A decisão da presidenta Dilma Rousseff de aliviar custos e encargos das tarifas de energia, anunciada no início de setembro, deve permitir uma redução de até 28% na conta das empresas e um corte de 16,2% nos gastos residenciais. Comemorada pelos usuários intensivos de energia, a decisão gerou, porém, muitas dúvidas nas companhias que compravam eletricidade no mercado livre. Um bom exemplo é o da fabricante de rolamentos de origem sueca SKF, que aderiu ao mercado livre de energia em 2004. “Isso nos permitiu planejar melhor os gastos”, diz Amadeu Comin, diretor de operações industriais da SKF. Além da redução dos custos, que chega a 15% ao mês, a contratação torna as despesas mais previsíveis, já que é possível negociar preços e prazos no contrato.

 

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Comin, da sueca SKF: economia de até 15% na conta de luz

 

Esse, diz Comin, é um dos melhores pontos do mercado livre. No entanto, o executivo diz estar preocupado, pois o mercado livre não foi considerado nas medidas do governo. “Isso provoca uma insegurança, por isso vamos esperar para ver como o mercado se comporta”, afirma. As dúvidas da SKF não são isoladas. Enquanto os clientes tradicionais comemoram, as empresas que usam e as que comercializam energia no mercado livre ainda calculam os impactos das mudanças. “Qualquer mudança para reduzir o custo de eletricidade é positiva para todos os consumidores”, diz Reginaldo Medeiros, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). “O problema é a falta de isonomia.”

 

Segundo Medeiros, os consumidores do mercado regulado foram mais beneficiados do que quem se serve do mercado livre, pois a redução de preços não chegará da mesma forma aos dois grupos de clientes. A explicação é simples. O valor final na conta de energia pode ser dividido em vários elementos. Além do custo da energia propriamente dito, há os gastos com transmissão, aqueles com distribuição e os encargos. Ambos os mercados serão beneficiados pelo corte dos custos de transmissão, de distribuição e dos encargos. “No caso do mercado livre, não haverá redução do preço cobrado pela energia gerada”, diz Medeiros. A eletricidade que ficou mais barata com as medidas será destinada apenas ao mercado cativo.

 

Erico Evaristo, presidente da Bolt Comercializadora, avalia que a mudança deve, em um primeiro momento, reduzir a migração para o Ambiente de Contratação Livre (ACL). Atualmente, o mercado livre representa cerca de 27% da energia total comercializada no País. São quase 15 mil MW, que movimentam cerca de R$ 30 bilhões por ano. “Com as mudanças, o percentual de representação pode cair para 22%”, afirma Evaristo. “Para um mercado que trabalhava mirando um crescimento de 40%, é como andar na contramão.” Márcio Sant’Anna, sócio-diretor da Ecom Energia, tem uma visão menos pessimista. Segundo ele, o tratamento dado ao mercado cativo pela medida provisória poderá proporcionar redução de custo do mercado regulado aos patamares que o mercado livre tem desde a sua criação. 

 

“No entanto, a avaliação é de que o mercado livre não deixará de ser atrativo”, diz Sant’Anna. “O ambiente livre proporciona outras vantagens, como a previsibilidade e a possibilidade de negociação.” A medida provisória recebeu 431 emendas, muitas delas ligadas ao ACL. Segundo o deputado Antonio Imbassahy (PSDB-BA), que apresentou 31 emendas, o mercado livre não foi sequer considerado na elaboração das mudanças. “A iniciativa do governo na direção de desonerar tarifas é louvável, mas o alto número de emendas mostra que existem muitas questões que não ficaram claras”, diz Imbassahy, que presidiu a Eletrobras entre 1995 e 1996. Para o deputado, que integra a comissão que analisará a medida, é importante abrir o debate. Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se manifestou.

 

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