27/02/2015 - 20:00
As filas de caminhões que bloquearam as estradas em 13 Estados, na semana passada, provocaram falta de mercadorias nas cidades a centenas de quilômetros de distância dos centros produtores. Em Santa Catarina, no entanto, as consequências foram sentidas diretamente por empresas como BRF, JBS e Aurora Alimentos. Municípios como Chapecó, Videira e Joaçaba, entre outros, ficaram ilhados. Criadores de aves e suínos não recebiam insumos e não conseguiram enviar os animais para abate. Os frigoríficos, por sua vez, não tinham material para trabalhar e não conseguiam entregar aos clientes os produtos já acabados.
Na quinta-feira 26, dos 23 mil empregados da Aurora, 20 mil estavam parados. Por dia, as 15 plantas deixaram de processar 17 mil suínos, 900 mil frangos e 1,5 milhão de litros de leite. A partir do fim de semana, caso a situação não fosse normalizada, faltaria alimento para os animais. “Eu compreendo as razões do movimento, que é legítimo, mas estão penalizando dois atores econômicos importantes: as cooperativas agropecuárias e as indústrias de alimentos”, diz Mario Lanznaster, presidente da Coopercentral Aurora Alimentos, baseada em Chapecó.
A BRF, que opera 47 plantas em todo o País, teve a produção interrompida em vários momentos. Em Mato Grosso, o protesto prejudicou a colheita da soja, justamente no pico do embarque para os portos. O protesto dos caminhoneiros não poderia ter acontecido em momento pior para o governo. O IPCA-15, prévia da inflação oficial, registrou alta de 1,33% em fevereiro, maior valor desde 2003, e o índice acumulado em 12 meses chega a 7,36%. “Não há dúvida de que faltarão alimentos nas prateleiras”, diz Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
A entidade conseguiu uma liminar garantindo o livre trânsito de veículos a serviço de suas associadas. A autorização judicial, no entanto, não é garantia de que a situação voltaria rapidamente à normalidade. Nem mesmo a reunião convocada às pressas pelo governo na quarta-feira 25 conseguiu que os motoristas, a maioria autônomos e não organizados em sindicatos, desobstruíssem os acessos. Foram oito horas de reunião entre os ministros e líderes de entidades que representam os caminhoneiros e empresas do agronegócio.
O governo prometeu não aumentar o preço do diesel nos próximos seis meses e sancionar, sem vetos, a Lei dos Caminhoneiros, que inclui a isenção de pedágio para veículos que transitam sem carga e aumenta a jornada diária máxima permitida, além de conceder carência de 12 meses nos financiamentos de caminhões. No dia seguinte, as estradas continuavam bloqueadas em seis Estados, apesar das liminares obtidas pela Advocacia-Geral da União (AGU) permitindo a aplicação de multas para motoristas e transportadoras. Mas, mesmo quando forem liberadas, as consequências serão sentidas por semanas e até meses.
“A cadeia da avicultura vai demorar ao menos 90 dias até se ajustar novamente”, diz Heitor José Müller, presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). Uma das reivindicações dos caminhoneiros, a redução imediata do preço do diesel, não foi atendida pelo governo. E não será. A presidente Dilma Rousseff lembrou que o preço do combustível não foi alterado. “Não mexemos (no valor do litro). O que fizemos foi recompor a Cide”, afirmou na quarta-feira 25, referindo-se à volta da cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre combustíveis.
A alta da Cide faz parte de um pacote de aumento de tributos anunciado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para promover o ajuste das contas públicas. Com o aumento dos impostos sobre combustíveis, produtos importados e operações de crédito, a equipe econômica espera arrecadar R$ 20,6 bilhões extras neste ano. Mas, para que o superávit de 1,2% do PIB prometido por Levy seja atingido, ele e o governo não precisarão convencer somente os caminhoneiros. Terão de ganhar o apoio da base aliada no Congresso Nacional para a aprovação das medidas, a começar pelo próprio partido da presidente, o PT.
