17/04/2014 - 21:00
Após sofrerem durante anos com um quadro de absoluto abandono no Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, o velho Galeão de guerra, no Rio de Janeiro, os passageiros aguardam ansiosamente as primeiras providências do consórcio privado que arrematou a concessão pelos próximos 25 anos. Além do grupo baiano Odebrecht, o consórcio conta, desde o início do mês, com a experiência e o prestígio internacional da Changi Airports, empresa que administra o aeroporto mais premiado do mundo, em Cingapura. Para muita gente, pode até parecer a primeira incursão de uma grande empresa do pequeno país asiático, de 5,5 milhões de habitantes, por aqui, mas não é bem assim.
Aeroporto Changi: empresa que administra o premiado terminal é sócia da Odebrecht no Galeão
Os investidores de Cingapura, o pequeno arquipélago de 716 km2, no Oceano Índico, equivalente à área de Salvador, descobriram o Brasil há 15 anos e agora estão ampliando o leque de investimentos no mercado local, que deve funcionar de plataforma para seus negócios na América Latina. Uma das razões desse interesse é que Cingapura, uma cidade-Estado, tem poucas possibilidades de crescimento interno. Seu Produto Interno Bruto (PIB) é de apenas US$ 280 bilhões, pouco mais de 10% do brasileiro. No caso da Changi, a expansão da classe média no Brasil foi determinante para a parceria com a Odebrecht.
“Vimos uma grande oportunidade de aumentar a exploração da área comercial”, disse à DINHEIRO Lim Ling Song, CEO da empresa, por e-mail. “O objetivo é proporcionar mais opções, juntamente com a melhoria do nível de serviço, para impulsionar os gastos de passageiros no aeroporto.” Muito antes que a falta de infraestrutura no Brasil despertasse o interesse dos investidores estrangeiros, as empresas de Cingapura já haviam detectado oportunidades no setor de óleo e gás. A avaliação era de que o crescimento da extração do mineral demandaria uma série de serviços, como a construção de plataformas.
Foi isso que levou a Jurong Offshore, subsidiária da Sembcorp Marine, a se instalar no País, em 2000. No entanto, explorar uma área de alta tecnologia no Brasil obrigou a empresa, líder global em engenharia marítima, com uma participação de mercado de quase 50%, a efetuar alguns ajustes. O principal foi investir na qualificação dos brasileiros. “Temos um programa de treinamento internacional para os nossos colaboradores se atualizarem nos estaleiros do grupo em Cingapura”, afirma Luciana Aboudib Sandri, diretora institucional da Jurong Aracruz. A executiva garante que o Brasil ganha na transferência de tecnologia, graças a um acordo entre o Instituto Federal do Espírito Santo e o Ngee Ann Polytechnic, de Cingapura.
Satvinder Singh, responsável pela Europa e Américas na IE Singapore, agência de promoção de negócios do país, lembra que os investimentos em estaleiros no Brasil – ao todo são três – empregam quase dez mil pessoas. “É a maior contribuição do setor privado de Cingapura no Brasil”, diz (leia entrevista ao lado). Para ele, esse tipo de investimento foi importante porque, ao atingir um grau de maturidade, passou a atrair médias empresas para o Brasil, principalmente aquelas dedicadas a serviços de engenharia. Além disso, Singh destaca que as empresas de seu país possuem interesse, e investimentos, nas áreas agrícolas e de infraestrutura.
E, mais recentemente, em tecnologia e biotecnologia. A expectativa é de que o fluxo de investimento continue a crescer. O GIC cingapuriano, fundo soberano que tem mais de US$ 100 bilhões sob gestão, inaugurou um escritório em São Paulo. O objetivo da instituição, que já tem uma participação no banco BTG, é buscar oportunidades, entre outras áreas, em serviços e recursos naturais. Quem também já desembarcou no Brasil é a empresa agrícola Olam, uma das líderes no plantio nacional de café e algodão, que iniciou suas operações em 2002.
“A renda per capita continua crescendo e isso cria novas oportunidades”, diz Satya Mayilswamy, responsável pelos negócios no Brasil, Argentina e Uruguai. “As perspectivas de crescimento futuro da América Latina são muito positivas, e a região é um destino atraente para investimentos e vendas de produtos e serviços asiáticos.” A exemplo dos empresários nacionais, Mayilswamy se queixa da alta dos salários acima da produtividade e da complexidade do sistema tributário brasileiro. “Mas nem por isso as empresas de Cingapura deixarão de apostar no Brasil”, afirma.
“Nosso foco é investir no longo prazo”
Satvinder Singh, responsável pelas operações da agência de promoção de negócios IE Singapore na Europa e Américas, garante que a desaceleração econômica brasileira no curto prazo não é motivo de preocupação. Singh esteve, recentemente, em São Paulo para participar do Global Agribusiness Forum – GAF 2014.
Como o sr. avalia o momento atual da economia brasileira?
Nosso foco é investir no longo prazo. Sabemos que os países têm ciclos de alta e baixa. Isso acontece com todos. Não nos preocupamos com um crescimento mais baixo em um curto período.
Em quais áreas Cingapura pode aumentar o investimento no Brasil?
Temos três tipos de investidores interessados. Os primeiros são os fundos soberanos, a Temasek Holdings e o GIC. O segundo grupo é formado pelas grandes empresas do setor privado, principalmente nas áreas de óleo e gás, infraestrutura, agricultura e setor imobiliário. E o terceiro é o de médias empresas, com faturamento anual de cerca de US$ 150 milhões, que buscam oportunidades nas áreas de serviços de engenharia, tecnologia e biotecnologia.
Em todas essas áreas o interesse é no longo prazo?
Os estaleiros de Cingapura já estão há 15 anos no mercado brasileiro. Foram os primeiros e empregam cerca de dez mil pessoas. É a maior contribuição do setor privado de Cingapura aqui. Acredito que somos o país asiático mais ativo em investimentos diretos no Brasil. A China tem muito destaque na América Latina, mas, no caso deles, o investimento é em suprimentos para o próprio país. Já os investimentos de Cingapura são diretos, criam valor e trazem tecnologia.
Como é possível um país pequeno ter uma atuação internacional tão forte?
Temos pouco mais de cinco milhões de habitantes e nenhum recurso natural. Então, precisamos criar valor para os recursos que não temos. Sabemos que é preciso reinventar-se constantemente e aprender a trabalhar com parceiros.
Como o Brasil pode melhorar o ambiente de negócios?
Operar no Brasil é desafiador porque a burocracia é muito complexa em termos de licenças, mercado de trabalho e impostos. Se houver um pequeno incremento nessa área, mesmo que seja uma minirreforma, será possível dar um salto na competitividade. Governo e setor privado têm de trabalhar juntos para isso.
Qual é a sua avaliação sobre a relação entre Brasil e Ásia?
As empresas brasileiras precisam olhar para novos mercados. Obviamente, todo mundo está de olho na China, mas é preciso diversificar. A Indonésia tem 230 milhões de habitantes e oferece muitas oportunidades. Há grandes países como Filipinas, Tailândia, Malásia, Myanmar e Vietnã que estão se desenvolvendo muito rapidamente. Têm um poder de compra provavelmente maior do que o da classe média chinesa. Uma das coisas que a gente oferece para as empresas brasileiras é fazer de Cingapura uma base para acessar outros mercados. Algumas empresas já fizeram isso, como Tramontina, Weg, Embraer e Alpargatas.