Na manhã da sexta-feira, dia 24 de junho, o físico e gestor de fundos japonês Yoshinori Nomura, responsável pelo fundo Nomura Simplex Equity Futures Strategy Fund, estava insatisfeito com a decisão de seu funcionário. Nomura havia antecipado uma alta do mercado com a esperada confirmação da rejeição da saída do Reino Unido da União Europeia, o chamado Brexit. Porém, o gestor de seu fundo apostou na queda do mercado. Nomura decidiu não interferir. Assim, quando a notícia da rejeição surgiu nas telas dos computadores e as ações desabaram, o fundo ganhou 3,4% em um dia.

Nomura até poderia ter convidado o funcionário para tomar um saquê após o expediente, mas seria impossível. Computadores não bebem. Quem garantiu a alta foi um sistema de inteligência artificial, desenvolvido por Nomura ao longo de três anos. O fundo de Nomura é pequeno, tem recursos de apenas US$ 35 milhões, mas ele faz parte de um clube que vem crescendo aceleradamente e ganhando importância. Hoje, metade dos gestores dos 25 maiores fundos de hedge do mundo usam esse recurso para traçar suas estratégias de investimento, segundo um levantamento da revista americana Alpha, ligada à publicação Institutional Investor.

Pela pesquisa, seis dos sete gestores mais bem pagos da indústria, que receberam salários entre US$ 500 milhões e US$ 1,7 bilhão no ano passado, usaram programas de computadores sofisticados para garantir suas remunerações de muitos dígitos. Entre eles, fundos como Citadel, Renaissance Technologies, Bridgewater Associates, Milennium Managment, D.E Shaw Group e Two Sigma Investments, que teve dois sócios na lista. Há 14 anos, apenas dois fundos que usavam inteligência artificial estreavam no ranking. Um dos pioneiros foi o Renaisssance Technologies, fundado em 1982 pelo matemático James Simons.

Antes de se aventurar no mercado financeiro, Simons trabalhou para a National Security Agency (NSA), a agência de segurança dos Estados Unidos, decifrando códigos durante a Guerra do Vietnã. Em uma de suas raras aparições públicas, durante um seminário no ano passado, Simons contou que passou a usar o recurso de máquinas capazes de aprender, o chamado machine learning, no mercado financeiro no começo dos anos 1980 devido ao esgotamento dos modelos tradicionais de previsão baseados na antecipação de tendências. “Buscamos outras abordagens, juntando uma enorme quantidade de dados, como séries históricas de taxas de juro do Federal Reserve, e criamos modelos matemáticos para simular cenários e fazer previsões”, disse ele.

O que Simons e seus concorrentes procuram fazer, usando computadores potentes e muitas horas de insônia dos programadores, é descobrir o que influencia os preços dos ativos financeiros e tentar antecipar esses movimentos. Por exemplo, é intuitivo saber que chuvas inferiores ao esperado devem elevar os preços dos grãos. No entanto, a meta dos gestores é calcular, matematicamente, como menos chuva no Meio Oeste americano influencia a cotação da libra esterlina, descobrir isso mais cedo que a concorrência e comprar – ou vender – antes dos demais. “O segredo era olhar para várias anomalias e ver quando se alinham”, disse Simons. “Com dados suficientes, é possível diferenciar algo imprevisível de um efeito cujas probabilidades é possível antecipar.”

O uso desses recursos deve crescer ainda mais. Um estudo da consultoria Boston Consulting Group divulgado em julho mostra que termos como aprendizagem de máquina e inteligência artificial (observe o glossário), antes restritos a poucos fundos, devem tornar-se corriqueiros em um futuro próximo. “O mercado cresceu pouco em 2015, o que forçou os gestores a melhorar seu desempenho”, diz Gary Shub, sócio da consultoria. De acordo com o relatório, o ano passado foi difícil. Além da volatilidade do mercado, o patrimônio sob gestão cresceu apenas 1%, o que elevou a pressão pela redução das taxas de administração dos fundos.

Não é coincidência que algumas gestoras tenham roubado talentos das empresas de tecnologia. Foi o caso do Citadel, fundado pelo bilionário Kenneth Griffin, que contratou Kevin Turner, ex-diretor de operações da Microsoft, para administrar sua divisão de títulos de renda fixa. Em março, a Bridgewater Associates, do gestor Raymond Dalio, que administra US$ 154 bilhões, recrutou Jon Rubinstein, vice-presidente da Apple, para dividir o comando. Quem quiser investir em um fundo gerido por computador terá de enviar seu dinheiro para fora do Brasil. E pode preparar os bolsos. O investimento mínimo oscila de US$ 100 mil do fundo Bridgewater até os US$ 10 milhões exigidos pelo Citadel.