13/01/2023 - 2:50
A executiva Angela Assis, presidente da Brasilprev, entende de aposentaria como poucos. Profissional de carreira licenciada do Banco do Brasil, onde atuou entre 1992 e 2017, mergulhou no mercado de previdência privada e se tornou uma das principais autoridades no tema. Desde novembro de 2020, ela comanda a maior empresa do setor no País, com R$ 345 bilhões em ativos sob gestão (28,6% do mercado), mais de 3 milhões de clientes e 30 anos de existência. À frende da Brasilprev, Angela tem capitaneado diversos projetos com foco na democratização da previdência privada — algo necessário em um País dependente do INSS. “Os brasileiros se condicionaram a planejar o futuro com a previdência pública, mas quase todos nem sequer sabem quanto vão receber lá na frente”, afirmou. É com base nessa constatação que ela decidiu, para o bem social e dos negócios, trabalhar para popularizar a educação financeira. Nos últimos dois anos, tem visitado escolas públicas e criado estratégias para difundir o conceito de planejamento financeiro.
DINHEIRO — O mercado de previdência privada disparou nos últimos anos. Isso se deve a preocupações decorrentes da pandemia ou da guerra velada do governo e do INSS contra aposentados e pensionistas?
ANGELA ASSIS — Os últimos anos foram bastante desafiadores para todos. Não só para a nossa indústria, mas para todos os setores. A pandemia sacudiu e acelerou muita coisa. Para empresas e governos, as agendas também ficaram mais complexas e complicadas. Isso impactou no setor de previdência. Muita gente ficou desempregada e isso causou um aumento substancial das saídas [saques dos valores]. Foram resgates por necessidade. Vimos muitos pais e avós resgatando para socorrer a família. Infelizmente, houve aumento de mortes, o que levou muitas famílias a receberem o benefício. Naquele momento, quem tinha uma reserva amenizou bastante o impacto da crise.
Mas se houve fuga, como o setor cresceu?
Porque muita gente entrou. Observamos um crescimento robusto do ponto de vista de arrecadação e de novos entrantes. O saldo foi positivo, com um consistente crescimento de dois dígitos. Em 2022, terminamos o ano melhor do que começamos. Parte disso ocorreu pelas oscilações da economia e alta das taxas de juros. Com a Selic perto de 14% ao ano, muitos clientes fizeram ajustes em seus portfólios. Antes, a rentabilidade de longo prazo estava muito associada à disposição de tomar riscos. Na Brasilprev, saímos de um patamar de 10% a 11% do nosso portfólio em multimercado, em dezembro de 2020, para 35% no ano passado. Isso foi bom do ponto de vista da satisfação de clientes. Essas oportunidades incentivaram o cliente a se interessar mais por finanças, em um País que tem pouca educação financeira.

O brasileiro despertou para isso?
Sim, houve uma corrida muito forte a produtos de maior valor agregado ou de multimercados para os fundos de renda fixa. Mais do que isso, cresceu muito a procura por opções de longuíssimo prazo. O Brasil tem hoje uma posição bastante privilegiada no mercado em relação a essa composição de portfólio, o que ajuda a equilibrar em fases de incertezas.
Os resgates da previdência privada feitos nos últimos anos serão um fator de maior dependência do INSS e de aumento da pobreza nas próximas décadas?
Se não houver recuperação econômica, com certeza. A questão da previdência privada está totalmente relacionada ao tempo dos aportes. Com uma população tendo cada vez mais longevidade, teremos de criar estratégias para repor as perdas causadas pela pandemia. Nos próximos 20 anos vamos dobrar nossa população com mais de 60 anos. Na França esse processo levou um século. Então, em alguns anos teremos uma inversão demográfica. Haverá mais pessoas idosas dependendo economicamente dos jovens. E temos que considerar, além da longevidade, que a inflação da terceira idade, principalmente com remédios e planos de saúde, é maior do que o IPCA.
Os brasileiros têm consciência disso?
