09/10/2015 - 18:41
Como manda a cartilha mineira, o executivo Eduardo Fischer, presidente da maior construtora brasileira, a MRV Engenharia, trata de assuntos ásperos com a mesma serenidade que fala sobre investimentos e expansão dos negócios. Essa postura tranquila se justifica. Com faturamento de R$ 6 bilhões no ano passado, a MRV tem conseguido manter seus resultados nos mesmos patamares do período pré-crise, colocando em prática uma estratégia de aumento da eficiência e forte redução de custos. Baseado em sua experiência, Fischer sustenta que as administrações públicas, em especial o governo da presidente Dilma Rousseff, têm uma oportunidade única de, assim como tem sido feito nas empresas, melhorar sua gestão, sem punir a sociedade. “A sociedade e as empresas não toleram mais impostos”, afirma Fischer.
DINHEIRO – O pior da crise já passou ou o poço é ainda mais fundo?
EDUARDO FISCHER – Estamos no início de um processo de recuperação, mas é difícil dizer se pode melhorar ou piorar nas próximas semanas. O fato é que atravessamos um estágio da crise no qual precisamos encarar alguns desafios. Chegou a hora de enfrentarmos os nossos demônios. O governo e a sociedade foram colocados contra a parede. Não dá para protelar reformas que são essenciais.
DINHEIRO – Quais são os demônios?
FISCHER – Existem vários. O maior deles é o tamanho do Estado. Temos de repensar também o papel da Previdência Social. Será fundamental encontrar um caminho que não seja o aumento de impostos. Estamos sendo confrontados com a realidade de que há necessidade de fazer ajustes, muito mais profundos do que estes que estão sendo discutidos atualmente, sob a pena de não termos um País estável por muitos anos.
DINHEIRO – A alta dos impostos é a alternativa mais eficiente para equilibrar as contas públicas?
FISCHER – Para o setor produtivo a alta de impostos é veneno. O governo começa a matar o que gera receita para os cofres públicos. Esse não é o caminho. Uma eventual elevação de impostos seria tolerável se fosse transitória, mas não é isso que estamos vendo. A sociedade e as empresas não toleram mais impostos. Não há espaço para esse tipo de postura por parte do governo.
DINHEIRO – Enterrar a CPMF, por exemplo, não será pior para a economia?
FISCHER – A questão política tem atrapalhado a condução econômica. A crise política está ofuscando o nível da discussão. Existe uma urgência de mudanças estruturais profundas, que vão muito além da recriação da CPMF ou do reajuste para o Judiciário. O debate está muito raso.
DINHEIRO – Sem o equilíbrio das contas do governo, a estabilidade poderá ser restaurada?
FISCHER – Não, mas o equilíbrio não depende apenas da alta dos impostos. A estabilidade macroeconômica é fundamental para o ambiente dos negócios. O setor em que atuamos, o imobiliário, vive ciclos muito longos de planejamento. Compra-se hoje um terreno, que receberá a aprovação para construção de um prédio daqui a dois ou três anos, que depois vai ser lançado e construído. Em cinco ou seis anos, estarei entregando as chaves. Depois disso, há toda uma caminhada, que é o de recebimento, de assistência técnica etc. Então, são ciclos longos. Para me planejar, preciso de taxas de juros adequadas e, principalmente, de previsibilidade. Se eu não tiver isso.
DINHEIRO – A crise ajudou a estourar a bolha do setor imobiliário?
FISCHER – Nunca existiu bolha. Durante muito tempo, até 2004, o Brasil não tinha mercado imobiliário. Aquilo que estamos enxergando é uma adequação de preços a uma realidade de normalidade.
DINHEIRO – Mas é fato que houve uma hipervalorização dos imóveis nos últimos anos…
FISCHER – Uma casa ou apartamento de R$ 150 mil, em 2004, estava com o preço correto? Ou ele deveria valer R$ 350 mil? Quando olhamos para todos os parâmetros do mercado imobiliário brasileiro e comparamos com o restante do mundo, vemos que o crédito para compra da casa própria é muito pequeno. Percebemos que os preços dos imóveis em São Paulo, quando confrontamos com outras capitais do mundo, ainda são mais baixos. O parâmetro utilizado pelos bancos para medir a participação do crédito imobiliário em suas carteiras de crédito, é baixo. Nos Estados Unidos, sim, tinha bolha. Aqui, não.
DINHEIRO – Mesmo com a crise, o setor imobiliário está mais maduro?
FISCHER – Em 2004, criou-se uma legislação que proporcionou segurança jurídica à construção civil, com o advento da alienação fiduciária. Até então, era muito difícil retomar um imóvel inadimplente. Como as instituições financeiras não queriam liberar crédito, dado o risco elevado, nós concedíamos crédito. Atuávamos como banco e como construtora. Era muito difícil alinhar o fluxo de caixa com a capacidade de pagamento do cliente e com a capacidade da empresa. O mercado era pequeno e as obras se estendiam por muito tempo, por falta de dinheiro.
