Às 15h05 da quarta-feira 31 de agosto, a presidente Dilma Rousseff assinou o ofício número 1.118 do Senado Federal, que a informava oficialmente da aprovação do processo de impeachment. Encarregados de notificar a decisão, os senadores Vicentinho Alves (PR-TO) e Gladson Cameli (PP-AC), primeiro e terceiro secretários da Mesa Diretora, foram recebidos no Palácio da Alvorada pelo ex-ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, que solicitou o documento. Dilma mostrava resistência em receber os parlamentares, que precisavam entregar a notificação em mãos e retornar ao Congresso com a assinatura dela.

Apenas Vicentinho foi autorizado a entrar e confirmar que Dilma havia sido cassada por 61 votos a 20 – sete a mais do que o mínimo necessário de dois terços. Sem qualquer barreira, Michel Temer assinou às 15h30 a mensagem número 144 do Senado Federal e leu, pela última vez, um texto endereçado ao vice-presidente e presidente em exercício. Uma hora e 12 minutos depois, o presidente do Senado, Renan Calheiros, deu início à sessão de posse de Temer como presidente da República. A cerimônia durou apenas 10 minutos e não teve discurso, apenas o juramento constitucional.

Enquanto os quadros com a imagem de Dilma eram retirados dos gabinetes do Palácio do Planalto e o site do governo brasileiro inseria o nome dela na galeria de ex-presidentes, Michel Temer realizava seu primeiro discurso em reunião com sua equipe ministerial. Nela, mostrou um tom diferente do que ele vinha adotando nos quatro meses que ocupou interinamente a Presidência. Desta vez, Temer fez questão de marcar posição e de mostrar que não vai tolerar desvio de conduta dos congressistas. O recado foi endereçado diretamente aos 10 senadores do seu partido, o PMDB, que mudaram de posição após a aprovação do impeachment e mantiveram os direitos políticos de Dilma. “Não será tolerada essa espécie de conduta”, disse o presidente. “Quem não quer que o governo dê certo, declare-se contra o governo e saia.”

Temer, aos 75 anos, é um político experiente e sabe mais do que ninguém que gestos dessa natureza podem se transformar em grandes problemas no futuro. Por isso, é preciso mostrar firmeza. Ele recebeu um voto de confiança do Congresso para consertar o trágico legado de Dilma, mas terá apenas dois anos e quatro meses para conseguir essa recuperação, que passa pelo fim da recessão, pela criação de postos de trabalho, pela retomada da atividade econômica e por ajustes importantes para a reestabilização do País (leia mais em “Surge uma nova economia”).

Por isso, ele não pode perder tempo com disputas fratricidas e correr o risco de ver o apoio de sua base minguar. Ao enfatizar a necessidade de lealdade de seus pares, ele mostra que a cobrança sobre todos será muito maior do que a recebida até agora. Temer reforçou a necessidade de mobilização para a aprovação de medidas econômicas, como a proposta do teto dos gastos públicos e as reformas Trabalhista e da Previdência. “O momento é de esperança e de confiança no Brasil. A incerteza chegou ao fim”, disse o presidente, em discurso à população na TV. “Recebemos o País mergulhado em grave crise econômica. Indicadores sinalizam o resgate da confiança. Nossa missão é mostrar a empresários e investidores de todo o mundo nossa disposição para proporcionar bons negócios que vão trazer empregos de volta ao Brasil.”