Na semana passada, os núcleos econômico e político do governo montaram uma pesada agenda de reuniões para tentar convencer parlamentares e sindicalistas da importância dos ajustes. O núcleo econômico, composto por Levy, pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, pelo ministro da Casa civil, Aloizio Mercadante, e pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, começou a semana com um jantar com lideranças do PMDB, no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, Michel Temer. Na ocasião, o ministro da Fazenda explicou que a crise nos países desenvolvidos afetou o Brasil ao derrubar o preço das commodities e reduzir a liquidez do mercado internacional, e que é preciso agir antes que a situação se agrave.
“Sem o ajuste, o País corre o risco de perder ganhos sociais já conquistados e compromete o emprego”, disse aos caciques do principal partido aliado. A combinação das medidas de austeridade com a manutenção das conquistas sociais será o foco da comunicação do governo a partir de agora. Os líderes do PMDB pediram mais diálogo e reclamaram que são chamados apenas para apagar incêndios. “Essa coalizão é capenga porque o PMDB, que é o maior partido do ponto de vista da coalizão, não cumpre o seu papel”, afirmou o presidente do Senado, Renan Calheiros, exigindo publicamente mais espaço no governo.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também fez críticas, mas se mostrou sensível ao risco da perda do grau de investimento nas agências de classificação de risco. “Mais uma vez vamos ajudar o governo, mas esperamos uma nova relação com o Executivo”, disse Cunha no jantar. Nos dias seguintes, o grupo se encontrou com o PSD e com o PP, partidos com bancadas menores, mas essenciais para a aprovação de medidas de interesse do governo no Congresso. “O PSD saiu absolutamente convencido da importância do ajuste”, disse o líder do partido na Câmara, Rogério Rosso (PSD-DF).
REBAIXAMENTO A certeza de que um cenário ruim sempre pode piorar veio na mesma noite, com o rebaixamento da nota da Petrobras na agência de classificação de risco Moody’s. A mudança, para grau especulativo, derrubou os papeis da estatal em quase 5% no dia seguinte, com perda de R$ 6 bilhões no valor de mercado. A presidente Dilma reagiu. “É uma falta de conhecimento do que está acontecendo na Petrobras”, afirmou. Se isso aconteceu mesmo, não foi por falta de empenho do ministro da Fazenda.
Nas últimas semanas, Levy vinha se comunicando com frequência com os analistas da agência de risco – inclusive com reunião em Nova York –, esforçando-se para que ela não rebaixasse a nota da estatal, temendo um efeito em cascata das demais agências. Embora tenha sido derrotado nesse episódio, o ministro não tem tempo para lamentações. A prioridade é evitar o rebaixamento do risco soberano da dívida brasileira. Sem o grau de investimento, o País perde recursos de investidores institucionais, como fundos de pensão, impedidos de colocar dinheiro em papéis de risco, e paga mais caro por captações no exterior.
Por isso, é tão importante mostrar que o governo está se esforçando para colocar a casa em ordem. Para o economista- sênior do Banco Espírito Santo, Flávio Serrano, a mudança no rating da Petrobras reforça as projeções de um PIB negativo neste ano. “Diretamente, a Petrobras representa 10% do investimento anual no País, mas existem ainda os impactos indiretos em toda a cadeia de óleo e gás”, diz Serrano. Dependente do Congresso para aprovar grandes cortes de gastos e aumento de receita, o Executivo tem autonomia para realizar pequenos ajustes.
Um deles foi feito na quinta-feira 26, com o corte de R$ 57,5 bilhões na proposta orçamentária, o equivalente a 20,3% das despesas não obrigatórias. A surpresa foi que o bloqueio, pela primeira vez, atingiu obras do PAC, até então consideradas intocáveis, que tiveram uma queda de 23,7% nos gastos autorizados até abril, em relação ao mesmo período do ano passado. Na sexta-feira 27, o governo elevou as alíquotas previstas nas desonerações da folha de pagamentos de 56 setores. Quem antes pagava 1% sobre o faturamento terá de arcar com um custo de 2% a partir de junho. Já a alíquota de 2% para outros setores será elevada para 4,5%.
