02/09/2022 - 1:10
Nascida em uma família cujo sobrenome se tornou sinônimo de vinho argentino — especialmente no Brasil, onde foi criado o termo ‘catenistas’ em referência aos fãs da marca — Adrianna Catena demorou para se juntar ao negócio iniciado pelo bisavô e ampliado pelas duas gerações que o sucederam. Ao contrário do caminho que pareceu natural para sua irmã mais velha, Laura, que além de assumir o comando da vinícola criou um instituto para estudar o terroir e a sustentabilidade dos vinhedos em Mendoza, Adrianna preferiu estudar história (fez doutorado em Oxford), se casar com um brasileiro (os dois se conheceram no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2005) e viver em Londres. Mas nunca abandonou a tradição familiar. “Eu cresci pulando sobre aqueles tonéis para 200 mil litros do meu avô, e acompanhei todo o esforço do meu pai para aprimorar a qualidade do Malbec e para convencer o mundo de que a Argentina podia fazer um bom vinho”, disse Adrianna à DINHEIRO. “Todas as pessoas que eu conheci na minha infância eram ligadas ao vinho, como o Paul Hobbs, que ia sempre nadar na nossa piscina e me dava impulsos para saltar cada vez mais alto, ou o marido da Susana Balbo, Pedro Marchevsky, que também trabalhava como viticultor com meu pai.”

O vinho, porém, não está apenas no DNA ou nas memórias de Adrianna. Seu nome foi dado a um dos mais belos vinhedos da família. Seu rosto aparece entre as quatro mulheres que estampam o rótulo Malbec Argentino, repleto de alegorias, e seu gosto pelo que é diferente deu origem à Bodega El Enemigo, criada em colaboração com Alejandro Vigil, também enólogo-chefe da Catena Zapata, e que se destaca pela predileção da uva Cabernet Franc. “Quando eu fiz esse vinho, em 2008, estava cursando meu doutorado em Oxford e precisava escrever uma tese de 400 páginas. Todo dia eu acordava com a obrigação de vencer meu pior inimigo, que era a vontade de ficar quietinha, sem fazer nada, ou de assistir à televisão”, afirmou, em um português claríssimo, quase sem sotaque estrangeiro. “Todo mundo me dizia que esse nome não iria dar certo, que ninguém iria querer comprar um vinho chamado inimigo.” Ela teve o apoio de Vigil, e juntos criaram um novo ícone argentino.
Apesar de todo esse histórico, Adrianna raramente aparecia como porta-voz de sua família. Isso mudou quando ela veio ao Brasil, no início de agosto, sozinha, sem os pais nem irmãos, para apresentar o mais novo representante da consagrada linha DV Catena: o tinto Histórico Edição Bicentenário 2019. O nome se refere aos 200 anos de Independência do Brasil, celebrados em 7 de Setembro. É, portanto, uma “Homenaje a mi país hermano”, como afirma o texto do rótulo com a assinatura de Nicolás Catena Zapata. A sigla DV, por sua vez, representa as iniciais de Domingo Vicente, pai de Nicolás. Nele se mesclam, portanto, o pai, o filho e o país que se tornou o maior mercado global para a produção da vinícola — e também o recordista em contrabando da marca. Daí a decisão de testar um novo modelo de negócio. Como essa edição histórica é produzida exclusivamente para o mercado brasileiro, não poderá cruzar a fronteira ilegalmente, pois não estará nem sequer à venda na Argentina.
TRÊS CASTAS Este vinho de edição limitada é produzido a partir de um corte de três uvas: Malbec (75%), Bonarda (19%) e Petit Verdot (6%). Elas foram selecionadas por Alejandro Vigil em quatro diferentes vinhedos de altitudes distintas, de 750m a 1.450m sobre o nível do mar. O mosto de cada parcela foi fermentado separadamente e estagiou em barricas de carvalho específicas (novas, de segundo e terceiro uso), por períodos de 12 a 14 meses. Na definição de Ciro Lilla, dono da importadora Mistral, que há três décadas representa Catena no Brasil, trata-se de um tinto opulento e de grande equilíbrio, “que encanta com facilidade”. Encorpado, com 13,5% de álcool, custa R$ 231,59 no site da Mistral.

“Meu pai tem um carinho muito grande pelo Brasil, seus netos são brasileiros. Esse vinho é mais uma homenagem a essa conexão do que à data histórica” Adrianna Catena.
Para a historiadora Adrianna, que entende o quanto a independência não foi uma conquista genuína dos brasileiros, o vinho do bicentenário simboliza o carinho da família Catena pelo Brasil e por seus grandes amigos que vivem aqui. “Eu tenho a foto mais bonita ao lado do meu pai graças ao Ciro Lilla”, disse. “Ele insistiu para que eu ficasse ao lado dele no momento de receber o prêmio da Decanter”. Em 2009, Nicolás foi eleito Homem do Ano pela revista inglesa — e de lá para cá acumula os maiores reconhecimentos internacionais que um produtor de vinho pode ter. Chegou a vez de Adrianna também seguir seu passos.