Quando assumiu o comando mundial da Fiat, em 2004, o executivo italiano Sergio Marchionne não tinha nada para fazer nos Estados Unidos além de turismo. Os carros compactos da fabricante não eram exatamente um sonho de consumo entre os americanos, que sempre prezaram mais por espaço e conforto, do que por economia de combustível, daí a pálida presença da montadora de Turim no mercado local. Em 2009, o relacionamento de Marchionne com a maior economia do mundo começou a mudar. Foi quando a Fiat resgatou a Chrysler de uma quase falência, adquirindo uma participação de 20% na companhia – fatia que, atualmente, está em 61,8%. 

 

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Aplausos: Sergio Marchionne, CEO da Fiat, em uma das fábricas da Chrysler nos EUA,

onde o executivo costuma ser tratado como celebridade

 

O que Marchionne não esperava, no entanto, era ver essa mesma Chrysler, que estava à beira de fechar as portas há apenas três anos, ser a grande responsável, secundada pela subsidiária brasileira, pelos bons resultados de sua empresa. No segundo trimestre deste ano, a Fiat anunciou um lucro líquido de € 103 milhões. Isso só foi possível graças ao bom desempenho da operação americana, que obteve lucro de US$ 436 milhões no mesmo período. Sem os dólares da Chrysler, a montadora italiana amargaria um prejuízo de € 246 milhões. “Não tenho nenhuma notícia ruim sobre a Chrysler”, disse Marchionne em julho, quando divulgou o resultado da companhia. “Esperamos um segundo semestre ainda mais forte.” 

 

Essa situação parecia improvável há três anos, quando a Chrysler precisou receber US$ 7 bilhões de ajuda dos governos dos Estados Unidos e do Canadá para não fechar as portas. A Fiat foi a única empresa que aceitou participar do resgate. Esse cenário faz de Marchionne ao mesmo tempo herói e vilão. Nos Estados Unidos, o executivo é tratado quase como uma celebridade. Em Detroit, no Estado americano de Michigan, a meca do setor automobilístico mundial, o prefeito da cidade, Dave Bring, é sempre o primeiro a tecer elogios ao executivo toda vez que o encontra em algum evento. O ex-governador do Estado, James Blanchard, chegou a compará-lo a um astro do rock, em uma entrevista à revista Businessweek. 

 

Na Itália, porém, a situação é oposta. Lá os aplausos dos EUA dão lugar a vaias. A redução nos investimentos da empresa no país, que já provocou o fechamento de uma fábrica na Sicília, em 2011, e ameaça outras unidades, como a de Pomigliano, está gerando protestos sistemáticos de trabalhadores. Os sindicatos entraram com diversas ações contra a montadora alegando a falta de cumprimento de acordos. Marchionne também vem sendo cobrado por políticos, inclusive pelo primeiro-ministro italiano, Mario Monti, para manter o plano de investimentos elaborado pela companhia para o período 2010-2014. A previsão era gastar € 20 bilhões na ampliação da produção, alcançando uma capacidade de fabricar 1,4 milhão de veículos. 

 

A Fiat está muito longe desse objetivo. Os investimentos, na verdade, sofreram um corte de € 500 milhões. Neste ano, menos de 500 mil veículos devem sair das linhas de montagem da empresa na Itália. A pisada no freio é consequência da crise que assola o país. O mercado automotivo italiano, que responde por 60% das vendas da Fiat na Europa, parece estar voltando no tempo. Nos primeiros nove meses deste ano, as vendas de automóveis recuaram 7,6%, caindo para o menor nível em dez anos. No ano passado, inclusive, os consumidores italianos compraram mais bicicletas do que automóveis. Isso não acontecia desde o fim da Segunda Guerra Mundial. “A Europa está em uma situação delicada, o que afeta vários setores”, afirma o professor Claudio Gonçalves, da Trevisan Escola de Negócios. 

 

“Vamos começar a ver algumas mudanças no mercado automobilístico mundial.” Essas mudanças também podem beneficiar o Brasil. “A crise europeia preocupa, mas aumenta a importância relativa dos mercados emergentes no cenário internacional”, afirma o presidente da Fiat/Chrysler no País, Cledorvino Belini. Juntamente com os rumores do fechamento das fábricas italianas da Fiat, surgiram informações da possível abertura de novas unidades nos mercados emergentes, especialmente no Brasil. Belini preferiu não comentar sobre essa hipótese. “É normal em companhias globais que os pesos dos mercados se alterem ao longo do tempo”, diz o executivo. “Mas esperamos que a Europa se recupere rapidamente, para que o crescimento do grupo seja equilibrado.”

 

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