29/04/2016 - 20:00
Num país tomado por recessão profunda, desemprego em alta e renda em queda, uma das queixas mais recorrentes dos brasileiros alude ao imobilismo dos governantes em atacar os problemas com a devida urgência. Nos gabinetes de Brasília, sobram desavenças e faltam propostas de fôlego para a crise. O vácuo programático cobra um duro preço político, como mostram os índices de popularidade da presidente Dilma Rousseff, cujo nível de aprovação ronda os 10%. Ao mesmo tempo, abre espaço a mais lideranças interessadas em indicar agendas possíveis.
Nos próximos dias, um novo conjunto de ideias voltadas principalmente para a área social será apresentado pelo PMDB. O documento “Travessia Social”, elaborado pela fundação Ulysses Guimarães, complementa o programa “Uma Ponte para o Futuro”, de outubro, com propostas do partido de reformas na economia. O PMDB do vice-presidente Michel Temer pode ser alçado à Presidência da República em pouco mais de uma semana, caso Dilma seja afastada pelo Senado, em 11 de maio. Diante das chances cada vez mais reais de assumir o poder, Temer se tornou o alvo central das críticas do PT.
Em pronunciamento feito nas redes sociais, no início deste mês, a presidente Dilma afirmou que a posse do vice ameaçava a continuidade dos principais programas sociais do governo, repetindo as ofensivas usadas nas eleições de 2014. “Querem revogar direitos e cortar programas sociais, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida”, afirmou a presidente. O compêndio social do PMDB não deixa de ser uma resposta aos ataques, como no áudio vazado em seguida pelo vice, em que ele deixou claro sua intenção de manter os programas sociais.
A agenda a ser divulgada dá ênfase à importância do crescimento econômico para a sustentabilidade das políticas assistenciais e busca transparecer o desafio do impacto causado pelo desequilíbrio nas contas públicas. “Cada vez mais fica claro que o equilíbrio fiscal não é uma abstração tecnocrática, mas o meio necessário de proteger a sociedade, especialmente as populações mais pobres e necessitadas”, afirma um dos trechos do texto ao qual DINHEIRO teve acesso. Nos últimos anos, sob a justificativa de manter as políticas sociais, a equipe de Dilma lançou mão de manobras que ajudaram a esconder a piora nas contas públicas, como as pedaladas fiscais, que hoje embasam o pedido de impeachment.
A ideia central para a área social é reservar o maior esforço das políticas aos 5% mais pobres (10 milhões de pessoas), mantendo — e até aprofundando — programas como o Bolsa Família. Propostas complementares seriam endereçadas aos 70 milhões que compõem o conjunto acima dos 5% até os 40% mais pobres. Na avaliação do PMDB, esse grupo está perfeitamente conectado à economia e será beneficiado com a retomada da atividade. “Apesar de incluídos, estes brasileiros continuam a dispor de uma renda relativamente baixa.”
Uma das propostas para melhorar a renda é conceder um cupom que dará direito a uma formação anual, para qualificação. Outra recomendação prevista é retomar o Pronatec, de formação técnica, com foco nas necessidades dos mercados locais, numa concepção mais realista e com avaliações permanentes. Há elogios ao programa de qualificação. A crítica se dá sobre a questão orçamentária. “O colapso fiscal do Estado está matando um programa correto e produtivo.” A mesma questão aparece na referência ao Minha Casa, Minha Vida, também elogiado.
O documento lembra que, apesar de bem concebido, o programa está praticamente parado, sem nenhuma contratação de moradia em 2016. O objetivo do PMDB é relançá-lo, dando prioridade à baixa renda. Pelos cálculos apresentados, a demanda de moradias soma 1,3 milhão de unidades anuais, das quais 800 mil para famílias com até dois salários mínimos. Não há uma menção mais precisa sobre a fonte de recursos. O espaço fiscal seria aberto a partir dos outros ajustes no Orçamento. Os subsídios do Minha Casa, Minha Vida são um dos maiores destinos dos investimentos atualmente e consomem cerca de R$ 20 bilhões ao ano.
Desde 2009, 3,6 milhões unidades foram contratadas, mas apenas 2,3 milhões entregues. Se ficam claras as intenções de dar continuidade ao esforço social, sobram dúvidas sobre como será possível acomodar os gastos num momento de restrição, tônica do próprio documento. As contas públicas chegarão neste ano ao terceiro déficit seguido, com uma trajetória explosiva da dívida, que vem minando a confiança. O ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, deve ser o piloto das mudanças capazes de reverter esse quadro (leia reportagem aqui), como os cortes nas despesas.
Nos últimos dias, propostas de Temer para mais áreas vieram a público, como a intenção de pagar bônus a professores que melhorarem o desempenho dos alunos. Na Previdência, o ex-ministro Roberto Brant admitiu a intenção do vice de adotar os 65 anos como idade mínima para a aposentadoria. Se Temer assumirá ou não o Palácio do Planalto, só o Senado poderá dizer. De qualquer forma, não passa despercebido o enérgico esforço do Palácio do Jaburu para quebrar a paralisia que reina hoje em Brasília.