O foco no público de baixa renda sempre foi o forte da construtora mineira MRV. Há quase 40 anos no ramo da construção civil, a companhia fundada pelo engenheiro civil Rubens Menin ganhou um impulso a partir de 2009, quando o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o programa habitacional Minha Casa Minha Vida. Considerado um dos principais motores para o setor de construção civil, o programa é responsável por 95% do faturamento da MRV, que no ano passado somou R$ 4,8 bilhões, alta de 13,8% sobre o registrado em 2014.

No primeiro trimestre deste ano, os prédios do Minha Casa Minha Vida foram responsáveis por 100% dos lançamentos da companhia: 19 empreendimentos que movimentaram R$ 973 milhões. “O foco da empresa é o público de média e baixa renda, mesmo antes do programa”, diz Eduardo Fischer, presidente da MRV. “Hoje, nossa estratégia é o Minha Casa Minha Vida e não temos nenhuma intenção de repensar isso.” A posse do novo ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), causou apreensão na MRV e nas demais construtoras que dependem do Minha Casa Minha Vida.

A preocupação foi com o anúncio da suspensão da terceira fase do programa, lançada no primeiro semestre de 2015 pela presidente Dilma Rousseff, agora afastada. De 2009 até 2015, 4,2 milhões de unidades habitacionais foram contratadas. Dessas, 2,6 milhões foram entregues e movimentaram R$ 294,4 bilhões em investimentos. O cancelamento da construção de mais 2 milhões de unidades causou apreensão. “A descontinuidade do programa seria um caos para os empreiteiros”, diz Ronaldo Cury, vice-presidente de Habitação Popular do SindusCon-SP.

“Entendo e concordo com a posição do ministro Bruno de reavaliar e esperar saber quanto será o orçamento para realizar novas contratações.” A confusão foi apaziguada pelo presidente interino Michel Temer, que garantiu a continuidade do Minha Casa Minha Vida. Dividido em quatro faixas, que correspondem à renda familiar, o governo quer revisar as contratações que dependem quase que exclusivamente de financiamento público. Por enquanto, o ministro Araújo confirmou a revogação de 11.250 contratos de unidades que contemplam famílias com renda de até R$ 1,8 mil.

Responsável por grande parte dessas obras, a Direcional Engenharia entregou, até meados de 2014, mais de 91 mil unidades habitacionais, totalizando R$ 5,8 bilhões em valor geral de vendas. Após os anúncios de corte por parte do governo, a companhia presidida por Ricardo Gontijo reafirmou que manterá todo o plano de negócios. Procurada pela DINHEIRO, a Direcional não quis se manifestar. Estudo do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, a pedido da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), aponta que cinco milhões de empregos foram criados para a realização do programa e 83% dos subsídios pagos pelo Orçamento Geral da União retornaram por meio de impostos.

Isso facilita a defesa do programa por torná-lo sustentável. “É natural que um novo governo revise programas para entender quantas contratações serão possíveis”, diz Ana Maria Castelo, pesquisadora do Ibre e autora do estudo. “O que não pode é parar obras em andamento, pois o impacto é direto. À medida que se deixa de fazer as construções esperadas, serão menos investimentos, menos renda e menos postos de trabalho.” O impacto da descontinuidade para a economia brasileira seria gigantesco.

De acordo com o estudo, o programa fecharia 2,8 milhões de postos de trabalho na construção civil, num período de três anos, e o governo deixaria de arrecadar R$ 37,3 bilhões em impostos. A perda de investimentos chegaria a R$ 145,7 bilhões. “Hoje, o programa representa cerca de 10% a 15% para a construção civil”, diz José Carlos Martins, presidente da CBIC. “Pode parecer pouco, mas em um cenário recessivo como o do Brasil, todos os projetos de construção são importantes e necessários.” É verdade. Porém, o governo Temer herdou um rombo de R$ 170,5 bilhões nas contas públicas e precisa colocar ordem na casa. O jeito é esperar.