06/04/2023 - 2:20
Compre ao som de canhões e venda ao som de trombetas” teria dito o banqueiro londrino Nathan Rothschild em 1810, na época das guerras napoleônicas na Europa. A frase serve bem ao momento atual, pois o investidor pode estar no dilema entre oportunidades em ações ao som de canhões ou se agarrar na segurança da renda fixa carregada de títulos públicos federais com os juros elevados ao som de violinos.
Com a apresentação do arcabouço fiscal, o dólar fechou o mês de março com baixa de 3%, a R$ 5,069 no mercado à vista, e as taxas de juros no mercado futuro foram reduzidas em todos os vencimentos em até 0,80 ponto porcentual. Na avaliação da economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, a reação do mercado ao arcabouço foi positiva. “Apesar de as projeções do governo deixarem dúvidas sobre sua capacidade de execução, principalmente pelo lado da recomposição de receita, a leitura inicial sobre a proposta é positiva”, disse. Para ela, a melhora mais robusta nas expectativas, inclusive para a inflação, e os próximos passos da política monetária, dependerão da aprovação e da entrega efetiva nos resultados fiscais ao longo de 2023 e na peça orçamentária para 2024.
Em relatório, a equipe de renda fixa da XP, formada pelas analistas Camilla Dolle, Mayara Rodrigues e Natalia Moura, observou que a queda nas taxas de juros futuro ocorreram nos vencimentos mais longos, mas o curto prazo ainda segue nas alturas. “A demanda de estrangeiros e uma pressão menor do cenário externo contribuíram para o recuo das taxas longas”, afirmaram as analistas. Detalhe: lá fora, os juros continuam subindo. O rendimento dos títulos do tesouro americano (Treasuries) de dois anos passaram de 3,76% para 4,06% na sexta-feira (31). As taxas dos Treasuries de dez anos aumentaram de 3,38% ao ano para 3,48% ao ano. E o que isso representa para a decisão de investir nesse momento? Para o estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, os juros no Brasil continuam a garantir ganhos na renda fixa. “A maior parte dos investidores de varejo que não tinham perfil para mais risco já saíram da Bolsa para a renda fixa, que está pagando um bom rendimento”, afirmou. Mas após a sinalização de que o País terá algum tipo de controle das contas públicas com o novo arcabouço fiscal, Cruz aponta outro caminho além dos juros pós-fixados. “O investidor está em DI+, e daqui para frente, IPCA+ passa ser mais interessante, a depender do horizonte para investimento”, disse. Em outras palavras, aplicações em CDBs DI e Tesouro Selic continuam válidas para o curto prazo, mas para quem tiver mais tempo, títulos como o Tesouro IPCA+ passam a apontar melhores ganhos para o futuro, e atualmente esses papéis prometem a inflação mais juros acima de 6% ao ano, em todos os vencimentos.
REVIRAVOLTA Entre os riscos para o cenário adiante está um possível contágio da mais recente alta dos preços internacionais do petróleo na inflação brasileira. No domingo (2), a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+) — incluindo a Rússia, em guerra com a Ucrânia — cortou a produção em 1,1 milhão de barris por dia, medida que resultou numa disparada de 6% das cotações do Brent, o barril extraído no Mar do Norte, referência global. Em relatório, o estrategista da Ágora Investimentos, José Francisco Cataldo Ferreira, considerou que a alta da commodity reacendeu as preocupações com a inflação. No fechamento do mercado na segunda-feira (3), as ações da Petrobras figuraram entre as principais altas do Ibovespa, com valorizações de 4,76% (PN) e de 4,43% (ON). A ação da petrolífera Prio também evoluiu 3,88% no mesmo pregão.
Gustavo Cruz, da RB, observou que na ponta contrária, as ações das aéreas Azul (-4,16%) e Gol (-3,89%) desabaram, assim como as da CVC Turismo (-4,18%), por causa da possibilidade de maiores custos nas viagens aéreas. Diante do temor de mais inflação, papéis de varejo como Renner (-7%) e Grupo Soma (-5,80%) também foram fortemente impactadas.
Na avaliação do economista Matheus Pizzani, da CM Capital, o risco maior é o aumento do petróleo alcançar a cadeia de bens industriais de eletrodomésticos e de veículos por causa de insumos como o plástico. “Com essa decisão da Opep+, volta a ter pressão dos preços de energia no mundo todo e a manutenção dos juros elevados por mais tempo”, afirmou. Em resumo, os canhões da guerra na Ucrânia ainda provocam efeitos no mercado global, sem a paz ao som de violinos.