Entre os empréstimos liberados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômica e Social (BNDES), entre 1º de junho e a primeira quinzena de outubro de 2016, uma pequena e desconhecida empresa de jogos eletrônicos, que recentemente alcançou faturamento anual de R$ 10 milhões, divide a lista com gigantes como a montadora de caminhões MAN e a Fibria Celulose. A Aquiris Game Studio recebeu R$ 1,5 milhão de um total de R$ 6,9 bilhões em créditos concedidos pelo banco, que reduziu os financiamentos em 47,7% sobre o mesmo período do ano anterior.

Criada em Porto Alegre há 10 anos, a companhia faz parte de uma indústria nova e promissora, que vai ultrapassar os US$ 100 bilhões em faturamento global em 2017, segundo a Newzoo, consultoria especializada nesse mercado. No Brasil, a Aquiris é uma das maiores desenvolvedoras de jogos. Tem parceria, por exemplo, com o canal Cartoon Network, que pertence à americana Turner, para produzir games com os personagens da TV. Seu jogo de maior sucesso, o Horizon Chase, fez uma releitura no desenho de gráficos simples e atraiu a atenção dos aficionados.

Nos próximos meses, ele estará disponível, além da versão mobile, em PC e console, como Playstation e Xbox. A expectativa é alcançar o mesmo sucesso com o lançamento de Ballistic Overkill, programado para este primeiro trimestre. “Hoje, um bom produto não é desenvolvido em menos de 12 meses”, diz o empreendedor Sandro Manfredini, que fundou a Aquiris com cinco sócios. “O crédito do BNDES não é só para um projeto, mas para a expansão do nosso plano de negócios.” O apoio a esta pequena companhia nacional é um exemplo das mudanças que aconteceram no BNDES desde 1º de junho de 2016, quando Maria Silvia Bastos Marques assumiu a presidência.

Nos 10 anos de gestão de Luciano Coutinho, nos governos Lula e Dilma, a instituição de fomento ficou marcada por priorizar as grandes empresas e os chamados “campeões nacionais”, supostos símbolos da grandeza do Brasil no cenário internacional. Sob esse conceito de desenvolvimentismo, houve subsídios a multinacionais e socorro a corporações em dificuldades, como Sadia e Aracruz. Essa política, que deu certo com a JBS e a BRF, por exemplo, foi um fracasso em casos como a OGX, de Eike Batista. Agora, o objetivo de Maria Silvia é ter vários campeões, independentemente do setor.

Se antes valia o tamanho do grupo, o que passou a ser analisado é o projeto, que necessariamente precisa ser competitivo e melhore a produtividade. Tamanho não é mais documento. “O BNDES que estamos construindo é o que faz incentivos horizontais”, diz ela, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. “As micro, pequenas e médias empresas sempre foram foco do banco, mas agora eu diria que se tornaram a grande prioridade em razão do tamanho da crise que estamos vivendo” (leia a entrevista no link ao final da reportagem).

Voltar às atenções para os emprendedores de menor porte é uma forma de olhar para o futuro sem esquecer o presente. Em alguns anos, um negócio com faturamento de alguns poucos milhões de reais pode se transformar num gigante que vai gerar dezenas de empregos. “Criar programas de inovação para pequenas e médias empresas com recursos públicos faz todo o sentido”, afirma Antônio Bernardo, presidente da consultoria Roland Berger Brasil. “O futuro do emprego está nas empresas de média dimensão e o BNDES está com essa estratégia.”

Por isso, Maria Silvia dedicou uma boa parte de seu tempo olhando alternativas para esse segmento da economia. Para elas existirem amanhã, precisam sobreviver a esse cenário brasileiro adverso. A equipe do BNDES tratou de repaginar o Progeren, uma linha de financiamento de capital de giro. Antes concedido apenas a negócios com faturamento até R$ 90 milhões, o Progeren passou a atender empresas com receita de até R$ 300 milhões, ampliando o público atendido. Os juros, que antes eram de mercado, passaram a ser cobrados pela TJLP, que hoje está em 7,5% ao ano.

Entre agosto e dezembro, as consultas triplicaram e a expectativa é que 1,5 mil empresas tenham acesso a essa linha, até o final de 2017. “Na atual situação, é muito importante dar fôlego para elas passarem esse momento de dificuldade financeira”, diz Claudio Coutinho, diretor de crédito do BNDES e ex-sócio do Banco CR2. A principal preocupação nesses primeiros meses de nova gestão do banco de fomento é evitar que empresas desapareçam. Um dado assustador da Serasa Experian ajuda a entender o problema.