Em geral, não. E por isso nosso trabalho de disseminar a educação financeira é também um compromisso social. Se a gente não falar mais de educação financeira em casa e nas escolas, as pessoas não entenderão que precisam começar a poupar ainda hoje, mesmo que seja com pouco dinheiro. O brasileiro, em sua maioria, associa o ato de poupar ao fenômeno de ficar milionário. E que guardar dinheiro é coisa de gente rica. E gastam. Não é isso. O que estamos falando é sobre a importância de planejar o futuro, nem que seja começando com R$ 100. Quanto mais cedo começar, melhor vai ser no futuro.
Mas novas crises virão, e novas ondas de resgates podem acontecer…
Sim, mas é preciso planejar para um horizonte de 20 anos ou mais. É uma reserva de complementação de aposentadoria. Isso é educação financeira. Muita gente tem a chamada síndrome do rico, que é quando escolhem uma data de saída da Previdência e pensam que vão ter aposentaria milionária e fazer a viagem dos sonhos. Uma pesquisa da Fenaprev com o Datafolha mostrou que 60% dos entrevistados sabem que precisam guardar dinheiro para o futuro, mas só 20% fazem isso. As pessoas estão vivendo mais, a medicina está evoluindo e ficando mais cara. Todos precisamos nos preparar.
O presidente Lula anunciou que aposta no aumento do consumo como um dos motores da recuperação econômica. Como incentivar a previdência quando o estímulo é para gastar e não para poupar?
Criando uma cultura de educação financeira. Essa é a nossa missão. Com crescimento econômico, haverá espaço para consumo e poupança. O governo pode também incentivar o fortalecimento da previdência privada, como acontece nos EUA. Isso vai garantir a sustentabilidade e a saúde do próprio INSS. Nos países mais desenvolvidos, as empresas têm papel importante nos planos de previdência dos funcionários. Como um benefício.
O governo falha ao não incentivar a previdência privada?
Não é que falha. A questão é que os governos mudam. E aí podem mudar as regras. A previdência social é fundamental para a economia. Mas surgem as reformas no caminho. A falta de previsibilidade atrapalha. A maioria das pessoas pensa em se aposentar com o dinheiro do INSS, mas muito poucos têm noção de quanto vão receber. Elas dizem que vão conseguir sobreviver. Então, muitos olham para o INSS como forma de sobreviver, não como forma de ter uma aposentadoria digna. E contribuir com o INSS a vida toda sem saber quanto irá receber é paradoxo, um negócio maluco.

Como os grandes bancos e fundos de previdência poderão seduzir o cliente a aderir a um plano privado diante de um cenário de concorrência com fintechs?
A gente aposta muito na assessoria. Temos 3 milhões de clientes. Nosso desafio diário é conhecer o perfil e a necessidade de cada um. Investimos cerca de R$ 200 milhões em tecnologia e serviços para estar mais perto dos clientes. Com assessoria digital, conseguimos chegar por diversos canais, até por WhatsApp. É uma jornada de relacionamento.
Mas todas as empresas do setor fazem isso e têm assessorias qualificadas para dar atenção aos clientes…
Sim, mas temos trabalhado, com o Banco do Brasil, com públicos específicos. O agro é um público importante. Por questão cultural, muitas vezes começa a pensar nisso muito em cima da hora, quase na época de aposentar. No dia a dia, ele está mais focado no que vai plantar, no que vai colher. Estamos desenhando uma jornada para que esse cliente comece a contribuir mais cedo.
A Brasilprev não demorou muito para criar essa personalização?
Se olharmos por essa óptica da concorrência, pode parecer que demoramos, sim. Mas não podemos comparar um Banco do Brasil, um Bradesco ou um Itaú, bancos com 50 milhões, 70 milhões ou 80 milhões de clientes, com um player pequenininho, que já nasceu digital. Quando alguém nos procura e mostra um fundo na concorrência, mostro nossa rentabilidade, nossa solidez, nossa reputação. Muitos dos nossos clientes que migraram para concorrentes menores já estão de volta.
A concorrência não preocupa?
A concorrência é boa. Mas, quando se trata de investimentos e previdência, as pessoas não tomam decisão apenas no ambiente digital. Querem falar com o gerente, com o assessor, olho no olho. Nisso, os bancos digitais não têm a força dos bancos tradicionais.