20/06/2014 - 20:00
Em um momento em que as atenções do mundo estão voltadas para os gramados brasileiros, representantes dos governos dos BRICS (acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) atravessaram o globo para acertar os últimos detalhes da iniciativa que vai selar a parceria do bloco. A reunião paralela ao G20, agendada para começar no domingo 22 em Melbourne, na Austrália, gira em torno do modelo que será adotado pelo banco de fomento comum e pelo fundo compartilhado de reservas que estão sendo criados por esses países.
Os resultados serão anunciados na próxima reunião de cúpula do bloco, que acontecerá em Fortaleza, entre 14 e 16 de julho, logo após a Copa. Já está decidido que o novo fundo será de US$ 100 bilhões. A maior contribuição, US$ 41 bilhões, será de dinheiro chinês. Já a África do Sul contribuirá com US$ 5 bilhões, enquanto Rússia, Índia e Brasil injetarão US$ 18 bilhões cada. Isso significa que o País vai realocar 4,75% de suas reservas cambiais para o novo fundo, que funcionará como um colchão de liquidez no caso de oscilações bruscas da cotação da moeda americana.
A ideia do grupo é demonstrar que são capazes de se ajudar, enquanto a reforma das cotas do Fundo Monetário Internacional (FMI) está estacionada. Tal reforma poderia dobrar a capacidade de empréstimos da instituição e colocaria Brasil, Índia, Rússia e China na lista dos dez maiores cotistas. “A criação do fundo dos BRICS é uma resposta política ao movimento extremamente lento dos países desenvolvidos nessa questão”, afirma Cláudio Frischtak, ex-economista do Banco Mundial e sócio da consultoria Inter B.
“Também é uma forma de dizer ao mundo que ‘estamos bem, temos bala na agulha’, num momento em que existe um certo ceticismo com relação às economias emergentes”, acrescenta o especialista carioca. Isso não significa, porém, que o fundo dos BRICS será um contraponto ao FMI. Pelo contrário. A liberação da maior parte do dinheiro dependerá de acordos com o próprio FMI. Essa vinculação, segundo uma fonte do governo brasileiro, serve para aproveitar a grande capacidade gerencial do FMI e evitar a criação de uma burocracia e de um constrangimento político de ter de cobrar os empréstimos.
No caso de uma crise no balanço de pagamentos brasileiro, o País pode requerer, no máximo, uma vez e meia o total que investiu. Isso significa uma disponibilidade de US$ 27 bilhões. A mesma regra vale para a Rússia e para a Índia. No caso da África do Sul, o teto será de US$ 10 bilhões, enquanto o da China não passa de US$ 20,5 bilhões. No entanto, esses valores não seriam liberados imediatamente. No curto prazo, algo entre 20% e 30% do total alocado pode ser concedido em caráter emergencial. Enquanto isso, o país ganha fôlego para negociar financiamentos de longo prazo com o FMI.
Não está definido como será montado o corpo técnico do fundo e do banco de fomento dos BRICS, que terá objetivos distintos e receberá aportes de US$ 50 bilhões. Brasília espera que sejam instituições enxutas. “O banco vai atuar em um nicho de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, enquanto o fundo é uma indicação do que se costuma chamar de confiança”, afirma o embaixador José Alfredo Graça Lima, subsecretário-geral político II do Itamaraty. Para Jim O’Neill, ex-presidente da gestora do Goldman Sachs e criador do termo BRICS, a iniciativa tem de sair rapidamente do papel.
“Faz dois anos que os países discutem a criação do banco de fomento e está na hora de serem mais decisivos e, de fato, anunciarem algo específico. Caso contrário, muitos observadores vão parar de prestar atenção neles”, afirma O’Neill, em entrevista à DINHEIRO. Marc Braendlin, presidente do banco Julius Baer no Brasil, dá o alerta. “Estamos aqui porque acreditamos no retorno, no longo prazo. Se fôssemos olhar apenas o curto prazo, faria mais sentido investir em países desenvolvidos”, afirma o executivo, que está de mudança para o Brasil em outubro.