No ano passado, um total de 5,9 mil empresas tiveram sua falência ou recuperação judicial requerida ou decretada. É o maior número de toda a série histórica, que teve início em 2005. Maria Silvia tenta minimizar esse efeito devastador com a criação do Programa de Revitalização de Ativos. A ideia é financiar companhias com sólida posição financeira a comprarem outras que estejam em recuperação judicial ou em falência. O critério não é se tornar um hospital corporativo, mas ter garantias de que quem adquirir vai recolocar o negócio para funcionar.

“O financiamento obriga a manter esse ativo operacional”, diz a presidente do BNDES, que concedeu um prazo de 10 anos e disponibilizou R$ 5 bilhões para essa linha de crédito, que tem validade até o final deste ano. O trabalho de Maria Silvia não se restringe a uma só frente. Há uma série de estudos em análise para serem colocados em prática nos próximos meses. Ainda neste primeiro semestre, o BNDES vai mostrar seu plano de ação para a indústria. Até o meio do ano, será anunciado um novo processo de credenciamento às empresas nacionais para participar do Finame, o financiamento de equipamentos industriais que exige uma porcentagem de conteúdo produzido no País.

Sem falar nos apoios aos programas de infraestrutura, como a privatização de aeroportos e de quase 20 companhias de saneamento público. Enquanto isso, Maria Silvia tem buscado mudar a cabeça dos 40 chefes de departamento e dos quase 2,9 mil funcionários sobre o papel do banco num mundo mais tecnológico e digital. Uma das principais mudanças é encontrar garantias em empresas ligadas à nova economia, onde os ativos são intangíveis (a Aquiris é um exemplo). Isso é algo inédito na história do banco, que sempre exigiu a contrapartida de ativos reais para liberar crédito.

Ao longo desses meses, a executiva sentiu muita falta de mecanismos de medição de resultados dos projetos nos quais o banco tem participação. Uma de suas determinações foi a criação do “Quadro de Resultados”, uma métrica que vai permitir avaliar os impactos dos investimentos. Ele servirá tanto como uma prestação de contas à sociedade e aos órgãos de controle do uso do dinheiro público como uma maneira de o BNDES ter um conjunto de informações que permita saber se os objetivos foram cumpridos.

“O BNDES tem se preparado, com inteligência, para fazer a gestão da crise econômica simultaneamente às transformações profundas na economia mundial, que passa por uma transição acelerada”, afirma o economista Sérgio Besserman, que presidiu o banco de 1999 a 2003. Com R$ 71,4 bilhões aplicados em empresas, o BNDES é o maior investidor institucional do Brasil e promete ser mais ativo em 2017. A ideia é focar mais na gestão das companhias, praticando o ativismo nos conselhos de administração e atraindo investidores privados para os negócios.

Os conselheiros do BNDES nas empresas, antes escolhidos entre aposentados e funcionários ativos, estão sendo pinçados no mercado, conforme suas qualificações. O banco passou a disponibilizar, desde o final do ano passado, informações completas de sua carteira de investimentos de renda variável, a partir de 2007. São mais de 400 operações que podem ser encontradas no site, na internet. “Nosso objetivo é que os investimentos gerem resultado, pois fazem parte do nosso portfólio”, diz Eliane Lustosa, diretora de mercado de capitais do BNDES. “Mas faremos o que pudermos para melhorar a governança corporativa das empresas. Nesse sentido, vamos trabalhar com os nossos conselheiros.”

O único tema que incomoda Maria Silvia é o tamanho ideal do BNDES. Com R$ 935,2 bilhões em ativos, ele passou a ser questionado, nos últimos anos, se não tinha ficado grande demais. A crítica principal foram repasses de R$ 500 bilhões, entre 2008 e 2014, de recursos do Tesouro Nacional para o banco de fomento. “A história mostrou que esse recurso que o BNDES recebeu não levou a um aumento da taxa de investimento”, afirma Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse no Brasil (leia mais aqui). “Ao contrário, a taxa de investimento diminuiu”. Em 2015, o Ministério Público Federal considerou essas transações irregulares.

Em novembro do ano passado, o Tribunal de Contas da União julgou legal a devolução de R$ 100 bilhões ao governo federal, operação que foi concluída pelo BNDES em dezembro. “Realmente, não acho que seja uma variável importante de olhar. O banco teve durante um período esses recursos do Tesouro, que são totalmente extraordinários”, diz ela. “A fonte de financiamento do BNDES é o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] e o mercado, onde ele sempre captou. Os R$ 500 bilhões que vieram para o banco não foram para alavancar, mas para emprestar para programas de governo.” É difícil mudar tudo em tão pouco tempo, mas com calma Maria Silvia tem conseguido dar uma nova cara ao banco.

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