O bom desempenho de uma máquina depende necessariamente de sua manutenção preventiva. Dessa forma, esse equipamento conseguirá operar em máxima potência e não irá parar de uma hora para outra, deixando de entregar a produção esperada. É com esse pensamento que deverá ser conduzida a economia brasileira neste ano para que o País volte a ter um crescimento maior. Para alcançar esse objetivo, a equipe econômica terá de fazer alguns ajustes pontuais e outros estruturais. A tarefa, em ano eleitoral, não é simples, mas há um quase consenso entre os economistas de que a fórmula baseada em crédito e consumo está se esgotando. 

 

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Guido Mantega, Ministro da Fazenda: “O Brasil tem sólidos fundamentos para que a trajetória

de crescimento moderado continue em 2014″

 

Na quinta-feira 27, o IBGE divulgou que o PIB cresceu 2,3% no ano passado, totalizando R$ 4,84 trilhões. Embora superior ao registrado em 2012, de apenas 1%, o índice mostra que a economia brasileira segue num ritmo aquém do seu potencial. E o pior: as projeções para 2014 oscilam entre 1,5%, segundo o mercado financeiro, e 2,5%, pelas contas do governo. Ainda que seja confirmada a hipótese mais otimista, o mandato de Dilma Rousseff terá conseguido uma expansão média do PIB inferior à dos seus dois últimos antecessores (leia quadro “O PIB de cada um”). 

 

Economistas ouvidos pela DINHEIRO não veem soluções milagrosas de curto prazo que possam aumentar a potência econômica, mas defendem que é preciso agir o mais rápido possível para retomar a credibilidade e, assim, atrair os investidores que estão receosos com a economia brasileira. “É preciso preparar as bases para um crescimento maior em 2015”, diz Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. “O ajuste fiscal que se esperava para o ano que vem começa agora.” Nesse processo, a prioridade máxima será mostrar um controle rigoroso e transparente das contas públicas, com menor crescimento das despesas.

 

Quem está no comando dessa máquina, com a missão de reverter as expectativas, é o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que vem se esforçando para mostrar que as metas da política econômica são críveis – na semana passada, ele liderou pela primeira vez um corpo a corpo com economistas em São Paulo. “A economia brasileira tem sólidos fundamentos e condições para que a trajetória de crescimento moderado continue em 2014”, afirmou o ministro logo após o anúncio do PIB. “É um resultado de qualidade, porque foi puxado pelo investimento.” Os números podem diminuir o desgaste da imagem do País no mercado financeiro, que tem sido explicitado em ataques diretos da imprensa econômica britânica a Mantega. 

 

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A favor do PIB: o País deve ser o maior produtor de soja (a esq.) do mundo em 2014. Já a concessão de aeroportos,

como o Galeão, ajudará a atividade econômica

 

Na quarta-feira 26, o jornal Financial Times sugeriu a sua saída do governo, o que seria uma “maravilha para o Brasil”, já que o ministro “há muito tempo perdeu a consideração por parte dos investidores”. Nos dois últimos anos, a revista The Economist fez sugestão similar. São opiniões deselegantes e arrogantes que só ajudam a piorar a imagem do Brasil no Exterior. A quem isso interessa? Nessa guerra de expectativas, a entrega do superávit primário será acompanhada com lupa mês a mês pelos investidores, no mínimo até maio. Se o governo mostrar que está comprometido com a meta de superávit primário de 1,9% do PIB, ou ao menos caminhar para isso, o mau humor pode melhorar um pouco. 

 

“É importante ter a percepção de que o quadro fiscal está evoluindo”, afirma Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco. Para ele, está sendo válido o esforço do governo em se comunicar melhor com os agentes do mercado financeiro. O economista, no entanto, não acredita no cumprimento da meta fiscal e projeta uma economia para o pagamento dos juros de 1,3% do PIB. “Se chegar à meta, vai ser com as receitas extraordinárias”, diz Goldfajn. Um dos motivos para o questionamento em relação à condução da política fiscal é o fato de ser um ano eleitoral, período em que tradicionalmente há uma elevação dos gastos públicos. 

 

E mesmo que o governo federal faça a sua parte, especialistas acham difícil os Estados e os municípios trilharem o mesmo caminho – esses entes devem poupar o correspondente a 0,35 ponto percentual da meta. A questão fiscal não é o único obstáculo para ajustar as bases da economia brasileira. Outro ponto incômodo e que trava a atividade é a inflação, que está longe do centro da meta oficial, de 4,5%. Mas nesse item o Banco Central já vem agindo desde abril do ano passado com a elevação da taxa básica de juros. O último aumento foi na noite da quarta-feira 26, quando a Selic subiu de 10,50% para 10,75% ao ano. 

