Duas palavras definem Mendoza: montanha e diversidade. A primeira se refere ao conjunto de elevações formado pela Cordilheira dos Andes e que inclui o Aconcágua, pico mais alto das Américas, com 6.962 metros de altitude. Ao longo de milhões de anos, a formação dessa cadeia rochosa e os sedimentos que dela se desprenderam pela erosão formaram uma complexa variedade de solos. Compreender seus diferentes perfis tem ajudado a aprimorar a qualidade dos vinhos da região. É a isso que os integrantes de uma nova geração de viticultores e enólogos vêm se dedicando com afinco para fazer de Mendoza não apenas a Meca da uva Malbec como uma das mais apreciadas regiões produtoras de vinhos finos do planeta.

No dia 26 de outubro, pela primeira vez em sua história, Mendoza foi palco da cobiçada premiação World’s Best Vineyads 2022 — International Wine Challenge, que reconhece as 100 melhores vinícolas do mundo a partir de uma eleição realizada por especialistas em vinho e turismo. A cerimônia, para 200 pessoas, foi realizada em um palco montado sobre vinhedos da Bodega Zuccardi, no Valle de Uco. A escolha do local se deveu a um fato inédito na história da premiação. Após ter conquistado o título de melhor do mundo por três anos consecutivos, a belíssima vinícola mereceu entrar para o Hall of Fame do International Wine Challenge e não poderá mais competir. Entre as argentinas, a melhor colocada foi a Catena Zapata, na nona posição. A chilena Montes, em terceiro lugar na lista geral, foi a melhor da América do Sul. O primeiro lugar deste ano coube à italiana Antinori nel Chianti Classico, fundada em 1385 e que recentemente recebeu investimentos milionários de modernização com ênfase no enoturismo.

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O fato de a Zuccardi ter sido escolhida para sediar a competição ajudou a promover ainda mais a região de Mendoza entre quem acompanha o mundo do vinho. Mas não é só de especialistas na bebida que vive o turismo local. Há quem procure a região para praticar montanhismo (especialmente no Aconcágua), pedalar por suas planícies ao pé da Cordilheira ou apenas se hospedar em um ambiente que prioriza o luxo, a alta gastronomia e o bem-estar em meio a paisagens fascinantes, como são alguns dos hotéis e pousadas selecionados nesta reportagem. A maior parte está dentro de vinhedos. Para o turista brasileiro, seja ou não iniciado, as vantagens são a proximidade, o idioma e a moeda. Isso explica a alta porcentagem de brasileiros por lá, entre 50% e 90% dos visitantes, dependendo da vinícola. Há voos diretos partindo de São Paulo quase diariamente, operados pelas aéreas Gol e Latam. Algumas degustações são conduzidas em português e, mesmo quando isso não ocorre, é sempre fácil entender o espanhol de quem trabalha recebendo brasileiros. Quanto ao câmbio, o dólar vale oficialmente cerca de 150 pesos argentinos, mas é fácil trocar a moeda americana, em qualquer lugar, por quase o dobro desse valor.

BODEGA ZUCCARDI Três vezes eleita melhor vinícola do mundo, foi sede da premiação deste ano. (Crédito:Divulgação)

Com o equivalente a US$ 100 convertidos em pesos no paralelo, um casal pode almoçar ou jantar nos melhores restaurantes de Mendoza desfrutando menus harmonizados com os ótimos vinhos locais. Na Zuccardi, em Valle do Uco, o menu de quatro pratos parte de 7.800 pesos por pessoa (sem vinhos). Isso equivale a R$ 256 pelo câmbio oficial — mas cai para pouco mais da metade no paralelo. Incluindo os cinco melhores vinhos da casa, entre eles Piedra Infinta que obteve 100 pontos de Robert Parker, a harmonização custa 23 mil pesos. Infelizmente a Zuccardi ainda não tem hotel, mas contruí-lo já está nos planos da família.

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GUEST HOUSE Abrir as portas para acomodar visitantes já é uma realidade no caso de outro nome conhecidíssimo dos brasileiros, Susana Balbo. Ela transformou uma antiga residência familiar na charmosa Chacras de Coria, uma pequena e bela cidade a meia hora de carro do centro de Mendoza, em uma guest house, com apenas sete acomodações. Embora haja vinhedos no entorno, a propriedade em si não é voltada para a produção e sim para relaxar e aproveitar os prazeres da mesa sem moderação. É também o destino perfeito para uma imersão na história de Susana Balbo e de seu pioneirismo no vinho argentino. Primeira enóloga do país, ela criou este ano um novo conceito de enoturismo a partir do SB Winemaker’s House & Spa Suites. Cada uma das sete suítes tem nome e decoração derivada de um dos sete elementos da Árvore da Vida, concebida para representar a história da anfitriã. Origen, por exemplo, simboliza as raízes de Susana como enóloga em Cafayate e é decorada com tapeçarias da região.

