A disputa societária entre a japonesa Nippon Steel e a argentina Ternium envolvendo a siderúrgica brasileira Usiminas, uma gigante com receita líquida de R$ 12,8 bilhões, em 2013, sofreu uma grande reviravolta no início da noite de quinta-feira 2. Para surpresa geral do mercado, os argentinos saíram da posição defensiva com que iniciaram a semana, quando tiveram três executivos de sua confiança demitidos pelos japoneses, e partiram para o ataque em grande estilo. Num golpe inesperado, assumiram o controle acionário da siderúrgica mineira, graças ao desembolso de R$ 616,7 milhões (US$ 248,6 milhões) pelas ações em poder da Previ, o fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil.

Desse modo, os argentinos aumentaram de 27,7% para 38% o volume de ações ordinárias da companhia em seu poder, contra 29,45% da Nippon Steel. Para isso, aceitaram pagar um ágio de 42% sobre a cotação média dos papéis da Usiminas nos últimos seis meses. Apesar disso, fontes ligadas à empresa argentina minimizam o impacto da iniciativa no dia a dia da companhia. “Nada muda”, afirmou um graduado executivo envolvido com a operação. “Vamos respeitar o acordo de acionistas, que prega que as decisões estratégicas precisam ser tomadas por consenso.”

Os japoneses, por seu lado, não estão tão certos disso. Muito menos o mercado, que viu nessa operação um troco nos japoneses que, na prática, haviam humilhado seus sócios da Ternium, na reunião do Conselho de Administração, realizada em 25 de setembro. Na ocasião, eles usaram seu maior poder de fogo para demitir, numa só tacada, três diretores ligados à Ternium: o presidente da Usiminas, Julián Eguren, o diretor de subsidiárias, Paolo Bassetti, e o diretor industrial, Marcelo Chara, acusados de terem recebido bônus indevidos.

Os dirigentes da Nippon Steel sentiram o golpe e classificaram a negociação com a Previ como sendo uma “declaração de guerra”, de acordo com pessoas ligadas à Nippon Steel, consultadas por DINHEIRO. “Vamos reagir”, afirmou a fonte, que pediu para não ser identificada. Usando uma metáfora típica do futebol, pode-se dizer que os argentinos deram um “nó tático” nos japoneses. É que estes, para retomar a dianteira,terão de fazer inúmeros movimentos para alcançar um lote de ações equivalente ao dos argentinos, pois o terceiro maior acionista, a Caixa dos Empregados da Usiminas (CEU), possui apenas 6,75% das ações ordinárias.

Com isso, além de lidar com a CEU seria preciso ir ao mercado para arrematar os 2% de ações necessárias para suplantar a arqui-rival. Essa possibilidade já tinha entrado no radar de alguns investidores. Uma evidência nesse sentido pode ser o fato de os papéis ordinários terem fechado o pregão de quinta-feira, na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), em alta de 0,15%, para R$ 6,60, enquanto as preferenciais recuaram 1,08%, para R$ 6,44. De certa forma, a ruptura ocorrida na assembleia realizada no final de setembro, apenas acentuou o clima de tensão existente entre as partes.

Tudo começou com as auditorias internas, que descobriram as irregularidades na concessão de bônus aos diretores demitidos. “O problema foi detectado em setembro de 2012”, diz Fernando dos Santos Zorzo, sócio de Pinheiro Neto Advogados que, ao lado do escritório Sergio Bermudes, cuida dos interesses da Nippon. “Os executivos tiveram amplo direito de defesa. Reconheceram o erro, se comprometeram a devolver os recursos, mas nada fizeram.” O episódio acabou levando a Ternium à Justiça de Minas Gerais para anular a assembleia que, segundo seus representantes, teria violado o acordo de acionistas.

Pelo estabelecido, entre as partes, decisões desse nível teriam de ser tomadas sempre em comum acordo. No caso, houve um empate em cinco votos de cada lado, e o presidente do Conselho, Paulo Penido, ligado aos japoneses optou pela demissão. “Eles rasgaram o acordo de acionistas”, criticou uma fonte próxima à Ternium, que pediu para permanecer no anonimato. Os próximos lances desta disputa incluem tanto o acirramento dos ânimos, quanto a possibilidade de um parrillada regada a saquê, entre as partes.

Tudo dependerá do que vai acontecer no encontro que o ítalo-argentino Paolo Rocca, controlador do grupo Techint, dono, além da Ternium, de empresas como a Siderar e TenarisConfab, terá com o CEO da Nippon Steel, Shoji Muneoka, durante o congresso mundial do aço que acontece neste mês em Moscou. A disputa entre os dois principais acionistas da Usiminas ocorre às vésperas de outra parada dura: a negociação do dissídio coletivo dos metalúrgicos do Vale do Aço, cuja data-base é em 1º de novembro.

Alheio aos problemas, o secretário financeiro do Sindicato dos Metalúrgicos, Geraldo Magela, disse que, do ponto de vista da entidade, sua luta será por melhores salários. “Nossa meta é conseguir um reajuste de cerca de 12%, montante que engloba a variação da inflação e o ganho de produtividade na produção de aço.” Símbolo da época dourada da siderurgia brasileira e estrela maior do Vale do Aço, a Usiminas ainda conserva um certo brilho, apesar de o mercado siderúrgico viver um momento de baixa. Para entrar na Usiminas, a primeira siderúrgica estatal a ser privatizada, em 1991, Rocca, o magnata ítalo-argentino, que comanda um grupo que faturou US$ 25,3 bilhões, em 2013, desembolsou R$ 5 bilhões, o equivalente a R$ 36 por ação.

O pacote incluiu as subsidiárias Cosipa, empresas menores de distribuição de aço e mineradoras. Hoje, os papéis oscilam abaixo de R$ 7. Para a Techint os japoneses foram precipitados em demitir Eguren, um executivo bem conceituado no setor siderúrgico, sem terem provas convincentes de apropriação indébita, ignorando o excelente trabalho que teria sido feito pelo executivo que assumiu o posto em 2012. No primeiro semestre deste ano, o desempenho operacional medido pelo Ebitda deu um salto de 64%, para R$ 1,18 bilhão, em relação aos R$ 724 milhões de igual período em 2013. Por sua vez, o lucro líquido ficou em R$ 350 milhões, ante
um prejuízo e R$ 145 milhões.