executivo Luiz Eduardo Falco, presidente da operadora de viagens CVC desde o primeiro trimestre deste ano, tomou um elevador em um prédio da avenida Faria Lima, conhecido reduto de investidores e de funcionários de bancos de investimento na capital paulista, quando foi abordado por dois executivos engravatados. Eles queriam saber como a CVC conseguia manter o câmbio dos pacotes da empresa a R$ 1,99 por US$ 1, quando a cotação da moeda americana já ultrapassava os R$ 2,10, à época (junho). “Foi o que salvou a nossa temporada de verão no Hemisfério Norte”, diz Falco. “Parece mágica.” Mas de magia essa estratégia não tem nada.
Apenas demonstrou a agilidade e a capacidade de articulação da nova gestão da maior operadora de turismo da América Latina, hoje controlada pelo fundo americano Carlyle, com um faturamento na casa dos R$ 4 bilhões e que transportou 3,2 milhões de pessoas no ano passado. A saída para manter o dólar mais barato foi bater na porta de fornecedores, como empresas de transporte aéreo e terrestre e hotéis, e negociar bons descontos para que o preço final do pacote fosse mantido em valores anteriores à disparada da moeda americana. Para provocar maior impacto, a propaganda da CVC chamava a atenção para a suposta mágica de se manter o câmbio fixo, sem contar o truque dos descontos e da negociação.
“Nem todos os fornecedores aceitaram”, diz Falco. “Mas propusemos como uma estratégia de poucas semanas para ver se funcionava.” Funcionou. As vendas cresceram 10% em relação ao ano passado. Com isso, a oferta foi mantida em algumas ações pontuais, como a que foi feita em agosto em parceria com a American Airlines, na qual o dólar CVC era cotado a R$ 2,09. Na mesma época, a cotação no mercado ultrapassava os R$ 2,40. Essa é apenas uma das correções de rota que aconteceram na companhia desde a saída de Francisco da Rocha Campos, conhecido como Xiko, da presidência da operadora de turismo, em fevereiro deste ano.
Falco, o comandante: “Voltamos ao básico. Em comparação
com o mercado de telecomunicações, foi um recreio”
Depois de 13 meses à frente da operação, ele foi sacado para a volta temporária ao comando do fundador, Guilherme Paulus, que permanece como presidente do conselho de administração desde a venda do controle da operadora ao grupo americano Carlyle, em 2010, por R$ 700 milhões. Um mês depois veio a contratação de Falco, que foi vice-presidente da TAM, nos anos 1990, antes de se transferir para a empresa de telefonia Telemar, origem da Oi. Para assumir o novo posto na CVC, o executivo exigiu a volta de um velho conhecido: Valter Patriani, braço direito de Paulus, que trabalhou por 33 anos na CVC, deixando a companhia em 2011. Patriani retornou como superintendente de produtos e vendas.
Para entender o que está acontecendo na maior operadora de turismo da América Latina, é preciso, no entanto, conhecer o passado recente da CVC e os seus personagens. O segundo ano de controle do Carlyle foi exemplar em termos de expansão. Até então comandada pelo vendedor nato Patriani, a operadora atingiu o crescimento de 13%, em 2011. No ano seguinte, o fundo de investimentos substituiu o antigo funcionário por Xiko, um ex-executivo da American Express, considerado discreto e eficiente. O plano era promover uma formalização das relações com a cadeia de negócios e o aprimoramento dos processos internos na empresa, conhecida pelo jeito informal e boa praça com que Paulus e Patriani tratavam funcionários e franqueados, grande parte deles ex-integrantes dos quadros da operadora.
Patriani, o diplomata: Ex-presidente da empresa e braço direito de Paulus,
será responsável por recuperar o relacionamento com os franqueados
Ao se dedicar principalmente às questões internas e se deparando com um cenário econômico mais adverso, Xiko não entregou as metas de vendas estabelecidas pelos acionistas. A CVC cresceu, é verdade, em 2012. Mas foram meros 5%, metade do planejado. Também não ajudou a tentativa de aumentar a rentabilidade com o aumento de preços dos pacotes. “Xiko ficou voltado a estratégias de médio e longo prazo”, diz um ex-funcionário que preferiu não se identificar. “Ele não se dedicou às vendas e a fazer promoções agressivas, até porque esse não é o seu perfil.” Com Paulus e Falco à frente dos negócios, a CVC tratou de desfazer alguns passos de Xiko. “Voltamos ao básico”, diz Falco.
Por básico, entenda-se fortalecer o relacionamento com empresas áreas e hotéis. “Em comparação com o mercado de telecomunicações, foi um recreio”, brinca Falco, que tinha fama na área de telefonia por ser um executivo pouco afeito à diplomacia e belicoso. Apesar de possuir aproximadamente 850 pacotes em seu portfólio, a empresa historicamente obtém 80% de suas vendas com dez destinos populares nacionais e outros dez internacionais. Sob a atual direção, a propaganda voltou a privilegiar essas ofertas. O resultado foi uma ampliação de 26% nas vendas da temporada para as viagens a Miami e Orlando, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Paulus, a voz do dono: Depois de vender o controle ao Carlyle,
se reaproximou da gestão da CVC e apoiou
a chegada de Falco e Patriani
Além disso, as ofertas passaram a ser mais agressivas e ágeis, como mostrou a estratégia de divulgar um câmbio fixo mais barato. Um fato ilustra essa nova fase da CVC. Dois dias depois de o Atlético Mineiro vencer a Copa Libertadores da América, a companhia já tinha disponível um pacote para o Marrocos, onde o time vai jogar a Copa do Mundo de Clubes da Fifa, em dezembro deste ano. Outro ponto importante da estratégia de crescimento é o plano de abertura de 100 novas lojas e aumento da rede para 800 unidades até o fim deste ano. De todas as missões de Falco, a mais árdua, segundo funcionários da própria CVC, será a formalização dos contratos com os franqueados.
Os acordos foram, durante décadas, “no fio do bigode” e na base da relação pessoal de Paulus com seus parceiros de negócios. Xiko, o ex-presidente, não conseguiu comunicar a mudança com sensibilidade para os donos das franquias, que chegaram a se unir para pedir a sua cabeça. A formalização das relações com os parceiros da cadeia de vendas é uma exigência para qualquer empresa que deseje abrir o capital, plano do Carlyle para a CVC (especula-se no mercado que a companhia estuda novamente fazer o seu IPO no fim deste ano ou no primeiro trimestre de 2014). Patriani, velho parceiro dos franqueados, parece ter mais tato para conduzir essa missão.
Outro trabalho indigesto de Falco, exigido pelos investidores, nesta fase de preparação da empresa para a abertura de capital, foi o enxugamento da operação para aumentar a rentabilidade. Cerca de 10% do quadro de funcionários foi cortado, incluindo diretores trazidos do mercado financeiro por Xiko. Antes mesmo de a nova gestão dar início ao processo de demissões, alguns executivos de vendas começaram a deixar a empresa em direção às concorrentes Flytour e Decolar.com, afugentados pelas novas metas de vendas, consideradas inatingíveis. Cabe a Falco e Patriani mostrar que suas propostas são exequíveis e fazer com que a CVC corrija sua rota, recupere o antigo vigor e chegue a um porto seguro.