É das planilhas dos auditores da PriceWaterhouseCoopers que sairá uma decisão importante para o mercado financeiro brasileiro nos próximos dias. Com base no parecer da auditoria, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) decidirá se o Banco Cruzeiro do Sul, sob intervenção há quase dois meses, será ou não liquidado. Se o rombo no banco for superior ao R$ 1,5 bilhão já apurado, provavelmente o FGC optará por liquidar o banco carioca para não ter que colocar mais recursos. Até agora, segundo fontes próximas ao FGC, não apareceram novos interessados na instituição controlada pela família Índio da Costa, que concentrava boa parte de seus negócios em crédito consignado. 

 

17.jpg

Diversificação de carteira deve ser a aposta dos bancos pequenos

para driblar a concorrência no mercado de consignados.

 

O banco negou oficialmente rumores de que os auditores já teriam detectado um patrimônio negativo de R$ 2,5 bilhões. A intervenção do Banco Central no Cruzeiro do Sul foi seguida, no início de junho, pela associação do mineiro BMG, outro dos principais operadores do crédito consignado, com o Itaú, o maior banco privado nacional. Com a saída de cena de dois atuantes bancos de médio porte (seja pela interrupção de suas operações, como é o caso do Cruzeiro do Sul, seja por sua absorção por um grandalhão do mercado, como ocorreu com o BMG), a concorrência no consignado passou a ser jogo de gente grande: os líderes são gigantes como Banco do Brasil, Itaú Unibanco, CEF, Bradesco e Santander – exatamente os maiores bancos do País. 

 

Trata-se de uma virada significativa no jogo. Quando surgiu, em 2004, o crédito com desconto em folha de pagamento e taxas menores que os empréstimos habituais interessou principalmente aos bancos médios e pequenos – os líderes de mercado em princípio não acreditaram muito nessa modalidade, permanecendo ao largo. No entanto, o crédito consignado explodiu desde então: o saldo atingiu, em maio, R$ 172,3 bilhões, o que representa quase 60% do total das operações de crédito pessoal no País. Com o tempo, o crescimento da demanda e a baixa inadimplência chamaram a atenção dos grandes bancos, que passaram a ver o consignado como um produto promissor. 

 

18.jpg

Paulo Dalla Nora, diretor-executivo do Banco Gerador: “só vão sobreviver

as instituições que puderem controlar sua própria carteira”.

 

Agora, a questão para os bancos de médio e pequeno porte nesse nicho é como sobreviver competindo com os gigantes com um custo de captação de recursos muito mais alto que os rivais. Alguns executivos, como Renato Oliva, presidente da Associação Brasileira de Bancos Comerciais (ABBC), acreditam que a transação entre Itaú e BMG pode servir de modelo para negócios semelhantes. “A concorrência pode incentivar esse tipo de operação”, afirma Oliva. Além de pagar mais caro para captar depósitos, os bancos médios também sofrem com a falta de capital para manter as operações de crédito em seus balanços, lembra Oliva. Para piorar, os bancos médios passaram a ser obrigados a reconhecer ao longo do tempo da carteira o lucro obtido na cessão de carteiras de crédito para outros bancos. 

 

A operação vinha sendo uma das maiores fontes de financiamento dos pequenos bancos, que passaram a ter maiores dificuldades para captar depósitos desde as quebras dos bancos Santos, em 2005, e PanAmericano, em 2010. Outra alternativa de sobrevivência, afirma a analista do setor bancário da Lafis, Thaís Virgo, seriam uniões de pequenos e médios bancos sob um único guarda-chuva. “Essa pode ser uma opção, desde que as instituições encontrem seu nicho de mercado, sem visar a competição direta com os grandes”, diz Thaís. De fato, já se nota o movimento de alguns bancos pequenos no sentido de reduzir a concentração no consignado para evitar bater de frente com os mais fortes. Um exemplo é o banco nordestino Gerador, que iniciou as operações em 2009, com o crédito consignado respondendo por 70% de sua atividade. 

 

19.jpg

Renato Oliva, presidente da ABBC: ”A concorrência pode incentivar

outras operações como a do BMG e Itaú”.

 

Este percentual já caiu para 50%, segundo o diretor-executivo da instituição, Paulo Dalla Nora. “As outras áreas do banco, como crédito a empresas, foram crescendo mais do que o consignado”, afirma Dalla Nora. “E esse movimento foi alterando a estratégia da instituição.” Para o executivo, a briga dos bancos grandes no consignado vai disciplinar o negócio. Principalmente, em relação à atuação dos correspondentes bancários, conhecidos como “pastinhas” no mercado financeiro. “Só vão sobreviver as instituições que tiverem capacidade de controlar a sua própria carteira, sem depender da distribuição de terceiros”, afirma Dalla Nora. Segundo ele, quem se propuser a ter rede própria de originação de recursos pode sobreviver nessa briga com os gigantes, desde que reconheça seus limites. 


“É o momento de os pequenos e médios se reinventarem e buscarem novos produtos”, afirma Dalla Nora. O Paraná Banco, que operava exclusivamente com consignado quando abriu o capital na bolsa, há cinco anos, também está mudando. Hoje a carteira de R$ 1,5 bilhão em empréstimos com desconto em folha representa 85% das atividades do banco. O gerente de relações com investidores da instituição, Mauricio Fanganiello, diz que a diversificação já era uma estratégia antes de o negócio entre Itaú e BMG ser fechado. “Mas essa transação só dá força à ideia de não ficar 100% no consignado”, diz. O Paraná Banco vem explorando principalmente o middle market – como são chamados os empréstimos para empresas que faturam entre R$ 20 milhões e R$ 500 milhões por ano. 

 

20.jpg

 

 

“A tendência é de que essa carteira cresça de maneira mais acelerada”, afirma. O banco paranaense, controlado pelo grupo J. Malucelli, foi alertado para a necessidade de diversificar a carteira pelas agências de rating. Nos relatórios sobre a instituição, a Fitch, por exemplo, afirma que a diversificação de produtos financeiros garante resultados melhores ao longo dos ciclos econômicos. Os resultados dos bancos concentrados em consignado mostram o impacto da competição. O Gerador teve prejuízo de R$ 2 milhões no primeiro trimestre, e o Bonsucesso, de R$ 10 milhões, segundo dados do Banco Central (BC). Procurado pela DINHEIRO, o Bonsucesso preferiu não comentar o assunto. O Paraná Banco, por seu turno, continua lucrativo: ganhou R$ 37 milhões no primeiro trimestre. 

 

Antes de fechar negócio com o Itaú, o BMG havia registrado prejuízo de R$ 108 milhões. A exemplo do que ocorreu em crises anteriores, o BC estuda criar novos instrumentos para amenizar as dificuldades de captação. Desta vez, a ideia é criar um grande Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) que compraria empréstimos de vários bancos. “O BC vem estudando um FIDC mais seguro, que poderia ser vendido aos investidores e compensaria a deficiência que temos hoje”, afirma um executivo que participa das discussões. O grande FIDC padronizaria a securitização dos empréstimos e substituiria o mecanismo de cessão de carteiras que vinha sendo usado pelos bancos médios. Procurado, o BC não comentou o assunto.

 

21.jpg