Conhecido por antecipar os fatos e negociar expectativas, o mercado financeiro vem surfando em uma onda de otimismo desde meados de janeiro, quando as perspectivas de impeachment da presidente Dilma Rousseff se tornaram mais concretas. A eventual chegada de Michel Temer, que vem sinalizando reformas alinhadas à agenda do setor privado, justificou uma mudança nos números. Na quinta-feira 28, o Índice Bovespa atingiu seu maior patamar desde maio de 2015 e o dólar fechou marginalmente abaixo de R$ 3,50, algo que não ocorria desde agosto do ano passado.

Há, evidentemente, uma grande diferença entre os setores financeiro e real da economia. Os indicadores financeiros, como a taxa de câmbio, o Índice Bovespa e a taxa de juros futuros, reagem depressa ao noticiário e são muito influenciados pelas expectativas. Dados do setor real, como a variação da inflação e o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB), têm um tempo de resposta maior e são menos afetados pelo humor dos agentes econômicos do que os voláteis números do mercado.

Isso pode ser comprovado comparando-se duas edições do boletim Focus, levantamento realizado pelo Banco Central (BC) junto a economistas de bancos. Colocadas lado a lado, a última edição de 2015 e a mais recente, de 22 de abril, revelam que o otimismo do mercado ainda não contagiou os prognósticos para a economia real. Os números de câmbio e juros mostram que o Brasil esperado para dezembro está muito melhor do que o panorama visto hoje pelas janelas.

O lado concreto da economia, por sua vez, já apresenta discretos sinais de reação. Contaminada pelo governo Dilma, a produção da economia brasileira deverá encolher 3,88% em 2016, segundo o relatório Focus. A explicação é clara. “O resultado do PIB para o quarto trimestre de 2015 fez todo mundo revisar as expectativas para pior”, diz Maurício Nakahodo, economista do Banco de Tokyo-Mitsubishi UFJ Brasil.

“A confiança dos consumidores e dos empresários permanece em um nível muito baixo e o consumo das famílias está fraco devido ao medo do desemprego”, diz ele. Nakahodo só diz estar um pouco mais otimista que a mediana do mercado com relação à inflação prevista para este ano. “Nossa projeção é de 6,5%, no teto da meta”, diz ele. Se a recessão de 2016 já está contratada, os prognósticos para 2017 devem melhorar com a concretização do processo de impeachment da presidente Dilma.

O economista Nicola Tingas, diretor da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet), avalia que um eventual governo Temer terá de ser rápido em traçar um plano de voo que coloque a economia na rota do crescimento. “O novo governo terá de apresentar logo uma equipe econômica com propostas pragmáticas e críveis, e também terá de convencer a sociedade de que é possível obter apoio político no Congresso para as reformas”, diz ele.

Segundo Tingas, Temer terá de obter um consenso para aprovar medidas impopulares que ajudem a arrumar as contas e a destravar os negócios, como por exemplo a reforma da Previdência. O problema é que esses processos estão longe de ser lineares e previsíveis. “Depois de 14 anos o PT vai voltar à oposição e a luta política será intensa”, avalia. “Isso é o fim de um ciclo político, e ninguém sabe ainda como será o próximo, o que tem um efeito imprevisível sobre a economia.” Por ora, o mercado financeiro tem preferido apostar suas fichas no êxito de um eventual governo Temer.