06/07/2011 - 21:00
Depois de consolidar a atuação da Stefanini IT Solutions, uma consultoria de sistema de gestão, no Brasil, o empresário paulista Marco Stefanini tinha uma ideia fixa na cabeça: ampliar os horizontes da empresa, por meio de aquisições de companhias estrangeiras. Fundada em 1987, a Stefanini já atuava no Exterior com 19 escritórios próprios, mas pretendia acelerar o processo de internacionalização com a compra de empresas operacionais, com presença relevante nos mercados em que atuavam.
Durante quatro anos, Stefanini pesquisou companhias que viessem a complementar a atuação da consultoria em mercados mais maduros, como Estados Unidos e Europa. “Chegamos a montar uma diretoria de fusões e aquisições só para encontrar o alvo certo”, diz Stefanini. A crise de 2009 acabou por facilitar essa tarefa. Diante do terremoto financeiro que assolou a economia global , muitas companhias americanas e europeias se abriram para negociar, com vistas a garantir a sobrevivência. No final de 2010, veio o primeiro fruto desse esforço: a compra da TechTeam Global Inc., companhia de capital aberto dos Estados Unidos, com atuação em 16 países, e 2.400 funcionários, que deu origem à Stefanini TechTeam.
Stefanini: ideia fixa de internacionalizar as operações da empresa
No começo deste ano, Stefanini fechou a compra de outras duas empresas estrangeiras: a americana CXI e a colombiana Informática e Tecnologia, totalizando um investimento de US$ 90 milhões com as aquisições no Exterior em menos de seis meses. Dessa forma, a empresa fincou sua bandeira em 27 países. “Continuamos olhando o mercado e podemos fazer novas compras até o ano que vem”, disse Stefanini à DINHEIRO.
A Stefanini está surfando na nova onda de internacionalização das empresas brasileiras, que ganhou fôlego no ano passado. Segundo dados do Banco Central, o investimento brasileiro direto cresceu 215% em 2010, para US$ 11,5 bilhões, o que deu musculatura a uma geração de novas multinacionais brasileiras. A sexta edição do Ranking das Empresas Transnacionais da Fundação Dom Cabral (FDC), de Belo Horizonte, divulgado na semana passada, mostra que os ativos no Exterior das 20 empresas brasileiras mais internacionalizadas cresceram 32% (veja quadro) em 2010.
A Stefanini ocupava o 16° lugar no ranking da FDC em 2010, e passou para o segundo na lista deste ano, liderada pelo grupo JBS. O ranking mede a proporção de receita, ativos e funcionários das operações no Exterior em relação ao faturamento total das companhias. Do faturamento de R$ 1,02 bilhão do ano passado, 40% da receita da Stefanini vem da atividade em outros países. Só perde, exposição ao mercado externo, para a JBS-Friboi, que tem 140 unidades de produção no mundo, e obtém 77% das vendas no Exterior. “É um círculo virtuoso: as empresas com bons resultados lá fora incrementam essa presença”, afirma Sherban Cretoiu, coordenador do Núcleo de Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral.
Cretoiu observa que as companhias brasileiras mudaram de patamar e agora têm uma situação muito diferente, quando vão às compras no Exterior, em relação às múltis nascidas nas ondas anteriores de internacionalização, na primeira metade dos 1990 e no período 2005-2006. Primeiro, porque, antes, elas se expandiam para o Exterior por falta de mercado aqui dentro. Foi o caso, por exemplo, de muitas empreiteiras que saíram mundo afora para compensar a incapacidade do Estado brasileiro no em financiar obras públicas.
Epperlein, da Metalfrio: receitas triplicaram em quatro anos com a atuação em outros países
Desta vez, ao contrário, o processo de internacionalização se dá em meio a um período de bonança para a economia brasileira. Mais do que buscar mercado e compradores para seus produtos e serviços, elas estão aproveitando o real forte, o que as torna mais competitivas na disputa por ativos barateados pela crise na Europa e nos Estados Unidos. “Mas o câmbio só é um fator que ajuda as empresas que já haviam tomado a decisão estratégica de se internacionalizar”, diz Cretoiu. Capitalizadas em meio a um cenário de crise, as empresas brasileiras pararam de correr atrás e agora estão recebendo sugestões de compras.
