06/04/2011 - 21:00
O processo de sucessão na Vale tem tudo para tornar-se um estudo de caso sobre as dificuldades para a permanência de um executivo no poder quando há divergências entre os acionistas. Foram atitudes intempestivas do próprio presidente Roger Agnelli que aceleraram seu processo de fritura e levaram a Vale a tornar sua demissão oficial em comunicado na noite da quinta-feira 31. A empresa informou que será contratada uma consultoria especializada na procura de executivos, para selecionar três nomes que serão submetidos ao crivo do conselho de administração e da assembleia de acionistas, em reuniões no dia 19 de abril.
Segundo acionistas privados contrariados com o seu comportamento, Agnelli teria criado uma estratégia chamada de “360 graus”, que consiste em atirar para todos os lados para tentar criar a imagem de que seu processo de sucessão representaria uma interferência política numa das maiores empresas de capital aberto do País.
Apego ao poder: Estratégia de atirar para todos os lados tentando
permanecer no poder acelerou demissão do presidente
Na verdade, argumentam esses acionistas, o futuro ex-presidente ficou tão obcecado pelo poder que acabou prejudicando a própria companhia, o que acelerou sua demissão. Agnelli procurou caracterizar como um conflito que seria prejudicial aos lucros da empresa o que, na verdade, era uma negociação natural entre o Bradesco e os acionistas estatais (quatro fundos de pensão de estatais e BNDES) , que já tinham chegado a um acordo para substituí-lo havia algum tempo.
A estratégia, afirmou um representante dos acionistas à DINHEIRO, incluiu usar a imprensa a seu favor, vazando, por exemplo, a reunião entre o presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro Brandão, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para discutir sua sucessão. Outra atitude malvista foi ligar pessoalmente para deputados do DEM tentando fazer com que o ministro fosse convocado pelo Congresso a explicar sua demissão. Agnelli também estimulou um movimento no Twitter chamado “Fica Roger”, que acabou criando mais desgaste.
Tito Botelho Martins: presidente da Vale no Canadá deve assumir o cargo para agradar a gregos e troianos
A favor de Agnelli estão os resultados obtidos nos dez anos em que permaneceu no cargo. As ações da companhia subiram nada menos que 1.500% no período, enquanto o índice Bovespa teve valorização de 400%. Seu lucro anual disparou de R$ 3 bilhões para R$ 30 bilhões.
Na esteira da novela, as ações ordinárias da Vale caíram 4,46% em março. As ações da Vale vêm oscilando ao sabor dos capítulos da novela em que se transformou a sucessão de Agnelli (veja gráfico).
Foi justamente para evitar qualquer ruído que prejudique mais as ações da mineradora no mercado que a Vale decidiu anunciar que seguirá todo o ritual necessário para a substituição do presidente, incluindo a contratação da empresa de headhunting. Mas essa parece ser apenas uma mera formalidade, porque, em princípio, já está escolhido o sucessor de Agnelli: o economista Tito Botelho Martins, 47 anos, presidente da Vale no Canadá e diretor executivo de Operações de Metais Básicos.
Embora tenha sido nomeado diretor por Agnelli, é visto pelos representantes do governo no Conselho como relativamente independente. Sua carreira é anterior à chegada de Agnelli na companhia, onde trabalha desde 1985.
Favorito, Martins não necessariamente será o ungido. “Ele arranca na frente, mas é possível haver surpresa no desempenho dos outros”, diz uma fonte. Ele sofre a conconcorrência de José Carlos Martins, 60 anos, diretor executivo de Ferrosos da Vale desde 2005. Embora seja um nome bem recebido entre os executivos da Vale, José Carlos é mais ligado a Agnelli, que o levou para a mineradora.
O novo presidente (não está descartada uma solução externa) terá uma missão espinhosa pela frente: impedir que prospere a intenção do governo de taxar fortemente a exportação de minério de ferro, sob o pretexto de estimular a siderurgia no País. A ideia recebeu críticas de representantes do setor, que lembram que há um excedente de 40% na produção de aço no mundo. “Quase 40% da produção mundial de aço não tem comprador”, diz Paulo Camillo Vargas Penna, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). “A imposição dessa verticalização seria suicídio.”