03/06/2016 - 20:00
Diretor de assuntos governamentais da Volkswagen, o engenheiro Antonio Megale assumiu, há poucas semanas, a presidência da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O setor, que representa 22% do PIB Industrial e 5% do PIB nacional, vive uma grave crise após o boom de investimentos feitos por diversas montadoras nos últimos anos. Com uma capacidade ociosa média de 52%, os fabricantes torcem para que o governo Michel Temer consiga colocar a economia nos trilhos e resgatar a confiança dos consumidores. “Começamos a olhar o futuro com otimismo”, diz Megale, que recebeu a DINHEIRO na sede da Anfavea, em São Paulo. “Até o fim do ano, vamos começar a ver os primeiros sinais positivos, mas a recuperação mais consistente será no ano que vem.”
DINHEIRO – Como o sr. avalia o início do governo Temer?
ANTONIO MEGALE – Há uma grande vontade de acertar. O presidente Temer sabe que o governo dele não é muito longo e, por enquanto, é provisório. Ele tem de mostrar acertos muito claros logo no começo. O presidente teve a preocupação de ter uma equipe muito capaz e está preocupado em ter governabilidade. Sem apoio do Congresso, fica difícil aprovar qualquer coisa. Outro ponto importante é que o governo não tem medo de adotar ações corretivas quando considera que errou.
DINHEIRO – O sr. gostou da nova equipe econômica?
MEGALE – É uma equipe de bastante qualidade, com comprovada experiência, que está dando previsibilidade fiscal, sinalizando o que vai acontecer com o BNDES, com as concessões de infraestrutura e com a eficiência da máquina. É um primeiro sinal positivo, sem aumento de carga tributária.
DINHEIRO – Na indústria de transformação, a ociosidade permitirá uma retomada rápida do crescimento, mas sem geração de empregos. É o mesmo cenário do setor automotivo?
MEGALE – Sim. Nós temos acordos, como lay-off e o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que nos permitem reduzir a produção sem demitir funcionários. Portanto, quando houver uma retomada da demanda, nós simplesmente traremos de volta esses trabalhadores afastados. É uma força de trabalho já treinada. Basta comprar peças e colocar a máquina para rodar. Para isso acontecer, falta resgatar a confiança do consumidor.
DINHEIRO – Nos últimos anos, o setor automotivo viveu um boom de investimentos com a chegada de novas montadoras ao mesmo tempo em que o mercado desabou. Foi decepcionante para essas marcas?
MEGALE – O investimento de montadora não é feito para o curto prazo. Se olharmos no longo prazo, o potencial do Brasil é muito grande. O nosso índice de motorização é muito baixo se comparado com o de outros emergentes. Temos 5,5 habitantes por carro contra 3,5 na Argentina e no México. Para chegar a esse nível, teremos de colocar entre 20 milhões e 25 milhões de carros nas ruas. As montadoras estão olhando para isso. Já temos tudo pronto para retomar a produção. Só falta mudar o ambiente econômico.
DINHEIRO – Quando o mercado automotivo voltará a crescer?
MEGALE – Antes de retomar, precisamos de uma estabilização. Acho que estamos nesse momento. Já chegamos ao fundo do poço e começamos a olhar o futuro com otimismo. Até o fim do ano, vamos começar a ver os primeiros sinais positivos, mas a recuperação mais consistente será no ano que vem.
DINHEIRO – Como as matrizes das montadoras enxergam a pior crise econômica da história brasileira?
MEGALE – Num primeiro momento, é uma crise mais profunda do que se poderia imaginar. Entretanto, essa crise está mostrando uma maturidade do mercado brasileiro. Em mercados maduros, não existem empresas com market share muito grande. Estamos caminhando nessa direção. Há uma reacomodação entre as empresas, com mais montadoras com fatias relevantes de mercado. Não haverá mais três ou quatro empresas com participação de mercado muito elevada no Brasil. Há uma distribuição maior entre os competidores.
DINHEIRO – E a crise política? Como as matrizes interpretam esse período de impeachment em relação ao período do ex-presidente Fernando Collor?
MEGALE – São dois momentos muito distintos. Em 1992, nós tínhamos uma crise econômico-financeira muito grande e uma crise política administrável. Houve um impeachment e o novo governo logo se ajeitou. Hoje, eu vejo um problema político maior do que o problema econômico. O modelo que estava instalado nos últimos anos começou a ser questionado pela população. O envolvimento da sociedade nos movimentos políticos é maior, com mais demandas. A população não aceita mais certas práticas e exige mudança da classe política, com mais seriedade, responsabilidade e competência.
DINHEIRO – Qual a sua avaliação da operação Lava Jato?
MEGALE – Eu acho que faz parte deste processo de depuração. A Lava Jato é uma operação importante no Brasil. É fundamental que esses fatos sejam esclarecidos e que eventuais práticas inadequadas que tenham sido utilizadas sejam abolidas de um modelo de negócio que a gente viu. É importante que a Lava Jato vá até o seu final e que as pessoas culpadas sejam punidas e que esse programa sirva para sairmos com um Brasil melhor, com práticas de negócios melhores, entre o poder público e o setor privado.