É o caso da fabricante de refrigeradores comerciais Metalfrio, que já se instalou no México, na Rússia e na Turquia por meio de aquisições. “Nossos clientes globais, como Coca-Cola ou Unilever, nos indicam aquisições”, diz o vice-presidente da companhia, Marcelo Epperlein. No início, entretanto, os ventos não eram tão favoráveis. “Entramos na Turquia em 2007 e ficamos um ano apanhando dos concorrentes”, diz Epperlein. Só em 2008, quando fez a oferta para adquirir 80% da Klimasan, uma das principais rivais, a Metalfrio logrou furar o bloqueio do mercado turco. A aquisição foi concluída este ano.
Segundo o executivo, a imagem das empresas brasileiras mudou da água para o vinho nos últimos anos, o que facilita o processo de mudança de direção, depois da fusão com empresas de outros países. “De uma companhia desconhecida, em 2004, passamos a ser um respeitado player global”, afirma Epperlein. Controlada pela gestora de recursos Artesia, a Metalfrio já investiu cerca de R$ 300 milhões no Exterior desde que abriu o capital, em 2007. Agora, a empresa planeja investir mais R$ 100 milhões, em novas aquisições.
A companhia, que graças à operações internacionais quase triplicou seu faturamento (R$ 783 milhões em 2010), está de olho em oportunidades de compra na América Central e Indonésia. “Com o real forte vale mais a pena adquirir essas empresas fora do que exportar.” A empresa já negocia, também, a aquisição de uma indústria na Índia até o fim deste ano. O mercado indiano também foi escolhido pela Vulcabras-Azaleia para ampliar seu processo de internacionalização. A empresa já havia entrado na Argentina há dois anos, depois de adquirir uma fábrica, em Coronel Suárez, por US$ 30 milhões.
Cardoso, da Vulcabras: fábricas na Argentina e Índia para recuperar a rentabilidade
Agora, a Vulcabras-Azaleia vai investir US$ 50 milhões na aquisição de uma empresa na cidade de Chennai, na Índia, que produzirá cabedais, a parte superior do calçado, que se encaixa ao solado. “Não podemos revelar qual é o nome da empresa, pois estamos num processo de due dilligence”, diz Milton Cardoso, presidente da Vulcabras-Azaleia. Num primeiro momento, a unidade indiana, que deverá empregar 5 mil funcionários, vai abastecer as fábricas brasileiras.
Mas, numa segunda etapa, a meta é começar a atender o gigantesco mercado indiano, de 1,1 bilhão de pessoas. Animado com o projeto, Cardoso reconhece que a migração para a Índia foi resultado de uma estratégia defensiva, diante das dificuldades da manufatura no Brasil. “Foi uma decisão tomada para reduzir custos e recuperar a rentabilidade perdida com o câmbio desfavorável às exportações, e a invasão de calçados importados”, afirma Cardoso. “De uma média de 25% de rentabilidade, tivemos uma queda para 16%.” A Vulcabras-Azaleia faturou R$ 2,3 bilhões em 2010.
“O real forte só é um fator que ajuda as empresas que já haviam tomado a decisão estratégica de se internacionalizar”
Sherban Cretoiu, da Fundação Dom Cabral
Nesta nova onda de internacionalização, casos como o da Vulcabras-Azaleia, que buscam o mercado para compensar as dificuldades enfrentadas no Brasil, são mais raros. Fatores como a necessidade de estar perto dos clientes, são mais significativos para as companhias que resolveram pôr o pé na estrada. “Enquanto você não atua perto dos seus clientes, perdem-se as melhores oportunidades”, diz Luiz de Mendonça, vice-presidente da unidade de negócios internacionais da Braskem, que comprou por US$ 350 milhões a fábrica de polipropileno Sunoco Chemicals, nos Estados Unidos, no ano passado.
Em 2010, a Braskem faturou R$ 34 bilhões. Para Mendonça, a Braskem estava no lugar certo, na hora certa. “Nós estávamos com um balanço e caixa sólidos, quando algumas empresas, como a Sunoco, colocaram ativos à venda depois de a crise estourar, em 2008”, afirma Mendonça. Mas num contexto de crise, seria a maior economia do mundo e epicentro da turbulência, interessante para uma empresa brasileira? “Mesmo neste momento, o tamanho do mercado deles é quatro vezes maior que o nosso.”
