28/05/2021 - 12:00
Em uma das salas da exposição virtual Gucci Garden, a iluminação em neon evoca a coleção Tokyo Lights, lançada pela grife italiana em 2016. Em outra, as paredes, plantas e sofás estampados remetem ao lançamento do perfume Bloom. No final do passeio, uma lojinha oferece bolsas, chapéus e óculos. Seria apenas mais uma imersão digital na história da centenária — e cobiçada — Gucci, não estivesse a exposição dentro de um game. Isso mesmo. E o mais incrível é que até os acessórios, embora possam ser comprados com dinheiro de verdade, servem para vestir exclusivamente os avatares do jogo, o Roblox.
A experiência digital reproduz em detalhes a mostra atualmente em cartaz no museu da grife, em Florença. Embora emule a exposição física, o Gucci Garden Roblox é muito mais democrático. Já superou a marca de 1 milhão de visitantes, que puderam comprar acessórios a preços impensáveis para qualquer item da marca. Originalmente, havia óculos a US$ 1,40 e bolsas a US$ 5,50. Os valores dispararam no mercado paralelo criado entre os jogadores. Mas nada que se compare a qualquer peça da Gucci, que não vende uma bolsa por menos de US$ 950.
A estratégia da marca em renovar sua base de clientes a partir do universo de games é uma prova de que ela está disposta a se manter relevante pelos próximos 100 anos. O segmento de jogos digitais movimentou US$ 177 bilhões no ano passado. É mais que a soma do mercado de cinema e de esportes nos Estados Unidos. Claro que a pandemia pesa nessa conta, mas os números são altos em qualquer cenário. A Roblox, empresa avaliada em US$ 52 bilhões, tem 42 milhões de usuários ativos em sua plataforma todos os dias. Ainda assim, a escolha da Gucci envolve algo que vai além do dinheiro. “É onde os jovens gastam a maior parte do seu tempo e onde vão para socializar”, afirmou Madeleine Muller, professora do curso de Design de Moda da ESPM Porto Alegre. “A moda demorou para entender que os futuros clientes estão lá. E que é preciso conhecer suas novas demandas de mercado.”
Esse rejuvenescimento ganhou força com o isolamento social, que impediu desfiles presenciais. Mas já vinha ocorrendo desde 2015, ano em que o italiano Alessandro Michele assumiu a posição de diretor criativo da grife. Para Carlos Ferreirinha, presidente e fundador da MCF Consultoria, o trabalho de Michele é um liquidificador de referências. “Ele vem fazendo uma verdadeira revolução”, disse. “E conseguiu analisar o espírito jovem que vai além da faixa etária, que é plural e hiperconectado.” Não à toa, a grife tem conquistado fãs entre algumas das principais personalidades da cultura pop da atualidade. É o caso do cantor britânico Harry Styles, primeiro homem a aparecer sozinho em uma capa da Vogue, posando com um controvertido look criado pela Gucci que combinava jaqueta e vestido. É também o caso do grupo sul-coreano de kpop BTS, que usa Gucci no clipe de Dynamite, fenômeno mundial que já foi visto por 1 bilhão de pessoas.
GRACE KELLY Fundada em 1921 por Guccio Gucci (1881-1953) em Florença, a empresa ficou conhecida após a Segunda Guerra, quando lançou a icônica bolsa Bamboo. Na década seguinte, a Gucci colocou no mercado seus mocassins. Tornou-se a favorita de Grace Kelly (1929-1982), atriz que se tornaria princesa de Mônaco, e de muitas estrelas de Hollywood. Expandiu suas operações para os Estados Unidos e para outros mercados, tornando-se referência global. Mas viveu um período complicado nos anos 1980 por causa de brigas entre os herdeiros. Passou a produzir itens de seu portfólio em larga escala, o que elevou a receita e reduziu a exclusividade e o prestígio.

A situação se reverteu nos anos 1990. Foi quando o fundo Investcorp tomou o controle financeiro do grupo e contratou o estilista e cineasta Tom Ford para assumir o cargo de diretor criativo. Ele ficou na posição até 2004. Foi o tempo necessário para repaginar a grife com seu estilo sensual (apelidado de “porno chic”) e fez a Gucci voltar a ter o status de marca cobiçada.
Desde 1999, a grife faz parte do conglomerado de luxo Kering, que controla Yves Saint Laurent, Bottega Veneta e Balenciaga, entre outras. A Balenciaga, inclusive, participou de uma coleção colaborativa para celebrar o centenário da Gucci, que teve a tenista Serena Williams, as atrizes Awkwafina e Diane Keaton e o apresentador James Corden. Prova de que o prestígio da marca ultrapassa barreiras geracionais.