Na prática, o governo reduz os subsídios – a renúncia fiscal da desoneração foi estimada em R$ 20 bilhões – e engorda os cofres públicos. Analistas acreditam que o governo conseguirá aprovar as medidas do seu interesse, mas terá de pagar um preço. “Diante da fragilidade política do governo, o custo da negociação do ajuste no Congresso será alto”, diz André Sacconato, diretor da Brasil Investimentos e Negócios (Brain). “O problema é que nem mesmo o PT defende de maneira convincente o ajuste”, afirma Cristiano Noronha, sócio da consultoria Arko Advice. Uma mostra do constrangimento na base de sustentação do governo foi exibida na posse da presidente da Caixa, Miriam Belchior, na segunda-feira 23.
Funcionários portavam cartazes contra uma eventual abertura de capital, hipótese levantada no ano passado por Dilma, e faziam críticas ao ajuste fiscal. No Rio de Janeiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou de um ato em favor da Petrobras, em que não faltaram confrontos entre manifestantes contra e a favor do PT. Já as centrais sindicais pressionam os parlamentares a derrubar os cortes de benefícios trabalhistas. Levy, uma voz quase isolada dentro do governo, precisa de mais apoio para suportar a carga pesada contra a equipe econômica. Se sucumbir à pressão, as agências de classificação de risco estão prontas para entrar em ação.
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Entre o capital e a Capital
O empresariado confia no ministro da Fazenda. Mas há o governo, o Congresso…
Por Luís Artur NOGUEIRA
Cerca de 400 representantes de multinacionais europeias com negócios no Brasil acordaram cedo, na segunda-feira 23, para um café da manhã corporativo, em São Paulo. Às oito da manhã, a plateia já aguardava, sob enorme expectativa, a fala do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que havia retornado de um road show em Washington e Nova York, dias antes. Os slides da apresentação eram exatamente os mesmos exibidos nos EUA – algumas lâminas ainda traziam trechos em inglês. A mensagem central, com foco no resgate da confiança empresarial, também.
“A diferença é que nós, ao contrário deles (investidores americanos), conhecemos de perto as barreiras que o Congresso Nacional pode erguer”, disse um executivo com sotaque francês. As barreiras a que se refere o executivo são as dificuldades que os parlamentares, inclusive da ala governista, estão criando para aprovar as medidas fiscais. Nas palavras de Levy, o ajuste das contas públicas e a simplificação dos impostos são a base da retomada do crescimento econômico. Os empresários concordam e aplaudem. Na sua apresentação, o ministro ressalta que recolocar a economia nos trilhos exige sacrifícios de toda a sociedade.
Os empresários novamente concordam e apoiam. Mas, ao término do evento, após mais de uma hora de muita saliva gasta pelo ministro, o sentimento predominante ainda era de desconfiança. Não exatamente em relação ao carioca Levy, mas à sua capacidade de remar sozinho contra a maré – por maré, entenda-se o fogo amigo do PT, do PMDB, das centrais sindicais e de outros colegas da Esplanada dos Ministérios. Anfitrião do evento, o presidente da Câmara de Comércio França-Brasil, Louis Bazire, ficou tête-à-tête com o ministro e afirmou: “Confiamos no seu plano”.
O diretor de relações institucionais da L’Oréal, Patrick Sabatier, avalia que o “novo ministro da Fazenda tem o perfil que o Brasil precisava, mas ainda há muitas perguntas sem respostas”. Dentre as dúvidas estão se o ajuste será rápido ou demorado e se haverá interferência política na equipe econômica. Para o presidente da rede de hotéis Accor nas Américas, Roland de Bonadona, o foco do setor privado é no longo prazo, mas o risco é de que o jogo de interesses na base aliada inviabilize o ajuste. “Neste momento, várias medidas dependem do Congresso, que tem um papel de não atrasar as coisas”, afirma Bonadona. Ou como resumiu outro executivo: “No Levy, a gente confia. O duro é o restante do governo…”