Se consumo foi o motor da economia brasileira nos últimos anos, o crédito era o equivalente ao combustível. Agora, no entanto, essa engrenagem travou. Nas concessionárias de veículos, apesar dos juros subsidiados oferecidos pelos bancos das montadoras, a presença de clientes é cada vez mais escassa. O movimento também diminuiu nas lojas de bens duráveis, como eletrodomésticos. Tudo é fruto da alta dos juros e da falta de confiança do consumidor para ir às compras e contrair novas dívidas.

Do outro lado do balcão, os bancos estão ainda mais cautelosos na concessão de crédito, e pelos mesmos motivos: falta con- fiança nos rumos da economia. O resultado é que, pela primeira vez desde 2003, o crédito livre (que não possui taxas reguladas) para as pessoas físicas se manteve estacionado em R$ 756 bilhões em maio, mantendo, em valores deflacionados, o mesmo saldo de maio de 2013. A combinação do menor apetite do consumidor com o maior rigor na aprovação dos contratos resultou num cenário que preocupa até o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

“Há uma escassez de crédito”, diz o ministro, reclamando da postura dos bancos. “Tem gente que acha que se faz o País crescer só com investimento, mas também é preciso estimular o consumo”, afirma. Nos últimos anos, o consumo das famílias foi o motor da economia brasileira, mas em 2013 começou a perder fôlego. “Há uma desalavancagem das famílias no crédito para o consumo”, disse, na quinta-feira 26, o diretor de política econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, ao anunciar as previsões do BC para os próximos meses.

“Como combustível do crescimento, o crédito tende a contribuir muito pouco e até negativamente nos próximos meses”, diz Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg & Associados. Com menos crédito, o comércio também cresce menos. No início do ano, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) estimava uma expansão de 6% nas vendas no varejo em 2014. Depois que as lojas começaram a sentir os efeitos do maior rigor dos bancos na aprovação dos financiamentos, a entidade reduziu a projeção para 4%.

No caso de veículos, o volume de financiamentos no mercado caiu 8% em maio na comparação com o mesmo mês do ano passado, para R$ 188 bilhões. “Uma menor oferta de crédito não derruba o comércio, mas vai desacelerar o seu crescimento”, diz Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da CNC. Ele vê o aumento da inadimplência para a pessoa física, que em maio chegou a 6,7%, o maior nível desde dezembro de 2013, como um dos motivos do maior cuidado. A preocupação com os atrasos também levou os bancos a buscarem linhas mais seguras, deixando de lado o financiamento do consumo.

“Há dois anos, o Itaú optou por mudar a estratégia, focando em linhas de crédito de menor risco e com maiores garantias, como consignado, imobiliário e grandes empresas”, diz Marcelo Kopel, diretor corporativo de controladoria do Itaú Unibanco. O movimento é comum a outras instituições financeiras. A retração dos grandes bancos abriu espaço para as financeiras, algumas das próprias redes varejistas. É o caso da Riachuelo, rede com 223 lojas espalhadas pelo País.

Em vez de buscar parcerias com grandes bancos, a empresa decidiu, em 2008, financiar diretamente seus clientes. “Avaliamos que não fazia sentido um arrocho de crédito e mantivemos a oferta e as taxas de juros”, diz Flávio Amadeu, diretor comercial da Midway, braço financeiro do grupo. A estratégia, somada a um forte controle e acompanhamento da base de clientes, resultou nas menores taxas de inadimplência nos últimos cinco anos e um crescimento de 20% nas vendas.

A Sorocred, especializada em cartões e linhas de crédito para a nova classe média, é outra que aproveitou a brecha. “Os bancos estão temerosos, o que nos deixou mais espaço para atuar”, diz a superintendente Mary Helen Souto. Com a possibilidade de selecionar melhor seus clientes, a financeira reduziu os pagamentos em atraso e projeta um lucro 15% maior neste ano. Apesar de bem-sucedidas, a Midway e a Sorocred ainda são exceções no mercado. Se o combustível do crédito não reaparecer, o motor do PIB continuará travado.