Forman, da Hrt: imagem do Brasil lá fora facilita as negociações com parceiros estrangeiros
A Braskem está investindo, ainda, US$ 2,5 bilhões para montar um complexo petroquímico no México, até 2015, a partir de uma joint venture com a empresa mexicana Idesa – a Braskem terá 65% do novo empreendimento. Hoje, já há 45 funcionários brasileiros trabalhando no México. Isso não significa que a Braskem vá adotar o português como língua oficial na petroquímica. A regra é aproveitar os nativos, quando se trata de aquisição de um negócio já em operação, para não provocar choques culturais com os funcionários mantidos após a troca de comando. “O CEO anterior da Sunoco está com a gente”, diz Mendonça. “Ele é o responsável pelo relacionamento com associações e com as comunidades locais.”
Esta preocupação, aliás, parece ser uma característica do estilo de gestão brasileira lá fora. O frigorífico paulista Marfrig, por exemplo, manteve toda a administração da americana Keystone Foods, baseada na West Conshohocken, no Estado da Pensilvânia, adquirida em 2010, por US$ 1,2 bilhão. “Em todas as empresas que adquirimos, mantivemos os gestores por entendermos que eles são capacitados e empreendedores, fundamentais para continuarem à frente do negócio”, diz Marcos Molina, presidente da Marfrig. Na verdade, a capacitação dos executivos é um ativo inestimável para quem chega a um mercado estranho.
Ainda mais, quando a empresa adquirida pelo Marfrig, era a fornecedora global de hambúrguer de redes de fast-food como o McDonald’s e Subway. Isso não significa, porém, que ao assumir o controle de uma empresa estrangeira, as brasileiras cheguem com a promessa de vida mansa. Ao contrário. Marco Stefanini diz que precisou enxugar estruturas e pessoas ao entrar na TechTeam. “As empresas de tecnologia no Exterior costumam ser mais inchadas que no Brasil, pois privilegiam a cultura dos bônus dos executivos, o que os faz trabalhar mais para benefício próprio do que para os acionistas”, afirma Stefanini. De cara, 20 funcionários em cargos executivos foram demitidos. “Só esse corte reduziu em US$ 4 milhões as despesas anuais com pessoal.” A TechTeam faturou, em 2010, US$ 135 milhões.
Para o empresário, o modelo gerencial do Brasil, no caso das empresas de TI, é mais ágil e flexível que o americano e os europeus. “Eles, por outro lado, são melhores que a gente em planejamento e processos.” De modo geral, sustenta Stefanini, a credibilidade das companhias brasileiras melhorou muito no período recente, o que é decisivo não apenas para conquistar a confiança do time de funcionários estrangeiros, como também, entre outras coisas, a obter crédito e a confiança dos bancos e investidores no Exterior.
A Stefanini, por exemplo, financiou todas as aquisições com dinheiro levantado em bancos estrangeiros, que ofereciam juros mais competitivos que os cobrados no Brasil. No caso da petrolífera carioca HRT, o bom momento do Brasil e a mudança no conceito de suas empresas, em termos de imagem, facilitou em muito, a compra da empresa canadense UNX, mediante uma troca de ações, numa transação avaliada em R$ 1,3 bilhão. “A evolução da imagem das empresas brasileiras no Exterior ajudou a fechar o negócio”, afirma John Forman, vice-presidente da HRT. “Talvez, há algum tempo, fosse mais difícil convencer os acionistas a aceitar uma oferta desse tipo.” Também contou pontos a favor da aquisição o histórico de associação das duas companhias na exploração do petróleo na Namíbia, na África.
Com a incorporação da UNX, a HRT vai aumentar o volume total de suas reservas na Namíbia. A empresa tornou-se a maior companhia privada em exploração na costa do país africano, e calcula ter dobrado seu total de reservas no país para algo em torno de 2,5 bilhões de barris de óleo equivalente. Forman não descarta novas aquisições no médio prazo. Como ele, 43 das 49 empresas listadas no ranking da Fundação Dom Cabral revelaram ter planos de ampliar os projetos de internacionalização, ainda este ano.
Mendonça, da Braskem: “Estávamos no lugar certo, na hora certa”