23/11/2011 - 21:00
Há uma sombra vermelha vinda do Oriente crescendo sobre os campos petrolíferos brasileiros. Ao anunciar a compra de 30% da portuguesa Galp Energia por US$ 5,1 bilhões, na semana passada, a chinesa Sinopec deu seu segundo grande passo na região do pré-sal. Em dezembro de 2010, ela já havia adquirido 40% da espanhola Repsol, por US$ 7,1 bilhões. Os negócios transformaram a empresa da China em uma importante parceira da Petrobras, pois a Galp é sócia minoritária da estatal brasileira em importantes descobertas marítimas, incluindo o vasto campo do pré-sal de Lula, anteriormente conhecido como Tupi, assim como as descobertas de Cernambi e Iara. O negócio fez dos chineses um dos principais competidores estrangeiros no setor, ao lado de nomes como a britânica BG e a anglo-holandesa Shell. Segunda maior produtora de petróleo da Ásia e líder da região em refino, a Sinopec – negociada nas bolsas de Hong Kong, Nova York e Londres, controlada pelo Estado chinês – é a quinta maior empresa mundial em receita, segundo a revista americana Fortune. Em 2010, faturou US$ 273 bilhões, com lucro de US$ 7,6 bilhões. Seu ponto forte é o refino e comercialização de combustíveis. Não por acaso, é dona de uma rede de 30 mil postos de gasolina na China – a segunda maior do mundo.
O chairman do grupo, Su Shulin: executivo administra a série de compras da empresa,
enquanto o Estado chinês define metas e aloca recursos para o grupo Sinopec
No total, a companhia possui mais de 200 operações em cerca de 20 países, tendo suas bases mais importantes no Oriente Médio e na África. No Brasil, a empresa opera desde 2004, trabalhando com a Petrobras nos trechos sul e norte do Gasoduto Sudeste-Nordeste (Gasene). A parceria entre as companhias se estreitou em abril deste ano, com a assinatura de um acordo para exploração de dois blocos de petróleo em águas profundas da bacia Pará-Maranhão, além de um entendimento para uma possível participação dos chineses no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, localizado no município de Itaboraí. As novas aquisições, no entanto, colocaram a Sinopec numa posição de maior relevo no mercado brasileiro. Se continuar a estratégia atual – comprar participações em companhias já estabelecidas –, ela tem potencial de se tornar a principal parceira da Petrobras na exploração petrolífera. Tudo indica que isso pode acontecer. Em primeiro lugar, porque o Brasil se tornou uma peça importante para a China com a descoberta de novas reservas. “Existe uma política oficial do governo chinês de garantir o acesso de longo prazo ao petróleo, para sustentar o crescimento da economia”, diz Edmilson Moutinho, professor da Universidade de São Paulo.
Essa determinação se traduz nos chamados Planos Quinquenais, que estabelecem metas de produção para o setor e a alocação de recursos para que as empresas cumpram essas metas. Dinheiro também parece não ser problema para a Sinopec. Prova disso é que as aquisições feitas no mercado brasileiro seguem uma sequência recente de compras de petrolíferas mundo afora. Foram incorporadas neste ano pela Sinopec a canadense Daylight Energy, a argentina Ocidental e a participação de 80% da Shell na camaronesa Pecten. Somados, esses negócios atingem a casa dos US$ 5,2 bilhões. “As compras permitem que recursos investidos em aplicações que vão mal das pernas no momento, como títulos de governos europeus, sejam realocados para ativos mais seguros”, afirma Walter de Vitto, analista da consultoria Tendências. Do ponto de vista operacional, o modelo de aquisições parciais também faz sentido para a Sinopec. “Eles podem deixar para o parceiro a exploração e a operação das plataformas, área que não têm tradição, e focar na gestão dos contratos e no envio do petróleo para a China”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). De quebra, o óleo vindo do Brasil permite aumentar a taxa de utilização de suas refinarias.
A sede da China por gasolina: homem abastece em Anshun, em um dos 30 mil postos da Sinopec,
dona da segunda maior rede de combustíveis do mundo
“Hoje, isso é o negócio principal deles”, afirma Evódio Kaltenecker, professor da BBS Business School. Nesse sentido a Sinopec leva ao pé da letra o seu próprio slogan: “Faça cada gota contar.” A pergunta que paira no mercado é quais serão as próximas compras planejadas dentro do escritório de paredes vermelhas da Sinopec, no Rio de Janeiro. Fiel à tradição chinesa, os dirigentes da operação local não costumam se pronunciar. Procurados por DINHEIRO, não quiseram dar entrevista. Analistas do setor, no entanto, apontam para dois alvos, em especial. O maior deles é a própria BG, hoje sócia da estatal brasileira nas principais descobertas do pré-sal. Os ingleses detêm 25% do cobiçado bloco BMS-11, onde estão alguns dos poços mais importantes do pré-sal. As conversas podem ganhar força em um momento de crise para a economia europeia, com consequente efeito nas vendas e no preço dos papéis da BG. Vender uma parte da participação para um novo sócio – o chamado compartilhamento de riscos – diminuiria a exposição da BG. Outro alvo em potencial é a OGX, petrolífera do grupo empresarial pilotado pelo brasileiro Eike Batista (leia reportagem aqui).
Refinaria em wuhan, na China: ponto forte da Sinopec é o segmento chamado downstream,
formado pelo refino do óleo bruto e pelo comércio de combustíveis
Segundo analistas ouvidos por DINHEIRO, a OGX precisa de caixa para explorar suas recentes descobertas petrolíferas. “Além disso, é muito mais fácil negociar com um grupo de um único empresário, como no caso do Eike, do que como uma grande multinacional como a BG”, analisa um especialista. A grande dúvida é como a Petrobras reagiria a um negócio desses, que transformaria os chineses no principal sócio do pré-sal. “A Petrobras é controlada pelo governo e há um enorme medo da China e um peso nacionalista grande dentro do Planalto”, afirma um consultor especializado da área. O próprio presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, já sinalizou que poderia exercer o direito de preferência da Petrobras para impedir que os chineses levassem a participação da BG no bloco BMS-11. O problema é que a própria Petrobras precisa vender cerca de US$ 14 bilhões em ativos para tornar viável seu plano de investimentos no pré-sal. “A entrada mais forte da Sinopec está colocando a Petrobras entre a cruz e a espada”, diz o especialista.