15/01/2016 - 20:00
Não é preciso gostar de suas músicas para conhecê-lo. Assim como também não é difícil entender porque o britânico David Bowie era considerado o camaleão do rock. Sua paixão pelo novo e o anseio por mudanças o tornaram ícone no mundo pop, com parcerias e episódios que marcaram diferentes décadas. Dono de clássicos como Space Oddity, Heroes e The Man Who Sold the World, Bowie, no entanto, não foi apenas referência no mundo artístico. Sua veia criativa também o consagrou como grande empreendedor, fazendo com que uma de suas grandes paixões, a música, tivesse diferentes maneiras de ser monetizada e ser somada à sua renda.
Vítima de câncer aos 69 anos, o camaleão do rock, que deixou o mundo menos colorido no domingo 10, é considerado um dos principais exemplos no mercado financeiro quando o assunto é títulos atrelados a direitos autorais. Isso porque, em 1997, Bowie emitiu títulos na Bolsa de Nova York lastreados no pagamento de royalties de algumas de suas músicas de mais sucesso, como a própria Space Oddity. Chamado de Bowie Bonds, o negócio, na época, foi estimado em US$ 55 milhões, algo como US$ 80 milhões em valores atuais.
A sacada de Bowie foi vista como pioneira no mercado financeiro, abrindo caminho para que outros artistas, como James Brown, Rod Stewart e o também homem de negócios, Bruce Dickinson, vocalista da banda de heavy metal Iron Maiden, seguissem o mesmo caminho. Para Carlos Augusto Lopes, especialista no mercado financeiro e sócio da consultora Uqbar, a operação foi inovadora não apenas por ter sido a primeira envolvendo direitos de propriedade intelectual, mas por ter influenciado todo o sistema.
Atualmente, produtoras de cinema, franquias de restaurantes e até mesmo clubes de futebol utilizam os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). “No Brasil, por exemplo, isso passou a ser usado por times de futebol para assegurar os direitos sobre os jogadores e até das patentes de transmissões de partidas.” Segundo levantamento da Uqbar, desde 2011, o FIDC já emitiu R$ 309,4 milhões em cotas relacionadas ao mercado de futebol no Brasil, lastreados em direitos de transmissão de imagens.
Atraente aos olhares dos investidores institucionais, os Bowie Bonds foram vendidos de maneira privada à gigante americana do mercado de seguros Prudential Insurance e tiveram seus papéis classificados como “A3” pela agência de ratings Moody’s, a sétima maior nota dentro da escala de risco de crédito. Nos anos 2000, no entanto, com a ascensão da internet e a multiplicação da pirataria, os títulos passaram a perder valor e tiveram sua nota rebaixada para Baa3 pela agência, um degrau acima dos papéis considerados de alto risco.
“O mais interessante nessa história é ver como o mercado amadureceu e evoluiu”, diz Lopes. O mercado financeiro, porém, não foi a única sacada do empreendedor Bowie. Atento às mudanças da sociedade, o artista fez da internet sua aliada e incorporou seus sucessos na rede, antes mesmo de seu boom. Em meados de 1998, lançou o BowieNet, uma das primeiras redes sociais dedicadas aos fãs de sua música. No ar até 2006, o camaleão compartilhava canções e permitia a interação de seus fãs.
Além disso, foi o primeiro músico a disponibilizar um álbum online, antes mesmo do lançamento físico. “O gerenciamento da carreira dele é um grande exemplo para qualquer um que atue no mercado, seja o financeiro ou o musical”, diz Leo Feijó, coordenador do curso Música e Negócio da PUC-RJ. “Ele mostrou a importância de compreender a estrutura de negócios para ter sucesso no mundo musical.” Agora, como cita uma de suas músicas mais famosas, a Starman, “há um homem estrelar esperando no céu”.