É um feito histórico para o setor automotivo brasileiro. Depois de montadoras tradicionais como a americana Ford e a alemã Mercedes-Benz terem desistido de fabricar seus carros no País, é da China que vêm os investimentos para acelerar a indústria nacional. Na terça-feira (4), a gigante BYD, que se define como uma green tech e atua nas áreas de mobilidade, eletrônicos, baterias e placas fotovoltaicas, confirmou o investimento de R$ 3 bilhões em um complexo no polo industrial da Camaçari (BA), que será composto por três células fabris.

Segundo comunicado da empresa, assim distribuídas:

1. uma dedicada à produção de chassis para ônibus e caminhões elétricos, a exemplo do já é feito em uma das plantas do grupo em Campinhas (SP).
2. outra unidade baiana vai produzir automóveis híbridos e elétricos, com capacidade estimada em 150 mil unidades ao ano — que poderá ser dobrada, dependendo da demanda.
3. A terceira será voltada ao processamento de lítio e ferro fosfato, materiais usados em baterias, e será voltada para atender ao mercado externo.

É uma virada para o País que até agora permanecia apartado do movimento global de eletrificação de veículos.

(Divulgação)
(Divulgação)
(Divulgação)

Para a CEO da BYD Américas, Stella Li, “as novas fábricas no Brasil vão permitir a introdução e aceleração da eletromobilidade no País, um movimento-chave para combater as mudanças climáticas e, de fato, melhorar a qualidade de vida das pessoas”.

A executiva esteve no Brasil para o lançamento do carro elétrico Dolphin, no dia 27 de junho, quando falou à DINHEIRO sobre os planos da companhia para avançar localmente (leia os destaques no quadro ao final da reportagem).

“Lideramos há nove anos o mercado de elétricos na China. Superamos a incrível marca de 4 milhões de veículos vendidos a essa nova energia.”
Stella Li, CEO da BYD Américas e vice-presidente global da BYD.

Quinto veículo de passeio da montadora no País, o Dolphin foi anunciado ao preço de R$ 149.800, bem abaixo das expectativas do mercado. O valor foi considerado agressivo principalmente pelos atributos que o modelo reúne — e que o colocam em uma categoria única.

Com espaço interno de sobra para levar quatro pessoas e distância entre-eixos equivalente à de um SUV, o Dolphin é bem maior que os subcompactos da concorrência que custam o mesmo preço.

Além disso, segundo testes do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), é o elétrico mais eficiente do País.

A bateria pode ser carregada em qualquer tomada doméstica, até mesmo nas de 110 volts, em que uma carga completa exige cerca de 8 horas. A autonomia é de até 293 km. Em um carregador de alta potência, a bateria atinge 80% da capacidade em apenas 25 minutos.

Avaliação ao volante

A reportagem da DINHEIRO pôde avaliar o modelo em um pequeno percurso urbano. A impressão é de um carro muito bem-acabado, sem plásticos duros no interior, com estofamento confortável e bancos ergonômicos.

A suspensão é adequada para enfrentar as esburacadas ruas e avenidas da capital paulista.

Segundo o fabricante, ele acelera de 0 a 100 km/h em 10,9 segundos e atinge a velocidade máxima de 150 km/h.

A montadora também informou que é o primeiro veículo de série equipado com um sistema de distribuição de energia que integra diversos sistemas para aumentar a eficiência energética em até 89% — daí os bons resultados aferidos pelo Inmetro.

Como o nome sugere, é inspirado em um golfinho. E não apenas no que se refere ao design. Para a BYD, a proposta é que seja um carro divertido.

Sua tela de 12,8” pode se transformar em console de videogame ou de karaokê, bastando conectar o joystick ou o microfone. Coisas que ninguém pensaria em fazer em um carro, já que sua função primordial é transportar pessoas e não ser um brinquedo.

Para a BYD, porém, o lançamento serve para demarcar território e se encaixa na estratégia da montadora de chamar a atenção do consumidor para seu portfólio completo, que inclui outros três elétricos e um híbrido.

Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (Abve), em maio deste ano houve 6.435 emplacamentos, número que tende a aumentar mês a mês. Hoje, pouco mais de 150 mil veículos elétricos circulam no Brasil — o que significa um enorme potencial de crescimento para os fabricantes.

Inovação e expectativa 

Mas não é só de veículos leves que a BYD pretende viver no Brasil. A companhia iniciou as operações por aqui em 2015, com uma fábrica para a montagem de ônibus 100% elétricos no interior paulista.

Dois anos depois abriu uma segunda fábrica, onde produz módulos fotovoltaicos.

Em 2020, levou ao Polo Industrial de Manaus uma fábrica de baterias para mobilidade. Considerada uma das 100 empresas mais inovadores de 2023 pela revista Time, com 40 mil patentes requeridas, a BYD é ainda responsável por projetos de monotrilho em Salvador e em São Paulo.

Para o CEO Brasil, Tyler Li, as três fábricas que estarão funcionando na Bahia a partir de 2024 irão gerar mais de 5 mil empregos.

“A contribuição social será significativa. Queremos contratar mão de obra local, a partir deste ano, para que já comecem a receber todo o treinamento e transferência de conhecimento necessários”, disse.

Segundo ele, o complexo industrial seguirá as premissas que direcionam a atuação da empresa no exterior: criar produtos que não emitam poluentes, projetados e executados com tecnologia de ponta e alto investimento em pesquisa e desenvolvimento.

Entrevista com Stella Li, CEO Latam BYD

“Iremos trazer toda nossa tecnologia e capacidade de inovação”

Stella Li: Temos o compromisso de ser um grande fabricante de carros elétricos aqui no Brasil, o que será estratégico para o futuro da companhia na América Latina e em outros mercados (Crédito:Divulgação)

Quais os planos de longo prazo da BYD para o Brasil?
Estamos no Brasil há quase dez anos. Ainda não produzimos nossos carros aqui, mas nesse período construímos três fábricas para atender a outros tipos de negócio. Primeiro nos concentramos na produção de ônibus elétricos, depois em equipamentos de eletrificação para a mobilidade e, mais recentemente, em baterias com nossa unidade em Manaus. Construímos um time aqui e acreditamos que nossos investimentos no País trarão resultados importantes para a companhia. Não viemos apenas para vender nossos produtos e depois ir embora. Temos um compromisso com o Brasil e a confiança do mercado. É difícil entender a realidade de um país, mas passados quase dez anos já aprendemos muito sobre o Brasil.

Uma das razões apontadas para a lenta adesão do brasileiro à mobilidade elétrica é o fato de termos etanol e biodiesel. Isso é um problema para quem fabrica carros e ônibus elétricos?
Não vemos dessa maneira. O Brasil é um mercado importante para o setor automotivo global. E a oferta local de combustíveis verdes não invalida as vantagens da eletrificação. Entendemos que haverá um período de transição, em que 50% da frota será de carros elétricos puros (EVs), movidos somente a bateria, e outros 50% do que chamamos de híbridos plug-in Phev de longo alcance. Assim teremos o melhor dos dois mundos. Já a geração seguinte será 100% elétrica e não apenas pela necessidade de reduzir as emissões de CO2. A eletrificação tem uma série de impactos positivos no meio-ambiente, incluindo menos poluição sonora.

O que o investimento em um complexo industrial na Bahia significa para a BYD?
Temos o compromisso de ser um grande fabricante de carros elétricos aqui no Brasil, o que será estratégico para o futuro da companhia na América Latina e em outros mercados. Iremos trazer para cá toda nossa tecnologia e capacidade de inovação. Não somos apenas uma montadora. Somos um dos principais fornecedores de baterias e de painéis solares para eletrificação. Além disso, temos a tecnologia sky rail e iremos implementar veículos sobre trilhos em Salvador e em São Paulo. Nossos primeiros ônibus elétricos estarão nas ruas da cidade em 2023. Queremos trazer uma experiência rica para o consumidor local acreditar em nosso futuro conjunto.