22/04/2015 - 18:00
Quase 20 anos após o início de suas operações, a Partner, fabricante de itens de borracha para a indústria automotiva, baseada em Contagem (MG), alcançou, em 2011, a marca de 100 funcionários, o maior contingente de empregados de sua história, impulsionada por uma sequência de crescimentos anuais de dois dígitos nas vendas de veículos. Neste ano, os atuais 60 empregados são mais do que suficiente para atender à fraca demanda de pedidos. “Reduzimos ao máximo, mas em algumas áreas não dá para mexer”, diz Élcio Fortunato do Carmo, fundador da companhia.
O empresário espera colher frutos da estratégia de diversificação de setores, iniciada nos últimos anos, para não terminar como cinco de seus concorrentes, que tiveram de fechar as portas. Resultados tímidos nas vendas e a falta de perspectivas de curto prazo têm forçado montadoras a interromper a produção e a dispensar funcionários, embora algumas, como a Fiat e a Chery, estejam inaugurando fábricas para crescer na recuperação (leia reportagem aqui). Hoje, a crise se intensifica ao longo da cadeia produtiva, onde, em geral, há menos estrutura para suportar a baixa.
Fornecedores e concessionários vivem uma paralisia comparável à provocada pela Operação Lava Jato no setor de óleo e gás e nas construtoras, engrossando a lista de falências e recuperações judiciais do País. “As montadoras param por meses e aguentam, nós não”, afirma Carmo. “A maior parte das empresas do meu porte não vai suportar.” Paralelamente à redução das encomendas em carteira, o crédito se retraiu para as autopeças. Em alguns bancos, a avaliação de risco desse grupo é tão negativa quanto o das empreiteiras e de fornecedores da cadeia de petróleo, que sofrem as consequências do escândalo de corrupção da Petrobras.
Muitas empresas da indústria automotiva já vinham amargando margens apertadas e endividamento elevado pela combinação da alta nos custos e da maior disputa com importados nos últimos anos. Sem acesso a financiamento, o caixa acaba sendo insuficiente para resistir a quedas como as de 17% nas vendas de veículos no trimestre. Em seu plano de recuperação judicial, a Sifco, de Jundiaí (SP), fabricante de usinados e de rodas de ligas leves, relata o uso das alternativas mais caras em busca de recursos, como as factorings. O pedido é justificado pela queda no volume, o aumento de custos de produção (matéria prima, energia e mão de obra), combinados ao avanço das dívidas financeira e fiscal.
“A estrutura de capital se tornou insustentável”, afirma o relatório. A dívida acumulada soma R$ 655,6 milhões. Já a Proema Automotiva, de São Bernardo do Campo (SP), afirma, em seu pedido de recuperação judicial, a dificuldade de repassar pressões de custo para os clientes, destacando que a crise do indústria automotiva levou as empresas a “situações falimentares”. O Sindicato Nacional da Indústria de Componentes de Veículos Automotores (Sindipeças) conta ao menos outros 48 casos semelhantes, entre pedidos de recuperação judicial, falências ou o simples encerramento das atividades.
A conta deve aumentar nos próximos meses. O setor espera para 2015 o pior resultado em dez anos, com investimentos e ocupação regressando ao menor nível desde 2003, uma perda total de 52 mil postos de trabalho (leia quadro na pág. 40) desde 2011 e mais que o dobro das dispensas efetuadas pelas montadoras desde o pico mais recente. A trajetória de alta do dólar dá esperança para o médio prazo, por deflagrar a retomada das exportações e melhorar a capacidade de competição com os importados. O problema é que muitas companhias não terão fôlego para resistir à pressão até a recuperação do mercado, esperada apenas para 2017. “Os fornecedores vão ter de reduzir o número de fábricas e se adaptar”, afirma João Pimentel, diretor de compras da Ford.
