A mais sofisticada loja da Nike na Champs Elysées, em Paris, está com seu produto mais procurado em promoção. A camisa oficial do jogador Mbappé, astro do Paris Saint-Germain, está à venda por exatos 111,97 euros — tanto na loja quando no site. Duas semanas atrás, a mesma camisa estava 139,99 euros. O desconto de 20% não é uma tentativa da Nike Store de vender mais. Não precisaria. A iniciativa faz parte de um movimento das empresas e marcas que operam no mercado europeu de reduzir suas margens de lucro e ajudar a segurar a inflação desenfreada que tomou conta do Velho Continente desde a pandemia.

Com razão.

Pelos cálculos do serviço de estatísticas da União Europeia, Eurostat, os preços ao consumidor nos 20 países que compartilham o euro subiram 5,5% em junho no acumulado de 12 meses, abaixo da taxa de 6,1% registrada em maio, mas ainda assim muito elevada para os padrões de países desenvolvidos.

O problema é que a desaceleração da alta dos preços, na análise da Eurostat, é um fenômeno pontual e se deve, principalmente, à queda dos preços da energia.

O núcleo da inflação, que não exclui os preços de energia e alimentos, subiu de 5,3% para 5,4% em junho. E, o que é mais preocupante para as famílias, os preços dos alimentos continuam a aumentar, embora num ritmo um pouco mais lento do que nos últimos meses.

Após a normalização dos preços da energia, que tinham subido muito no ano passado, a forte alta dos gastos com alimentos neste ano tem alarmado os governos europeus.

Em resposta, começaram a pressionar supermercados e produtores de alimentos a limitar ou reverter aumentos.

Na França, por exemplo, onde o custo de comidas e bebidas disparou mais de 14% nos últimos 12 meses, o governo pressiona os maiores fabricantes do país a baixarem seus preços.

Bruno Le Maire, ministro das Finanças da França: “Não permitiremos que grandes empresas obtenham margens indevidas” (Crédito: Jens Schlueter / AFP)

Ainda não existe uma intervenção ou congelamento estatal — ao estilo José Sarney, nos anos de 1980 no Brasil —, mas há uma sinalização de endurecimento das relações.

“Não permitiremos que grandes empresas industriais obtenham margens indevidas”, afirmou o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire. Ele ameaçou expor publicamente os nomes das empresas que não se dispõem a segurar parte dos repasses aos consumidores, e até mesmo criar um imposto especial sobre os lucros.

Em junho, o governo francês pediu a 75 fabricantes que enviassem uma lista dos custos e margens, mas apenas 12 forneceram.

No Reino Unido, os principais varejistas foram instados a prestar contas de seus lucros perante uma comissão de parlamentares no final de junho.

O ministro das Finanças, Jeremy Hunt, acionou a agência reguladora da concorrência, a Competition and Markets Authority, para discutir caminhos de enfrentar o que é conhecida como a crise do custo de vida.

Conjuntura

Se por um lado os governos atacam as margens das empresas, por outro as empresas afirmam o óbvio em economias de mercado: ser necessária a reposição de margens para compensar as perdas na pandemia.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (Insee), em 2021 os altos preços agrícolas e de energia — causados pela Covid e depois pela guerra na Ucrânia — achataram as margens das empresas.

No entanto, desde o ano passado há um movimento de ajuste, segundo Julien Pouget, economista-chefe da Insee. Tanto é que o Insee constatou que a rentabilidade das empresas de alimentos ficou 9,3 pontos percentuais mais altas no primeiro trimestre deste ano do que em 2018. “O que vemos é um efeito de recuperação”, disse Pouget.

5,5%
foi a alta dos preços em junho, no acumulado de 12 meses, patamar elevado para os padrões da união europeia

14%
é o aumento verificado nos preços dos alimentos na França em 12 meses até junho, maior patamar em décadas

45%
do aumento dos preços na Europa
se deu pelo avanço dos lucros das empresas, o que tem preocupado autoridades 

O FMI concluiu que os lucros representaram 45% do aumento dos preços ao consumidor na zona do euro entre o início de 2022 e março de 2023, enquanto a alta dos salários representou 25%.

O restante ficou por conta dos custos crescentes da importação de energia, alimentos e outros bens. Na semana passada, a presidente do BCE, Christine Lagarde, afirmou que os lucros crescentes tiveram um papel fundamental na alta da inflação, com as empresas tirando proveito do salto nos custos da energia.

“A simples magnitude do crescimento dos custos dos insumos tornou mais difícil para os consumidores julgarem se os aumentos de preços foram causados por custos mais altos ou lucros mais altos”, afirmou.