 

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Embora a sinalização seja boa para o controle dos preços, o ciclo de aperto monetário, se for exagerado, deve sufocar o crescimento da economia. Porém, num segundo momento, a economia mais equilibrada pode dar retorno. “O saldo primário mais elevado e a cotação do dólar entre R$ 2,40 e R$ 2,50 podem contribuir para que a Selic caia, mas não agora”, diz Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Os preços represados dos combustíveis e das tarifas de transporte público e energia elétrica também preocupam os economistas. A melhor saída, dizem, seria o governo liberá-los de forma gradativa. 

 

Com a alta dos juros, é natural que setores movidos a crédito não deem a mesma contribuição ao PIB observada nos últimos anos. Um deles é o de máquinas e equipamentos, que inclui caminhões. Dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mostram que o licenciamento desses veículos cresceu 11,1% no ano passado. No entanto, alguns fabricantes não esperam repetir o mesmo vigor. “O mercado de caminhões este ano deve ficar mais estável em função das regras do Finame”, diz à DINHEIRO o britânico Steven Armstrong, CEO da Ford para a América do Sul. 

 

O Finame é um programa do BNDES para o financiamento de máquinas e equipamentos, mas em 2014 os juros dessa linha sofreram uma elevação, seguindo a nova diretriz da política econômica. O custo mais alto só não irá atrapalhar tanto porque o setor agrícola brasileiro, que já foi um dos motores da economia no ano passado, deve continuar aquecido, com nova colheita recorde de soja, a ponto de retirar dos Estados Unidos o posto de maior produtor desse grão no mundo. O que pode ajudar a economia brasileira são as concessões – e aí está mais uma lição a ser aprendida pelo governo. Os leilões que foram feitos no ano passado, como o dos aeroportos de Confins e Galeão, devem começar a ter efeito na atividade econômica a partir do segundo semestre. 

 

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Steven Armstrong, CEO da Ford: “O mercado de caminhões

deve ficar mais estável em 2014″

 

Já as novas licitações em 2014, caso ocorram, como as de ferrovias e portos, devem ter efeito no PIB só em 2015. De qualquer forma, será uma sinalização importante ao mercado e ao setor produtivo de que a infraestrutura segue como prioridade. Para esse sinal continuar positivo, é preciso que não haja por parte do governo federal uma tentativa de limitar a taxa interna de retorno (TIR) dessas operações. No ano passado isso atrapalhou o apetite na concessão de rodovias – o modelo precisou ser alterado e a TIR, reajustada várias vezes. “Para que as novas concessões ocorram de maneira saudável e rentável é importante a recuperação da credibilidade, sem mexer nas regras”, afirma Vagner Alves, economista da gestora de recursos Franklin Templeton. Apesar das perspectivas não tão animadoras, Rodrigo Alves, professor da Fundação Dom Cabral, lembra que o mercado é muito dinâmico. 

 

“Se o mundo começar a se recuperar no segundo semestre, o Brasil também pode crescer mais nos períodos seguintes”, diz Alves, acrescentando que “é ridículo pensar apenas no curto prazo”. Pode haver ainda surpresas – boas ou desagradáveis – no front externo. Bráulio Borges, da LCA, lembra que a crise na Argentina pode afetar os exportadores brasileiros. Por outro lado, a recuperação nos Estados Unidos e na Europa ajudará o País, principalmente agora que o dólar está num patamar mais competitivo. “E diferentemente da China, a maior parte das exportações para esses países é de manufaturados”, afirma Borges. Encerrada a etapa dos ajustes básicos, será a vez das reformas estruturais. O primeiro desafio virá logo no início de 2015, independentemente de quem vencer a eleição. 


Trata-se da revisão da política de reajuste do salário mínimo, que está vinculada à inflação e ao crescimento da economia, garantindo sempre um ganho real. Se por um lado esse mecanismo impulsionou o consumo, por outro reindexou a economia e piorou as contas públicas. Já a missão mais difícil, mas que não pode ser abandonada, é a busca por uma reforma tributária. Uma maior abertura comercial também poderia ser favorável ao Brasil, até para compensar os períodos de baixo crescimento interno, como o atual. “O Brasil está fora das cadeias globais de fornecimento”, diz José Roberto Mendonça de Barros, economista e sócio-fundador da MB Associados. Como se vê, o caminho para ajustar a máquina é conhecido, só falta agora coragem para operá-la da forma correta. 

 

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Colaboraram: Keila Cândido e Ana Paula Machado