29/01/2021 - 11:00
A pandemia transformou a rotina de diversos setores da economia nacional. O futebol não escapou. A proibição de público nos estádios derrubou receitas. Um exemplo mostra o tamanho do estrago: apenas o Flamengo, time de maior presença de torcedores no País (média de 52 mil em 37 jogos), fez R$ 97 milhões em renda bruta na temporada de 2019, de acordo com o ranking Globoesporte. As perdas acumuladas (não apenas com bilheteria) das 20 principais agremiações do País podem chegar a R$ 2,5 bilhões em 2020, na comparação com 2019, segundo estudo da consultoria Sports Value, especializada em marketing esportivo. Diante da situação, criptomoeda, chip de celular, loja virtual e programas de sócio-torcedor se tornaram apostas dos clubes para tentar manter as contas em dia e os torcedores conectados. “A pandemia marca um retrocesso sem precedentes na história do futebol brasileiro”, disse à DINHEIRO Amir Somoggi, sócio-diretor da Sports Value.
Aos olhos do torcedor, o placar é triste. Se pandemia e futebol fossem uma partida, terminaria com um 7 a 1 para o vírus. Basta olhar para o retrospecto. Em 2019, os 20 times da elite do futebol nacional arrecadaram R$ 6,1 bilhões, a melhor performance da história – o montante chegou a R$ 6,8 bilhões se levados em conta todos os clubes do País. Os valores fazem referência a direito de TV, patrocínio, bilheteria, sócio-torcedor, clube social, premiações e transferências de jogadores, que atingiram R$ 1,6 bilhão. “Com a manutenção dos estádios vazios e a queda projetada de diversas receitas, os clubes brasileiros vão apresentar, em média, redução entre 30% e 40% de suas receitas em 2020”, afirmou Somoggi. Os números ainda estão sendo fechados pelas agremiações.

No carioca Vasco da Gama, que teve perdas estimadas em 31% no ano passado (de R$ 215 milhões para R$ 143 milhões), uma das estratégias para minimizar o impacto foi aderir às criptomoedas em busca de “dinheiro novo”, como afirmou Alexandre Campello, presidente do clube até sexta-feira (22) – transferiu o cargo ao sucessor Jorge Salgado. No projeto, os torcedores podem investir nos direitos econômicos de atletas por meio de um token – criptoativo que representa uma porção de um ativo real.
Neste caso, o criptoativo está relacionado a valores a que o Vasco tem direito referentes ao mecanismo de solidariedade da Fifa, que remunera os clubes pela formação dos atletas com um percentual sobre as quantias envolvidas em transações de compra ou empréstimo ao longo da carreira. Esse percentual varia de 0,25% a 5%, dependendo do período que o jogador defendeu o time que o formou. “A tokenização desse ativo coloca dinheiro novo no caixa do Vasco, independentemente do que irá acontecer na jornada do jogador durante a carreira”, disse Campello.
Foram tokenizados os direitos econômicos de 12 atletas formados nas categorias de base de São Januário, a sede do time. A relação contempla jovens e nomes de destaque, como o meia Philippe Coutinho, do Barcelona e da Seleção Brasileira. Foram emitidos 500 mil tokens. Cada um é vendido a R$ 100, totalizando potencial de receita de R$ 50 milhões. O clube recebeu R$ 10 milhões antecipados pela venda de 20% dos tokens ao Mercado Bitcoin, parceiro na iniciativa. “Nada impede que a gente forme uma nova série de tokens com outros jogadores formados em São Januário e que hoje estão atuando pelo Brasil ou no exterior.”
No Sul do Brasil, o Grêmio intensificou as promoções na loja digital para suprir a falta de arrecadação nos dois estabelecimentos físicos pertencentes ao clube, na arena e na região central de Porto Alegre. Segundo o presidente Romildo Bolzan Júnior, o tricolor gaúcho chega a faturar entre R$ 500 mil e R$ 800 mil com vendas de produtos oficiais “em dia de jogo expressivo”, mas viu a fonte de receita perder força sem a presença de público nas arquibancadas. O faturamento das lojas caiu de R$ 25 milhões, em 2019, para R$ 20 milhões, no ano passado. O quadro associativo também foi impactado pela crise de saúde com a redução de 89 mil para 70 mil sócios ativos. A receita total do clube teve redução de R$ 410 milhões para R$ 360 milhões comparando os dois períodos. Uma das saídas buscadas foi apostar no e-commerce. Bolzan afirmou que as vendas cresceram 1.000% desde o ano passado. “Foram criados combos de produtos, além de muitas promoções. Temos mais de 2 mil itens à disposição dos torcedores.”

“O valor da camisa do corinthians passará de R$ 100 milhões” Duilio Monteiro Alves, presidente do Corinthians.
ARENA Em São Paulo, a venda dos naming rights da arena no bairro de Itaquera à Neo Química, em setembro, trouxe a esperança de dias melhores ao Corinthians. O clube teve perdas estimadas em 34% no ano passado – de R$ 426 milhões para R$ 279 milhões. A empresa farmacêutica vai pagar R$ 300 milhões durante os 20 anos de contrato, que contempla a inclusão de metas por crescimento da Neo Química. O presidente Duílio Monteiro Alves disse que o clube irá receber outros R$ 17 milhões fixos por ano da companhia pelo patrocínio máster até 2025. “A ‘camisa’ passará seguramente dos R$ 100 milhões”, afirmou. O valor, porém, faz referência a todos os contratos de publicidade.
No orçamento da última temporada, o time mostrou-se ainda muito dependente da transação de jogadores. O clube estimava receber R$ 66 milhões com a comercialização de atletas e até junho já havia arrecadado pouco mais de R$ 93 milhões, o dobro de um ano antes, R$ 46 milhões. Mas essen tipo de linha de receita é suscetível a uma grande veda. Foi o caso. A transferência do meia Pedrinho ao Benfica, de Portugal, renderá ao clube aproximadamente R$ 80 milhões. O lado bom, segundo o dirigente corintiano, é que “a variação cambial impulsionou o mercado de transferências”.

O rival Palmeiras adotou outra estratégia. Também com previsão de perdas de 34% em 2020 (receita de R$ 425 milhões frente a R$ 642 milhões do ano anterior), lançou a Alô Verdão, operadora oficial licenciada de telefonia móvel. O novo serviço é voltado aos torcedores comuns e aos inscritos no sócio Avanti, programa de sócio-torcedores do Palmeiras – são cerca de 70 mil no total. O Alô Verdão tem três tipos de pacotes pré-pagos, de R$ 30 a R$ 50, e um voltado para a família, que varia de R$ 90 a R$ 400. “É uma possibilidade de o torcedor contribuir com o clube e ainda economizar na conta do celular”, disse Roberto Trinas, diretor executivo do Palmeiras.
Ainda há um bom tempo do jogo pela conquista de mais receitas aos clubes. Mesmo sem a ainda perspectiva da volta dos estádios lotados, a palavra de ordem é não ficar de braços cruzados no meio de campo. Nem ficar esperando a decisão da partida na disputa de pênaltis.