Tais palavras trazem alívio ao empresariado, que não via a hora de ocorrer uma mudança de página. “Acredito que o maior traço do presidente Temer seja a seriedade e a disposição que ele demonstrou, em todas as conversas que tivemos, para fazer os ajustes necessários para colocar o Brasil num melhor rumo”, diz Alarico Assumpção Júnior, presidente da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores). “Ele demonstrava que, a partir de uma situação política mais definida, as ações seriam mais efetivas.” (leia mais em “A reação dos empresários”)

LONGA TRAJETÓRIA Michel Temer não chegou à toa à Presidência. Para ser aceito pelo PT como vice-presidente, em 2009, precisou convencer Lula que era o nome ideal do PMDB para a função. Tanto Lula como Dilma o consideravam astuto em excesso por defender com vigor as posições de seu partido. Chegaram a sugerir uma lista tríplice ao PMDB para que pudessem escolher um nome. Mas Temer, que desde 2007 ocupa a Presidência da legenda, rejeitou a oferta. O clima pesado entre os aliados só se dissipou após um encontro casual com Lula na antessala da Presidência.

Temer pediu cinco minutos de privacidade com o ex-presidente e afirmou que a coalização só seria bem-sucedida se mágoas pessoais e desapreços fossem esclarecidos. Após a conversa, Lula passou a defender o nome dele na chapa com Dilma. Naquele momento, Temer mostrava algo que sempre foi marcante na sua personalidade: a lealdade aos seus aliados. Quando Dilma perdeu o controle do Legislativo, em menos de 100 dias de governo reeleito, com as sucessivas derrotas na Câmara – entre elas a eleição de Eduardo Cunha à Presidência da Casa, numa derrota acachapante do candidato da presidente, o petista Arlindo Chinaglia –, ela recorreu ao seu vice-presidente para comandar a articulação política e recuperar a base aliada.

O momento era delicado e exigia destreza, principalmente pela necessidade de aprovação do ajuste fiscal elaborado pela equipe do ministro Joaquim Levy, que não contava com a simpatia do PT. A missão de Dilma agradou Temer, que estaria em território conhecido e mostraria o apoio que o governo tanto precisava. Mas a ex-presidente escancarou sua desconfiança ao sugerir que Temer trabalhava para fortalecer a sua base e não o governo. Para vigiá-lo, colocou Aloizio Mercadante nos passos de seu então vice. Não só esse comportamento irritou Temer, mas a imobilidade do governo e a demora nas nomeações pedidas pelos aliados.

Ele encontrou-se com Dilma e avisou a presidente que uma catástrofe estava para acontecer. Depois de quatro meses como articulador, Temer desistiu da missão. “Estou sendo sabotado e agora as pessoas estão cobrando no meu cartão de crédito”, disse ele, à época. O fracasso dessa reaproximação com o Legislativo custou caro à Dilma, que começava a aparecer nas pesquisas de opinião como a presidente mais impopular da história do Brasil. Ao mesmo tempo, Temer começava a se distanciar ao perceber que seu trabalho não tinha valor para a mandatária.

Ao deixar a articulação política, o vice-presidente mandou um aviso ao Planalto: começaria a mostrar que tinha um plano para o País. Com Levy cada vez mais bombardeado pelos aliados de Dilma, Temer pediu a Moreira Franco um projeto econômico que agradasse a toda a sociedade. Com a revisão dos economistas liberais José Márcio Camargo, da PUC, e de Marcos Lisboa, do Insper, foi apresentado “Uma Ponte para o Futuro”. Era a antítese da Nova Matriz Econômica, elaborada por Nelson Barbosa, que estava destruindo a economia do País. Mas o rompimento definitivo com Dilma aconteceu poucos dias depois de Eduardo Cunha aceitar o pedido de impeachment da presidente.

O crime? As pedaladas fiscais, ou seja, o atraso no repasse do governo para as instituições financeiras oficiais para maquiar a real situação das contas públicas. A Lei de Responsabilidade Fiscal não foi cumprida. O tema não era consenso entre os parlamentares, mas o processo elaborado pelos juristas Miguel Reale Jr., Janaína Paschoal e Hélio Bicudo seria analisado pela Câmara. Numa carta-desabafo de 17 parágrafos e três páginas enviada a Dilma, Temer expôs seu descontentamento com a figura de vice-decorativo a que estava relegado.

“Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”, escreveu ele. Dilma leu o texto ao lado de Ricardo Berzoini, Jaques Wagner e José Eduardo Cardozo. Temer, que era apenas um fator de governabilidade para Dilma e nunca foi ouvido, estava descontente. Em pouco tempo, trechos escolhidos foram a público, o que dava margem a interpretações duvidosas, e os ministros confirmavam que aquele era um sinal de rompimento. Temer e seus aliados cobraram o Planalto pelo vazamento seletivo e mostraram todo o conteúdo recebido por Dilma. E passaram a confirmar que a aliança estava definitivamente rompida.

A partir desse momento, Temer passou a mexer nas alavancas do Congresso, algo que sabia fazer como ninguém. Seu desembarque do governo serviu para assumir o protagonismo de quem queria tirar o País da crise. Para isso, começou a se movimentar para angariar votos pró-impeachment. Ele passava a fazer o que mais gosta em Brasília: mexer nos bastidores da política. O Planalto, porém, acreditava que esse posto só tinha um dono, Lula. Na disputa particular entre eles, Temer mostrou ser um melhor articulador. A movimentação de Temer coincidia com uma crescente insatisfação popular. Manifestações tomaram conta das ruas do País.

No maior protesto desde a redemocratização, cerca de três milhões de pessoas foram às ruas a favor do impeachment de Dilma. O pato da Fiesp passou a ser o símbolo desse movimento e ficou exposto em frente à sede da entidade na avenida Paulista. As passeatas a favor de Dilma também ocorreram, mas com número menor de pessoas. A bombástica delação premiada do ex-senador petista Delcídio do Amaral, revelada com exclusividade pela jornalista Débora Bergamasco na revista IstoÉ, mostrava todo o esquema de corrupção e desvio de recursos públicos cometidos pelos governos do PT. A divulgação do plano de perpetuação no poder mostrava que a morte política de Dilma era inevitável.

Entre o afastamento da presidente com a admissibilidade do processo de impeachment pelo Senado, Temer comandou o Brasil interinamente por quase quatro meses. Nesse período, não deixou as fotos oficiais de Dilma serem retiradas dos ministérios e das repartições públicas. Nesse período, teve mais reuniões com políticos do que a antecessora nos cinco anos anteriores. Sua agenda também reservava um tempo diário para conversar com empresários. Ao contrário de Dilma, Temer tem no setor privado um importante aliado e parceiro. Em todos esses encontros, é descrito como paciente, de fala mansa e que prefere escutar antes de falar. Dificilmente levanta a voz, mas não esconde sua opinião.

Com Temer na Presidência, o PMDB reassume o papel de protagonista. Desde a luta pela redemocratização, onde ficou marcado pelo trabalho de Ulysses Guimarães, e a entrega da faixa presidencial de José Sarney para Fernando Collor, há 26 anos, a maior legenda do País estava satisfeita com o papel de coadjuvante. Há cerca de 15 anos, antes mesmo de assumir a Presidência do PMDB, Temer começou a se movimentar para encontrar um projeto nacional para o partido e apagar a imagem de fisiologista.

Nos corredores de Brasília, dizem que Temer tem PhD em política, por ter aprendido, em três mandatos como presidente da Câmara, a circular entre moderados e radicais, aliados e opositores, PSDB e PT. Mais do que nunca ele precisará de muito apoio parlamentar para aprovar as reformas necessárias ao País (leia mais em “O duro caminho da reformas”, à pág. 36). Nos próximos 28 meses, se conseguir recolocar o Brasil nos trilhos, Temer poderá acrescentar uma nova característica ao seu perfil: a de ótimo gestor, qualidade falsamente atribuída a Dilma nas campanhas eleitorais.

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Confira as demais matérias do Especial Governo Temer:

Surge uma nova economia
O duro caminho das reformas
Reação dos empresários
Desafio global
 Que venha o Touro!