DINHEIRO – A exportação é a salvação para o setor automotivo?
MEGALE – Em função da retração de mercado, nós estamos com uma capacidade ociosa grande nas fábricas. Naturalmente, a exportação é um caminho. Estamos conversando com o governo para aproveitarmos a situação do câmbio para avançarmos nas negociações comerciais. Os dois maiores acordos são com o México, que já foi renovado, e com a Argentina, que está na mesa de negociações. Mas temos também outros em negociação com a Colômbia, que terá cotas evolutivas de veículos, e com o Uruguai, que antes tinha cotas e agora se tornou um livre-comércio. Estamos ainda discutindo com o Peru e com países da África e do Oriente Médio. Temos uma visão de que todos os acordos devem ser, em algum momento, de livre comércio.
DINHEIRO – Em 2004, a indústria exportou cerca de 750 mil veículos, montante que representava um terço da produção. No ano passado, apenas 17% da produção foi para o exterior. A meta é voltar a ter um terço da produção voltado para outros países?
MEGALE – Nós temos de exportar o máximo que pudermos, sem limites. Precisamos ser uma base produtora muito grande na qual a plataforma exportadora está incluída. Isso permite equilibrar as coisas em momentos de crise.
DINHEIRO – Por que a exportação deixou de ser prioridade nos últimos anos?
MEGALE – No passado recente, o mercado interno ficou tão robusto que a nossa visão de exportação diminuiu. Não foi uma boa estratégia, pois é muito difícil reconquistar um mercado perdido. Além disso, naquele momento, o câmbio estava desfavorável para exportação. Agora isso mudou e temos um câmbio menos apreciado, mais real, que nos dá competitividade.
DINHEIRO – Em valores, o que é um câmbio real? Acima de R$ 3,00?
MEGALE – É difícil mensurar um número mágico, mas eu diria que o atual patamar de R$ 3,50 está adequado para estimular as exportações. Portanto, não seria bem-vinda uma valorização do real.
DINHEIRO – Além do comércio exterior, quais são as prioridades do setor automotivo?
MEGALE – São as linhas de financiamento de bens de capital, como caminhões e máquinas agrícolas, que estavam abertas, mas foram suspensas. Isso não é bom. O ideal é que a regra do jogo seja clara para que o investidor tenha previsibilidade. Além disso, queremos que os bancos liberem mais recursos para financiar o setor.
DINHEIRO – Os bancos estão muito cautelosos na concessão de crédito?
MEGALE – Sim. No passado, eles tiveram uma oferta de crédito muito grande, que acabou gerando um nível de inadimplência um pouco elevado. Sem confiança, o cliente deixou de procurar o crédito e o banco só está dando o crédito em situações mais seguras.
DINHEIRO – Mas a cautela é exagerada?
MEGALE – De fato, a cautela é um pouquinho excessiva. Daria para os bancos liberarem mais crédito.
DINHEIRO – O sr. teme que a troca no comando dos bancos públicos, já anunciada, represente menos crédito para o setor?
MEGALE – Não acredito. O governo ainda está tomando pé da situação. Isso é normal. Os bancos oficiais poderão ter um papel importante na concessão de crédito. O Banco do Brasil e a Caixa foram parceiros nossos e pretendemos fazer mais ações com eles no segundo semestre.
DNHEIRO – O governo quer que o BNDES antecipe a devolução de R$ 100 bilhões ao Tesouro. Isso não significa um banco mais enxuto, reduzindo os financiamentos?
MEGALE – Não. O discurso do ministro Henrique Meirelles é de que essa devolução não afetará as linhas de financiamento já previstas. No caso do Plano Safra, por exemplo, já foi anunciado o montante de recursos para financiamento. Quando tivermos uma audiência com a nova presidente do BNDES, vamos destacar a importância da previsibilidade. O ideal é que as linhas e as taxas sejam anunciadas sempre com um horizonte de, pelo menos, um ano.
DINHEIRO – O maior tombo do setor está no segmento de caminhões, que está atrelado à queda do PIB. Uma saída não seria o programa de renovação de frotas?
MEGALE – Exatamente. Queremos implementar um Programa de Sustentabilidade Veicular, que pode valer para caminhões e automóveis. A ideia é tirar os veículos mais velhos da rua, dar uma destinação correta do ponto de vista ambiental e promover a renovação. O problema é equacionar um fundo com recursos para financiar esse programa. Já apresentamos três ou quatro propostas para o governo, mas não posso antecipar detalhes.
DINHEIRO – Como seria esse modelo?
MEGALE – O dono do caminhão ou do carro velho entrega o veículo e recebe uma carta de crédito, que será utilizada na compra de um veículo mais novo. Não necessariamente o dono do caminhão velho, por exemplo, comprará um zero-quilômetro. O salto financeiro seria muito grande. Mas ele pode comprar um veículo usado mais novo e o dono desse usado pode comprar um zero quilômetro, movimentando toda a cadeia.