Imagine a seguinte cena: no meio do expediente irrompe na sala um grupo de mulheres, com corpos esculturais e seios fartos à mostra. Em seu bailado sensual, elas parecem flutuar entre as mesas, provocando homens e mulheres da empresa. Como grand finale, as dançarinas protagonizam um strip-tease das poucas peças restantes (a microssaia, a calcinha e as luvas). Os mais animados têm a chance de passar óleo no corpo das meninas. Ao “funcionário do mês” cabe o privilégio de seguir com uma delas para o motel mais próximo, tudo por conta da casa. Evento semelhante também se repete, diante de um pequeno grupo de funcionários, acomodados em uma sala de reunião, como se vê na foto que ilustra esta reportagem. 

 

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Reunião de incentivo: foto tirada pelo celular durante convenção da Ambev e anexada ao processo

de um funcionário contra a empresa, por prática de assédio moral

 

O roteiro descrito acima, ao contrário de todas as evidências, não se trata do enredo de um apimentado romance. Na verdade, fazia parte da experiência do microempresário paranaense Elcio Milczwski, 34 anos, no período em que ele trabalhou como vendedor na filial da Ambev em Curitiba. Sentindo-se constrangido pela rotina desses eventos, Milczwski foi à Justiça, processando a empresa por assédio moral. No dia 6 de setembro, a dona das marcas Skol, Brahma e Antarctica, maior grupo cervejeiro do País,com um faturamento de R$ 27 bilhões, foi condenada pelo Tribunal Superior do Trabalho a indenizá-lo em R$ 50 mil. “Foi uma época muito difícil para mim no campo profissional e pessoal”, disse Milczwski à DINHEIRO. “Agora, justiça foi feita.” 

 

O desabafo mostra o trauma que essas “festas corporativas” causaram em sua vida. Desde 2010, Milczwski atua como pequeno comerciante em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. A postura da Ambev é resultado da valorização de uma cultura empresarial que estimula a hipercompetitividade, a meritocracia e a busca de bônus para quem atinge metas ambiciosas. Esse estilo de gestão, cujos principais mentores – o trio Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – são considerados exemplos para os novos empresários, muitas vezes é traduzido em exageros. O mais notório caso do gênero é o da gigante de energia americana Enron, que quebrou em 2001, em meio a acusações de fraudes contábeis e um enredo que misturava também sexo e luxúria – garotas de programas surgiam nuas sobre elefantes nas festas da diretoria da companhia. 

 

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Ataque: política agressiva de incentivos para ganhar mercado

 

Aqui no Brasil, em nota, a direção da Ambev alegou que o episódio é um fato isolado. “A companhia, que conta com mais de 32 mil funcionários no Brasil, não tolera práticas indevidas com seus funcionários. Casos antigos e pontuais não refletem o dia a dia da empresa”, diz o texto. No entanto, a adoção de um estilo pouco usual de incentivos acabou fazendo com que a Ambev se transformasse em uma das líderes em casos de assédio moral (leia o quadro ao final da reportagem). Segundo Milczwski, as agruras vividas por ele e seus colegas se repetiram em vários momentos e em diversas filiais da cervejaria pelo País afora. “Tudo era feito à luz do dia”, afirma Milczwski. 

 

“Os diretores da empresa sabiam exatamente o que acontecia.” Segundo ele, além do estímulo sexual, os funcionários que não atingiam as metas eram submetidos a humilhações. Quem, como ele, se recusava a passar óleo nas moças sofria gozação dos colegas, estimulados pelos chefes. Não bastasse isso, eram tachados de homossexuais. A vida era ainda mais dura para quem tinha um desempenho de vendas abaixo dos padrões mínimos. “Um dos vendedores chegou a ser amarrado na cadeira e jogado no pátio da empresa”, afirma Milczwski. “Não contentes, seus superiores despejaram farinha e refrigerante sobre ele, que foi deixado no local até conseguir se soltar.” 

 

Para o advogado Marçal Lima, coordenador da área trabalhista do escritório Crivelli Advogados Associados, esses são casos clássicos de assédio moral. “Nesse caso, as condutas fogem totalmente da razoabilidade das relações sociais”, diz Lima. Milczwski alega ter tentado várias vezes sair da empresa. Envolvido em problemas pessoais – sua mulher havia sofrido dois abortos espontâneos, no período, e ele ainda teve o carro roubado –, não podia se dar ao luxo de largar o emprego. Pediu para ser demitido para receber a indenização e o seguro-desemprego. Teve seus pedidos rechaçados. Sua última cartada, antes de, finalmente, ser demitido, em 2006, foi propor mudanças nos plano de incentivos. “Cheguei a sugerir ao meu diretor que, em vez de gastar com prostitutas, a verba poderia ser convertida em prêmio, como fazem as demais empresas”, diz Milczwski. 

 

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Colaborou: Luciele Velluto