24/07/2015 - 19:00
Nos livros de História do Brasil, o ano de 1979 é destacado pelo início do mandato do general João Baptista Figueiredo, que conduziria o processo de transição da Ditadura Militar para o regime democrático, e pelo Segundo Choque do Petróleo, que fez o preço do óleo disparar. Foi justamente naquela época turbulenta que o jovem economista Roberto Cortes, então com 23 anos, ingressou no setor automotivo. De lá para cá, o atual presidente da MAN Latin America, que detém a marca Volkswagen Caminhões e Ônibus, contabiliza 17 crises econômicas no seu currículo.
Graduado em Economia e pós-graduado em Finanças, Cortes sempre encarou os percalços com otimismo, explicando aos seus chefes estrangeiros que o mercado brasileiro traria retorno aos investimentos. “Muitos falam que eu sou um caçador de borboletas, mas eu confio no Brasil”, diz o executivo, que convenceu a direção da MAN, na Alemanha, a manter o investimento programado de R$ 1 bilhão, no Brasil, apesar da queda de 42% do setor, no semestre. “Vivemos uma tempestade perfeita.”
Na indústria automotiva, o setor de caminhões e ônibus é a maior vítima dessa tempestade perfeita, mencionada por Cortes, que abrange diversos elementos da crise econômica: queda da confiança do empresariado e do consumidor; encolhimento do PIB; alta dos juros; aumento do custo decorrente da inflação elevada e da desvalorização do câmbio; dificuldades nos mercados de exportação (principalmente na Argentina); paralisação de grandes obras de infraestrutura; cortes nas compras governamentais de ônibus; instabilidade política; e a entrada de novos concorrentes, que aumentaram a oferta de veículos.
O resultado prático é que as fábricas estão com ociosidade de 70%. “Nos próximos três meses, o setor ainda vai andar de lado”, diz Bernardo Fedalto Jr., diretor comercial de caminhões da Volvo. Embora registre uma retração de “apenas” 20%, no primeiro semestre, o segmento de automóveis também passa por um processo de ajuste profundo. Os estoques nas montadoras e concessionárias, que chegaram ao pico de 60 dias de vendas no começo do ano, caíram para 47 dias, em junho. O ideal, segundo os executivos do setor, é administrar um volume equivalente a 30 dias de vendas.
Para desacelerar a produção, no entanto, as montadoras demitiram 7,6 mil trabalhadores desde janeiro, e mantêm outros 36,9 mil em férias coletivas ou licença remunerada. Preocupado com a alta do desemprego, o governo regulamentou, na terça-feira 21, o Programa de Proteção ao Emprego, que prevê a redução de jornada de trabalho e de salários em troca da manutenção dos postos de trabalho. A garantia de estabilidade pode, inclusive, incentivar o trabalhador a consumir, auxiliando a recuperação econômica.
“Infelizmente, ainda há um baixíssimo índice de confiança do consumidor”, afirmou Luiz Moan, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), na segunda-feira 20, em evento promovido pela agência AutoData, em São Paulo. Diante de um cenário desafiador – o pior desempenho desde 2008 –, as principais montadoras estão “dando nó em pingo d’água” para atrair a atenção do consumidor. A General Motors (GM) , por exemplo, renovou o portfólio da marca Chevrolet. “Trocamos todos os produtos em 15 meses”, diz Marcos Munhoz, vice-presidente corporativo da GM.
“Por isso, sentimos menos a crise que a Fiat e a Volkswagen.” O setor também aposta em ações comerciais e de marketing na rede de concessionárias para alavancar as vendas. “É hora de fazer um bom varejo”, afirma Bruno Hohmann, diretor de marketing da francesa Renault. Para as japonesas Honda e Toyota, a crise é uma oportunidade para ganhar fatia de mercado. “Queremos repetir o desempenho de 2014, o que seria excepcional”, diz Luiz Carlos Andrade, vice-presidente da Toyota. Além da falta de confiança do consumidor, as concessionárias estão sofrendo com a alta dos juros e uma maior seletividade dos bancos.
Atualmente, 65% das vendas de veículos são financiadas, com entrada de 30% a 40% e prazo médio de 42 meses. Sem entrada, não há negócio. No começo do mês, o Bradesco fechou uma parceria com o Grupo Fiat para financiar as vendas das marcas Jeep, Chrysler, Dodge e RAM, no Brasil. A expectativa é conquistar uma carteira de R$ 2 bilhões, até 2017. Segundo Mauro Gouvêa, diretor da Bradesco Financiamentos, é injusta a crítica da Anfavea de que os bancos estão segurando o crédito. “A cautela é muito mais do consumidor, que teme perder o emprego”, diz Gouvêa.
A deterioração do cenário político e econômico levou a Anfavea a adiar para o segundo trimestre de 2016 as suas expectativas de retomada do crescimento, inicialmente prevista para o quarto trimestre deste ano. “É preciso que a economia volte a girar”, afirma Gilson Mansur, diretor de vendas de caminhões da Mercedes-Benz. “A recuperação do setor pode ser mais rápida do que a do PIB, porque o Brasil é muito dependente de transporte rodoviário”, diz Fedalto, da Volvo. Os executivos ressaltam que é preciso olhar no longo prazo e não se assustar com a “montanha russa” da economia brasileira. “Mercado estável é na Suíça, com exceção da Fifa”, ironiza Andrade, da Toyota.