Com as demais, é composta por sala de estar, terraço, jardim privativo, banheira de grandes dimensões e lareira externa. Uma delas vai além, com saunas seca e a vapor (diárias a US$ 1,2 mil). Todas oferecem serviços de spa à la carte com tratamentos que combinam ervas locais da planície mendocina. Há ainda bar, piscina, restaurante e uma a sala de degustação que costuma ser reservada para a experiência Mesa del Chef, em sete etapas harmonizadas com os melhores e mais pontuados vinhos da enóloga, do Signature Rosé 2018 (à venda no Brasil por cerca de R$ 215) ao ícone Nosotros Nómade Malbec (que beira R$ 1 mil). O menu completo custa US$ 200. Em termos de exclusividade e sofisticação, a experiência rivaliza com a também surpreendente proposta de almoço do restaurante Osadia de Crear, na vinícola Susana Balbo Wines, a menos de meia hora de distância.

CHOZOS BY AKEN SOUL Ainda em fase de finalização mas já aberto para hóspedes, fica em uma área de 820 hectares de vinhedos do projeto vinícola Dragonback Estates. As contruções com teto em forma de abóboda podem ser adquiridas no esquema de mutipropriedade. (Crédito:Divulgação)

Projetada pelo escritório de arquitetura Alberto Tonconogy & Associates em harmonia com a linda paisagem do entorno, a Casa de Uco Vineyards & Wine Resort está em uma área de 320 hectares de vinhedos. A área foi dividida em lotes nos quais são oferecidas aos proprietários as opções de construir moradias e cultivar uvas. Para que se tornem vinhos, que é a proposta do lugar, foi edificada uma vinícola de onde saem duas dezenas de rótulos distintos. Para quem não quer se tornar winemaker e deseja apenas se hospedar, as diárias custam entre R$ 2,4 mil e R$ 3,1 mil. O restaurante tem ótima carta de vinhos, do mundo todo, incluindo alguns exclusivos da propriedade. Todos orgânicos, são elaborados sob a supervisão do enólogo Gustavo Bauza. Parte deles chega ao Brasil pela importadora Wine Lovers.

O projeto se assemelha a outro com as mesmas características e na mesma região, The Vines of Mendoza, que desde 2005 já vendeu vinhedos privados para mais de 220 donos e possui um resort com 21 vilas privativas completas, de 250 m2. Há cozinha equipada com louças, talheres, taças e acessórios, salas de jantar e de estar finamente mobiliadas, lareiras interna e externa e até um pequeno escritório. Sobra espaço no dormitório, cujas portas se abrem para um lounge externo com espreguiçadeiras, poltronas e uma segunda mesa para refeições. A banheira na varanda se integra às duchas do toalete por uma porta de vidro. A vista da Cordilheira dos Andes é deslumbrante e um lago com carpas circunda parte das vilas. A gastronomia fica por conta do chef mais prestigiado da Argentina, Francis Malmann, que mantém ali uma filial de seu Siete Fuegos. E para queimar as calorias ganhas com as carnes grelhadas no fogo e os vinhos da carta, a academia fica aberta 24 horas. As diárias superam R$ 4 mil.

THE VINES OF MENDOZA As 21 vilas do empreendimento que já reúne 220 produtores de uva e vinho têm cozinha completa, salas de jantar e estar e lounge externo em área de 250 m2. O restaurante traz a assinatura do chef Francis Malmann. (Crédito:Divulgação)

Baseada em construções típicas das comunidades indígenas tradicionais da região, com tetos em formato de abóboda para evitar o acúmulo de neve, o Chozos by Aken Soul ainda está em fase de finalização, mas já recebe hóspedes com diárias a partir de US$ 300. Fica em meio a uma área de 820 hectares de vinhedos, a Dragonback Estate. A proposta também é de um condomínio vinícola e as acomodações são vendidas na forma de multipropriedade. Como o restaurante ainda não foi inaugurado, a hospedagem fica um pouco comprometida para quem não estiver motorizado (a cidade mais próxima está a cerca de 7 quilômetros, sendo quatro de estrada de terra). Deverá ficar totalmente pronto em fevereiro, somando-se à rede de empreendimentos de luxo e às cerca de 170 vinícolas que atraem cada vez mais brasileiros a Mendoza. Um lugar para comer bem, provar excelentes vinhos e querer voltar sempre.