No começo de março, a canadense Blackberry fez um evento em Barcelona para anunciar seu novo smartphone, o Leap. Sem o glamour da Mobile World Congress, principal evento global de mobilidade, que acontecia em um prédio vizinho, o CEO da companhia, o chinês de Hong Kong John Chen, passou 120 minutos apresentando as novidades da combalida fabricante de smartphones, cujo ano fiscal 2016 começa em abril. Detalhe: Chen gastou apenas quatro minutos falando sobre o Leap.

Nos 116 minutos restantes, ele usou seu inglês quase impecável para explicar como a Blackberry pretende dar a volta por cima apostando em software e serviços em vez de celulares inteligentes, área que ela praticamente criou com seus aparelhos com teclados que marcaram época. “Vamos levar nossas soluções de produtividade e segurança para todos os sistemas operacionais”, disse Chen. A Blackberry, faz questão de frisar Chen, não está abandonando os smartphones. Mas o CEO da companhia não nega que a aproximação com o mundo do software é o atual foco da empresa.

Tal empenho em fazer uma transição para outra área pode ser explicado pelos números. De acordo com um estudo do analista Michael Walkley, da consultoria americana Canaccord Genuity, apenas Apple, Samsung e LG conseguem lucrar com a venda de celulares inteligentes. As outras fabricantes operam no vermelho – como a própria Blackberry. Por outro lado, o mundo dos programas é um oásis a ser explorado. A consultoria americana Gartner estima que US$ 143 bilhões devem ser gastos com aplicações neste ano. A área de segurança deve receber outros US$ 88 bilhões. A estratégia de Chen é a esperança para retirar a companhia canadense do prejuízo, que sangra seu caixa desde 2012.

Nos nove primeiros meses de seu exercício fiscal de 2015, as perdas somaram US$ 332 milhões, um resultado bem melhor do que o prejuízo de US$ 5,4 bilhões, comparando-se com o mesmo período no ano anterior. A receita líquida, no entanto, encolheu 54%, passando para US$ 2,6 bilhões. No seu terceiro trimestre, a área de software representou 30% do faturamento de US$ 793 milhões. Deverá chegar a US$ 500 milhões nos últimos três meses do ano fiscal da Blackberry. E a estimativa é que dobre de tamanho em 2016, segundo as previsões otimistas de Chen. Não será, no entanto, uma missão fácil para a Blackberry. “Eles estão entrando em uma área com muita competição”, afirma Simona Jankowski, analista do banco de investimento Goldman Sachs.

“Não é fácil ganhar mercado e tirar a diferença neste segmento.” Para não decepcionar os investidores mais uma vez, a canadense aposta no pouco de glamour que ainda restou de sua marca. Apesar de não ser a predileta dos consumidores, a empresa é responsável, por exemplo, pela comunicação da Casa Branca. Além do presidente americano Barack Obama, os líderes dos outros seis integrantes do G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão e Reino Unido) usam os celulares inteligentes da companhia. Assim como os executivos dos dez maiores bancos do mundo. Por essa razão, produtividade e segurança devem ser palavras a compor o slogan da Blackberry em sua nova fase.

“Temos uma participação muito pequena em smartphones e não podemos vender aplicações apenas para quem usa Blackberry”, afirma Ketan Kamdar, presidentes de operações da empresa. “Queremos os consumidores que usam celulares com os sistemas do Google, da Apple ou da Microsoft.” O primeiro exemplo dessa posição é a parceria com a Samsung. O Knox, que agrega aplicações de produtividade nos celulares da fabricante coreana, agora conta com soluções da Blackberry. Dará certo? Chen acredita que está adiantado em seu plano de recuperação. “Nossa estratégia é uma e simples: fazer dinheiro.” Ao que tudo indica, cada vez menos com celulares.