“Menos empresas vão conseguir superar esta fase.” A exemplo de seus concorrentes locais, fornecedores multinacionais da indústria automotiva também sofrem e adotam medidas para se adaptar ao novo cenário. A fabricante de pneus italiana Pirelli negocia a suspensão de 1.500 funcionários no Brasil e a britânica Delphi fechou uma unidade em Minas Gerais. Na Bosch, além das mudanças na carteira de produtos e as readequações no quadro de funcionários, foi necessário montar um plano de contingência para identificar com antecedência as dificuldades de fornecedores no degrau de baixo da cadeia, uma forma de prevenir o desabastecimento causado por empresas que fecham as portas do dia para a noite.
“É um momento difícil, em que os custos sobem e a demanda cai”, afirma Besaliel Botelho, presidente do grupo alemão. “É uma cirurgia sem anestesia e mata muito dos meus fornecedores.” A Bosch não é vista como um caso isolado pelos analistas. A crise nos diversos níveis no ciclo de produção acaba alcançando a ponta final da cadeia, com impactos no planejamento das montadoras, que precisam buscar soluções para contornar o desabastecimento. “As montadoras gastam, hoje, mais dinheiro para monitorar fornecedores fracos”, afirma Stephan Keese, da consultoria Roland Berger. “No curto prazo, eles podem gerar uma economia, mas no longo prazo são caros, porque as montadoras precisam realocar pedidos.” Keese estima em apenas 10% as autopeças no Brasil com fôlego para enfrentar a crise com tranquilidade.
MENOS LOJAS A fragilidade não se acumula apenas do portão para trás das montadoras. Revendedores tentam compensar o marasmo do segmento de veículos novos com uma ênfase maior em usados, acessórios e na prestação de serviços. Só isso, porém, não é suficiente. Grupos de concessionárias, nas diferentes regiões do País, vêm enxugando o quadro de funcionários, fechando lojas e buscando reduzir os custos com aluguéis, trocando regiões nobres por outras mais periféricas. Segundo o presidente da Federação Nacional dos Distribuidores de Veículos (Fenabrave), Alarico Assumpção, os ajustes na estrutura das empresas, iniciados na crise de 2008, devem ganhar força.
A estimativa é de uma redução próxima de 10% tanto em número de revendas como em funcionários, o que significa cerca de 800 lojas e 41 mil empregos a menos. “Um grupo que não estiver trabalhando com caixa próprio provavelmente vai ter muita dificuldade”, diz Assumpção. “Hoje, é muito difícil um concessionário individual, que venda entre 10 e 15 carros por mês, sobreviver.” Na capital paulista, a Avenida Sumaré, na zona oeste, é um retrato dramático dessa da fase de adaptação. Seis dos 15 pontos de locação da via, ocupados até o passado por revendas de automóveis, estão vazios.
Para Letícia Costa, da Prada Assessoria, especializada no setor automotivo, ser concessionário hoje no Brasil é um desafio. “Não vale a pena, o retorno não paga o custo do capital”, afirma Letícia, referindo-se aos gastos elevados com a manutenção dos estoques. Os dados mais recentes mostram que as lojas acumulavam, em março, cerca de 255 mil automóveis parados, volume suficiente para pouco mais de um mês de vendas. Diante da perspectiva do terceiro ano seguido de queda nas vendas de veículos, após uma década de crescimento, analistas mostram cautela nas previsões do mercado brasileiro – a expectativa de alcançar cinco milhões de veículos foi postergada em quatro anos.
Quem demorou a perceber o novo patamar paga um preço alto para tentar se adaptar, com risco de não sobreviver. Enquanto a retomada da confiança é aguardada com ansiedade em todos os elos da cadeia automotiva, mantém-se o consenso de que, no longo prazo, a despeito da conjuntura atual, o Brasil tem potencial. Todo o esforço agora é para encurtar a espera para um futuro mais próximo, como demonstrou a reunião entre a presidente Dilma Rousseff e os mais de dez dirigentes de montadoras do País, no Palácio do Planalto, no começo deste mês. Trata-se de uma batalha que vai muito além do setor. “É preciso haver a retomada do crescimento”, afirma Assumpção. “Se tem PIB, você vende automóvel e caminhão.”