05/09/2012 - 21:00
O voto do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, na tarde da quinta-feira 30, não marcou apenas o fim da primeira parte do julgamento da ação penal do mensalão. Na avaliação de especialistas ouvidos pela DINHEIRO, a condenação de cinco réus é mais um passo de uma mudança que já está em curso no País: a forma como os setores público e privado se relacionam, incluindo doações de campanhas eleitorais, licitações de obras e serviços e lobbys empresariais. Na semana passada, os 11 ministros condenaram o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, por corrupção passiva e peculato. O publicitário Marcos Valério e seus sócios nas agências SMP&B e DNA, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, também foram considerados culpados por corrupção ativa e peculato.
PIZZOLATO: ex-diretor de marketing do Banco do Brasil
foi condenado por corrupção passiva e peculato
Além disso, a maioria dos ministros condenou o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Pizzolato e Valério foram personagens de reportagens exclusivas da DINHEIRO em 2005. Em uma delas, a ex-secretária do publicitário, Fernanda Karina Ramos Somaggio, revelou o elo da SMP&B com o governo. Em outra, Pizzolato acusou o ex-ministro Luiz Gushiken de ordenar pagamentos do BB à DNA. Gushiken foi inocentado de todas as denúncias pelo Supremo. O efeito imediato do julgamento já pode ser sentido na tesouraria das campanhas municipais. “Não só não está havendo caixa 2 como não tem dinheiro para o caixa 1”, diz Gaudêncio Torquato, consultor e professor de comunicação política da USP.
JOÃO PAULO: (centro) condenado por três crimes, o deputado petista
desistiu de concorrer à Prefeitura de Osasco
“Cauteloso, o setor privado fechou o bolso.” Embora não admitam publicamente, os empresários temem que uma utilização inadequada dos recursos possa gerar algum escândalo, ferindo a imagem de suas companhias. A atual legislação permite a doação de até 2% do faturamento da empresa, mas poucas estão dispostas a contribuir neste ano diante de tantos holofotes. “Acabou o toma lá da cá”, afirma Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice. “Não dá mais para condicionar doações à troca futura de favores.” Os especialistas reconhecem, no entanto, que ainda há um enorme caminho a ser percorrido no combate à corrupção. O fato de o Supremo não ter aceitado a tese de caixa 2 como forma de justificar o desvio de recursos foi um avanço.
MARCOS VALÉRIO: o publicitário e seus sócios foram condenados
por corrupção ativa e peculato
“O julgamento do mensalão é muito positivo porque começa a questionar a noção sistêmica de impunidade no País”, diz Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria e professor da PUC-SP. “Por isso é fundamental a consolidação de instituições que punam os culpados.” Noronha, da Arko Advice, acredita que o Brasil já vive um avanço institucional no combate à corrupção. “O STF mandou um recado claro aos agentes públicos e privados sobre a necessidade de se ter uma conduta correta.” Outro efeito positivo do julgamento pode ser uma melhora na percepção que a comunidade internacional e os próprios brasileiros têm sobre a corrupção no País. “O Brasil é considerado um dos paraísos da ilegalidade no mundo”, diz Torquato, da USP. Um estudo da Fiesp mostra que a economia brasileira perde, por ano, R$ 82 bilhões com corrupção – o equivalente a 2,3% do PIB.
Até mesmo o lobby de empresários junto ao governo tende a ser mais questionado a partir de agora. Nos Estados Unidos, essa prática é pública, assim como o incentivo para que as pessoas façam doações. “O modelo ideal de financiamento de campanha seria o bancado apenas pela população, sem as empresas”, diz Cortez, da Tendências. A legislação brasileira permite que as pessoas físicas cedam até 10% da sua renda bruta para os candidatos, mas as campanhas contabilizam poucas doações. Enquanto a reforma política não sai, no entanto, é preciso garantir a prestação de contas, dar transparência às relações entre os setores público e privado, e, principalmente, não deixar dúvidas de que a impunidade absoluta acabou. E, para isso, o STF deu uma enorme contribuição.
Reportagem exclusiva da DINHEIRO, em 2005, trouxe a acusação de Pizzolato,
do BB, contra o ex-ministro Luiz Gushiken