19/09/2014 - 20:00
Certa vez, um cliente brasileiro de altíssima renda ligou para o seu gestor de private bank para que ele providenciasse um carro-forte para transportar R$ 300 mil de um banco para outro. Outro profissional recebeu um telefonema de um milionário que solicitava um cartão de crédito para o filho que estava velejando – em local desconhecido – no Oceano Índico. Esses exemplos revelam como as exigências dos clientes que têm mais de R$ 1 milhão para aplicar vão muito além da consultoria de investimentos.
O problema é que, nos últimos meses, enviar um cartão para um navegador errante tem sido mais fácil do que ganhar dinheiro com os investimentos dos super-ricos. O cenário foi bastante adverso no primeiro semestre. O patrimônio total administrado atingiu R$ 608 bilhões, crescimento de 5,3% ante dezembro de 2013. “A atividade econômica no País está fraca e isso tem reflexo no estoque da indústria”, diz Flávio Souza, diretor do Itaú Private Bank. Para os “private bankers”, além de o dinheiro estar crescendo mais devagar, os lucros auferidos com sua administração caíram.
Segundo uma pesquisa do Boston Consulting Group, a média mundial de retorno por ativos – ou seja, o quanto o banqueiro ganha para administrar os bilhões dos clientes, indicador mundial de desempenho nessa indústria – foi de 74 pontos-base (centésimos de ponto percentual) ao ano em 2013. No Brasil, o retorno foi de 58 pontos-base, oscilando ao redor de 94 na Europa e nos Estados Unidos. Outra dificuldade é que dois dos principais vetores de crescimento do mercado – fusões e aquisições e aberturas de capital – vêm apresentando um desempenho fraco neste ano.
A bolsa não registrou nenhum IPO, e o número de fusões e aquisições não cresceu: foram 461 em 2014, ante 463 em 2013. Com isso, não foram criados os chamados “eventos de liquidez” que são essenciais para a geração de riqueza. O resultado desse cenário é que o número de clientes cresceu apenas 1,7% no primeiro semestre. “A disputa está mais acirrada”, afirma Maria Eugênia Lopes, diretora de private banking do Santander. “A saída tem sido encontrar clientes do banco que são atendidos pelo varejo, mas com potencial para ser assessorados pelo private.”
A expectativa é que haja uma pequena recuperação dos ativos sob gestão no segundo semestre e que 2014 encerre com uma alta de 10% a 12%, o que deve acirrar a disputa por esse bolo. Hoje, os dez maiores bancos do País representam 90% do mercado e suas estratégias de crescimento variam. O Itaú vem investindo na capacitação de seus executivos e em tecnologia, sem contratações, ao passo que o HSBC aposta em trazer profissionais de outras áreas. “A tendência é que os clientes invistam no exterior”, afirma Gabriel Porzecanski, diretor de private banking do HSBC. “Temos que dar suporte a essa estratégia.” Há razões para o interesse dos bancos. As áreas de gestão de fortunas atraem empresários e executivos, os clientes com a maior renda e a menor inadimplência.
Não por acaso, há vários candidatos a disputar uma fatia desse mercado. É o caso da gestora independente carioca Rio Bravo, que acaba de criar um serviço especializado de acompanhamento e assessoria de investimentos, chamado Portfólios Rio Bravo. “Entendemos que desempenho é importante e há clientes desgastados com os gestores tradicionais”, afirma Julio Ortiz, diretor de atendimento a pessoas físicas. “A nossa expectativa é ter dois mil clientes”, afirma Eduardo Levy, gestor da empresa. Outra interessada é a italiana Azimut, que chegou ao Brasil há exatamente um ano. Com R$ 80 bilhões sob gestão no mundo, a porta de entrada do grupo foi uma parceria com a gestora carioca Legan e com a consultoria baiana Futura Invest.
Agora, a ideia é contratar de 30 a 35 gestores que tenham, cada um, uma carteira de clientes entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões. Com isso, em um prazo de um ano, a AZ Futura Invest pretende alcançar um patrimônio sob administração de R$ 10 bilhões. “Também podemos fazer joint ventures ou aquisições de empresas”, diz Giuseppe Perrucci, chairman da holding AZ Brasil, acrescentando que o grupo Azimut possui € 500 milhões em caixa, na Itália, à espera de novos investimentos. “Queremos liderar a descentralização dos privates dos bancos brasileiros. Fizemos isso na Itália e vamos repetir isso no Brasil”, diz.