É difícil começar uma conversa com um argentino sem entrar no assunto futebol. Ainda mais depois do vergonhoso desempenho da seleção canarinho, sobretudo pelos vexaminosos 7 a 1 na goleada sofrida diante da Alemanha na Copa de 2014. O Mundial também foi marcado pela canção que a torcida argentina criou especialmente para seus vizinhos. Seus versos dizem mais ou menos assim: “Brasil, diga-me como se sente / Ter na sua casa o seu papai / Nunca nos esqueceremos / Que Diego (Maradona) te driblou”, e assim por diante. A tradicional rivalidade entre argentinos e brasileiros, no entanto, acaba nos estádios.

Basta ver a multidão de visitantes brasileiros caminhando pela movimentada Calle Florida, no centro de Buenos Aires, lotando as lojas das grifes e, é claro, comprando alfajores, o tradicional doce composto de duas camadas de massa, recheado com doce de leite e coberto com chocolate. Difícil encontrar um turista que não traga na bagagem, ao voltar, pelo menos uma caixa estampada com a marca Havanna, a maior produtora mundial desse doce de origem árabe. A demanda crescente levou a empresa, que faturou US$ 180 milhões no ano passado, a elaborar planos arrojados para o Brasil.

Com uma rede de 32 lojas e quiosques nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, a Havanna espera inaugurar 320 unidades nos próximos cinco anos – uma média de cinco novos pontos de venda por mês até 2020. Desde 2006, ano em que começou a atuar por aqui, a companhia acumulou milhares de pedidos de abertura de franquias, segundo o CEO Alan Aurich. Para ele, o interesse se deve à força da tradição da empresa, fundada há quase sete décadas. “Somos reconhecidos mundialmente pelo alfajor que fazemos”, diz Aurich.

Na opinião do executivo, a decisão de priorizar a expansão dos negócios no Brasil é uma consequência do interesse dos brasileiros que passaram a integrar os alfajores a seus hábitos de consumo. “Muitas de nossas unidades na Argentina são sustentadas pelas compras dos brasileiros”, diz. Para conquistar o mercado local, os argentinos foram comendo pelas beiradas. Abriram quiosques e cafeterias de administração própria em apenas duas capitais. Com o tempo, a marca ganhou adeptos, principalmente pelo conceito de lojas que oferecem. Há uma tendência de crescimento forte de marcas que aliam hábitos alimentares complementares, como tomar café e comer um doce, segundo a consultora de franquias Lyana Bittencourt. “A Havanna tem um conceito de negócio muito bem definido”, diz Lyana.

“Ao oferecer não só um produto, mas uma experiência de cafeteria tradicional da Argentina, a companhia faz com que o cliente passe mais tempo e gaste mais dinheiro em suas lojas.” Além disso, conta a favor da empresa o fato de conhecer o mercado brasileiro há nove anos, uma etapa preparatória à sua decisão de multiplicar sua presença através de franquias e disputar um mercado que movimentou mais de R$ 10 bilhões no País, em 2014, de acordo com a Abicab, associação nacional dos fabricantes de doces. Para atender à demanda futura criada pelo incremento no número de unidades no Brasil, a empresa, que produz mais de 100 milhões de alfajores por ano, vai investir US$ 12 milhões para construir uma nova fábrica, localizada em Mar del Plata – berço da empresa criada em 1948.

Ao longo dos anos, a companhia cresceu na esteira do apelo turístico que tinha Mar del Plata, balneário mais popular entre os argentinos de classe média. “O turismo sempre esteve presente em nosso modelo de negócios”, diz Aurich. “Nosso objetivo é fazer com que os brasileiros comprem mais alfajores que os argentinos, que, hoje, consomem mais de seis milhões de doces por dia.” O executivo, que não esconde seu amor pelo San Lorenzo, clube de futebol argentino famoso por ter como torcedor o papa Francisco, está animado com a tropicalização da Havanna. Agora, resta saber se a empresa conseguirá fazer ainda mais bonito do que a seleção de seu país, que quase chegou lá na última Copa do Mundo.