DINHEIRO – Em quanto tempo o setor conseguirá recuperar os níveis anteriores à crise?
FISCHER – Eu sou muito otimista. Quando olhamos para a situação de demografia no Brasil, fica evidente que é imensamente favorável à construção civil, nos próximos anos. As pessoas não apenas querem morar, elas precisam morar. E, por enquanto, a grande maioria ainda não tem onde morar. Sem querer puxar brasa para minha a sardinha, o setor da construção civil é fundamental para a economia brasileira. Gera muito emprego e tem um peso relevante no PIB.
DINHEIRO – Por que, então, o déficit habitacional continua tão grande?
FISCHER – A habitação irregular está crescendo nas grandes cidades. Quando não se investe em habitação, as famílias acabam indo morar em locais sem condições básicas, não tem asfalto, não tem creche, não tem transporte público. A urbanização informal, em loteamentos irregulares e ‘puxadinhos’, está avançando. As pessoas estão nascendo, estão casando, estão constituindo família em algum canto. O ônus social é gigantesco.
DINHEIRO – De quem é a responsabilidade?
FISCHER – O poder público precisa entender que quando se demora três ou quatro anos para liberar um projeto de moradia regular, o que poderia ser feito em menos de um ano, empurra-se um contingente de pessoas para uma situação inadequada. Nos casos mais extremos, às favelas. São Paulo é cheio de exemplos disso.
DINHEIRO – O Minha Casa Minha Vida está perdendo sua importância?
FISCHER – Quase todos os países mantêm programas de fomento à habitação. O programa Minha Casa Minha Vida age nesse sentido, mas ainda existe uma parte que precisamos atacar, que é a falta de agilidade. As coisas precisam acontecer de forma mais rápida para garantir uma moradia digna à população que mais precisa.
DINHEIRO – Há riscos para o programa, com o ajuste fiscal?
FISCHER – O Minha Casa Minha Vida tem três faixas, de acordo com a renda da família. A faixa um, para até três salários mínimos, conta com verbas exclusivamente do Tesouro Nacional. Ou seja, tende a ser mais afetada pelo ajuste fiscal. As faixas dois e três, que é onde a MRV atua, possuem recursos do FGTS. Essa categoria tem uma situação muito saudável. Não será afetada.
DINHEIRO – A proposta de melhorar a remuneração do FGTS ameaça o atual sistema de financiamento da casa própria?
FISCHER – Do jeito que o projeto de mudança do FGTS está, ele é tão ruim, que não vai passar. É muito fácil falar que vai se reajustar a remuneração do FGTS. Hoje a remuneração é 3% ao ano, mais TR. Esse dinheiro é utilizado para financiar a habitação a 5% ou 6%, mais TR, durante 30 anos. Se essa regra muda hoje, o que o Fundo tem a receber para se realimentar é menos do que o dinheiro que sai. Ou seja, o FGTS se torna insustentável. Atualmente, 80% das contas do FGTS representam 15% do total do Fundo. Em outras palavras, uma mudança irá prejudicar quem mais precisa e colocar o sistema em risco.
DINHEIRO – Na sua avaliação, essa crise vai durar quanto tempo?
FISCHER – Estamos no meio da crise e, até agora, não sabemos como vamos sair dela. Em minha opinião, 2016 e 2017 serão de muito aperto. Vamos começar a enxergar a saída em 2018.
DINHEIRO – A crise tem estimulado a busca por eficiência?
FISCHER – Vivemos uma oportunidade única de rever nossas ineficiências e corrigi-las. Em uma empresa privada, isso é quase automático. Custo é igual unha, precisamos cortar todos os dias. No nosso caso, em 2007 precisávamos de 12 homens para construir um apartamento. Esse número hoje está abaixo de sete. A meta é baixar para cinco.
DINHEIRO – Como a disparada do dólar está afetando o mercado imobiliário?
FISCHER – Em termos de custos, o dólar afeta de um lado, mas a crise compensa por outro. O aço, por exemplo, está mais caro pela desvalorização do real, mas a negociações com fornecedores está mais fácil. A própria operação Lava Jato, que prejudicou inúmeras obras de infraestrutura no País, gerou uma superoferta de matérias-primas. Estamos conseguindo renegociar com fornecedores para compensar os custos.
DINHEIRO – E a restrição do crédito?
FISCHER – Quando os bancos se tornam mais rigorosos na concessão de crédito, acabam protegendo o mercado. Por um lado parece ruim, mas por outro é bom. O problema é quando se exagera demais na dose. Há clientes que conseguiriam um financiamento no mês passado, e hoje não conseguem mais. Mas isso faz parte da postura dos bancos em tempo de crise.
DINHEIRO – O sr. acredita que uma eventual saída da presidente Dilma Rousseff poderá melhorar o cenário econômico?
FISCHER – O impeachment é um negócio traumático. Não sei se isso é bom. Se o impeachment acontecer, que aconteça dentro da legalidade. Não se pode tirar um presidente no tapetão.