04/07/2014 - 20:00
De um modo pitoresco, o chinês Lei Jun, fundador da fabricante de equipamentos eletrônicos Xiaomi (pronuncia-se chaomi), baseada em Pequim, causou sensação no Ocidente, há dois anos, ao copiar na cara dura o estilo de Steve Jobs, o fundador da Apple. Em suas apresentações, Lei mostrava os smartphones de sua companhia, vestindo calça jeans e camiseta negra – peças clássicas do guarda-roupa de Jobs. Recentemente, no entanto, Lei passou a buscar uma personalidade própria para si e para seu negócio, procurando distanciar-se de seu inspirador.
“A Apple não se importa com o que os usuários querem”, disse à emissora americana CNN, no final do ano passado. E emendou: “Eles imaginam o que o consumidor quer”, disse, referindo-se à máxima de Jobs, que desprezava pesquisas de mercado e afirmava que as pessoas precisam de alguém que lhes mostre o que deveriam desejar. Segundo Lei, sua empresa é bem diferente. “Nosso negócio é dar aos clientes exatamente o que querem, pelo preço que buscam”, afirmou.
Perder os cacoetes e hábitos do que ficara conhecida como a “Apple da China” é estratégico para a Xiaomi, que ensaia os primeiros passos de sua internacionalização e precisa encontrar uma identidade própria para conquistar clientes fora de sua terra natal. Não faltam motivos ao empresário de 44 anos para se sentir confiante nessa nova fase da companhia. Fundada em 2010, a empresa diz ter faturado US$ 5,2 bilhões, com 18,7 milhões de unidades vendidas de seus produtos no ano passado.
Em março, desbancou a própria Apple na China, ao alcançar uma fatia de 10% de mercado em smartphones, contra 9% da americana. O portfólio da companhia é constituído de smartphones com sistema Android (do Google), tevês, set-top boxes (aparelhos que trazem recursos avançados a televisores) e acessórios. Em comum, as diferentes linhas da Xiaomi têm a prática de uma política de preços baixos, em média a metade dos cobrados pela coreana Samsung.
Para crescer tanto, em tão pouco tempo, a Xiaomi contou com dinheiro da fabricante americana de processadores para celulares Qualcomm, do fundo de investimento do governo de Cingapura Temasek e dos fundos de venture capital IDG Capital e Qiming. Os esforços contaram com a bênção de outro guru das empresas de tecnologia: não por acaso, Steve Wozniak, o parceiro de Jobs na fundação da Apple. Em janeiro, Wozniak viajou para a China, a convite de Lei, e avalizou seus produtos.
“A Xiaomi tem condições de entrar no mercado americano”, disse. Ao mesmo tempo que procura obter o endosso de gente como Wozniak, a empresa dá especial atenção aos seus clientes. Todos os anos, em abril, mês de aniversário de sua fundação, é organizado o Xiaomi Fan Festival, realizado na capital chinesa, oportunidade em que são lançados seus principais produtos. Neste ano, ocorreu também uma liquidação ao melhor estilo Black Friday nas 18 lojas próprias espalhadas pela China. “Queremos satisfazer nossos fãs”, disse a diretora de marketing da empresa, Amanda Chen, ao site The Next Web.
A estratégia deu certo: em apenas 12 horas foi contabilizada a venda de 1,3 milhão de aparelhos, o que gerou receita estimada de US$ 242 milhões. Há também uma forte movimentação nas redes sociais dos “Mi Fen”, como são chamados os seguidores da marca. No Facebook, há grupos de discussão, até mesmo de brasileiros, que trocam informações sobre importadores e lojas que revendem os produtos da marca. Até aqui, tem sido complicado para os fãs do Brasil adquirirem os produtos da Xiaomi – são poucas as lojas especializadas que comercializam seus aparelhos.
No entanto, essa situação deve mudar. No ano passado, a Xiaomi recrutou o mineiro Hugo Barra, que comandava a divisão Android do Google, nos Estados Unidos. Barra é o único dos sete vice-presidentes que não é chinês, e sua missão é coordenar a expansão da marca no Exterior. E parte dos planos de Barra é trazer a marca para sua terra natal. Em seu perfil na rede social Google+, ele postou fotos na residência oficial do embaixador do Brasil em Pequim, Valdemar Carneiro Leão, com o então governador de Minas Gerais Antônio Anastasia (PSDB).
Segundo Barra, foi mencionada a possibilidade de “levar a Xiaomi à América Latina, começando pelo Brasil”. No entanto, Barra disse não ter planos concretos ainda. Ele também preferiu não conceder entrevista à DINHEIRO, alegando que só falará quando tiver uma ideia mais clara sobre o prazo de lançamento dos produtos no País. Enquanto isso, Barra conduz a empresa a outros mercados.
No mês passado, a Xiaomi deu seu primeiro passo fora da China com o lançamento de seu site para a Índia, nomeando como gerente-geral um peso-pesado do setor, Manu Kumar Jain, cofundador do e-commerce de moda Jabong.com. Em vez de ter sua própria loja virtual, como faz na China, a Xiaomi optou por fazer uma aliança com a Flipkart, a Amazon indiana. Um acordo similar foi feito com a Motorola, marca de smartphones que hoje pertence à chinesa Lenovo. A Xiaomi achou o caminho das Índias e, agora, se prepara para conquistar o mundo.
Made in China com orgulho
Huawei, ZTE, Lenovo, Xiaomi são algumas das empresas que estão acabando com o estigma de carregação dos produtos chineses. Em comum está o fato de todas se aproveitarem da população de 1,35 bilhão de habitantes do país para ganhar escala e já chegar a outros mercados com táticas agressivas. Prova de que a China tem café no bule no mercado digital é a compra da Motorola pela Lenovo, por US$ 2,9 bilhões, no começo deste ano.
Mas nem tudo o que vem da China tem como base a manufatura. O IPO de tecnologia mais aguardado do ano é o da plataforma de e-commerce Alibaba. Muitas vezes descrito como a Amazon chinesa, a Alibaba é, na verdade, um grande intermediador: ao contrário da companhia fundada por Jeff Bezos, ela não mantém estoques dos produtos vendidos. A oferta inicial, prevista para acontecer na Bolsa de Nova York, nas próximas semanas, pode ser a maior da história, ultrapassando US$ 20 bilhões.