Por volta das 21h30 da segunda-feira 3, em Brasília, deputados da base aliada começaram a se juntar a parlamentares de oposição em um jantar na casa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), considerado, atualmente, o principal inimigo do governo. Segundo relatos de congressistas presentes, era possível escolher entre carne ou peixe, mas grande parte recusou a comida, ficando apenas com a opção do vinho. Não era nenhuma desfeita ao anfitrião nem crítica ao menu. É que a maioria dos retardatários acabara de jantar a poucos quilômetros dali, em um evento organizado pela presidente Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada, reservada à base aliada e a ministros. O encontro de Cunha era inicialmente voltado à oposição, mas atraiu a atenção dos partidos que formam a frágil coalizão governista no Congresso, interessados na pauta a ser definida pelo peemedebista para a primeira semana após o recesso parlamentar de julho. Os participantes do encontro presidencial viram uma Dilma aparentemente serena, apesar de sua admissão de que passa por um momento de pressão. O que eles não desconfiavam era que a saída antecipada de alguns convidados seria o presságio de uma semana tensa, responsável por acentuar a crise política que assola o País e dificulta a retomada da confiança, impedindo uma reação da economia.

A reunião na casa de Cunha selou a expulsão do PT das principais Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), entre as quais algumas de temas sensíveis ao Planalto, como a do BNDES e a dos Fundos de Pensão. Também se decidiu ali pela inclusão, na pauta da semana, de itens com impacto fiscal, contrariando o apelo feito pela presidente na própria segunda-feira, quando conclamou os congressistas a rechaçarem a chamada pauta-bomba, de projetos que geram custo ao Estado. Era só o começo. A fragilidade do governo ficou clara na primeira votação na Câmara, na terça-feira 4, quando foi aprovada a apreciação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 433, que equipara salários da Advocacia Geral da União (AGU) e de delegados aos do Judiciário. O projeto onera União, Estados e municípios, e tem um custo estimado aos cofres públicos de R$ 2,4 bilhões. No Senado, o presidente Renan Calheiros (PMDB), por sua vez, sinalizou que não votará o projeto que acaba com a desoneração da folha de pagamentos, um dos pontos centrais do ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O vice-presidente Michel Temer (PMDB), atual encarregado da articulação política do Executivo, tentou acalmar os ânimos dos parlamentares, mas depois de uma reunião tensa, acentuou o clima de desconfiança com uma declaração enfática, pouco habitual, em que admitiu o agravamento da crise. “Não vamos ignorar que a situação é razoavelmente grave, não tenho dúvida que é grave”, afirmou Temer. “É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos.” A mensagem de Temer foi interpretada como um possível aceno à ideia de um impeachment, defendida por partidos de oposição e que tem ganhado força. O “alguém” seria ele mesmo?

A Operação Lava Jato, que chegou, na segunda-feira, à 17ª fase com a prisão do ex-ministro José Dirceu, e a demora do governo em preencher cargos prometidos à base aliada já vinham sendo apontadas como fontes das reclamações no Congresso. A situação se complicou com o recesso, devido ao sentimento de insatisfação colhido por parlamentares em visita a suas bases. “O grande peso nisso tudo é a questão da economia: a vida de todo mundo piorou”, afirma o deputado do PSD por São Paulo, Guilherme Campos, que ocupa a presidência da sigla. “A hora que o deputado consegue estar mais próximo da sua base, sente a pressão de todos.” Há uma via de mão dupla entre os problemas na economia e na política. Uma crise alimenta a outra. Basta tomar o exemplo recente vivido por um deputado para entender os efeitos da beligerância de Brasília no setor produtivo. Empresários da construção civil desabafaram ao parlamentar que haviam optado negociar um tema com o Legislativo, pois não sabiam se o Planalto conseguiria garantir maioria para um projeto próximo a ser votado. Outro termômetro importante dessa relação é a cotação do dólar, que alcançou patamar recorde (veja reportagem na pág. 24) em meio à fragilidade do Planalto e mais uma queda na aprovação do governo da presidente Dilma, hoje a mais baixa já registrada pelo instituto Datafolha, em 8%.  

Entre todas as bombas que o Planalto precisa desarmar  para conseguir retomar a governabilidade e fazer a máquina andar, a vertente mais complicada parece ser mesmo a política. Na quarta-feira 5, dois partidos da base, o PDT e o PTB, anunciaram o rompimento com o governo, insatisfeitos com as acusações de infidelidade. Com o aprofundamento da crise no campo político, cresceram os rumores e as menções a um possível impeachment da presidente. “O governo se desintegrou, não tem mais articulação dentro da Câmara”, afirma o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade paulista. “Na minha previsão, a Dilma não dura mais três meses.” Entusiasta do impeachment e um dos principais nomes da oposição atualmente, Paulinho foi classificado como “um dos que só pensam em si mesmo”, em propaganda do PT veiculada na quinta-feira 6. Mais uma vez a peça publicitária foi recebida por panelaços e businaços, em diversos Estados.

FORÇA-TAREFA
 Para atenuar as dificuldades, os ministros também dedicaram parte da semana em busca de proteção ao mandato da presidente Dilma. Levy esteve reunido com senadores, uma cena que tem se tornado frequente nos últimos meses. Em audiência no Congresso, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, admitiu erros da gestão e fez um afago ao PSDB – ato considerado incomum por sua personalidade –, convocando o principal partido da oposição a firmar um pacto por uma política de Estado. Em São Paulo, o secretário geral da Presidência, Miguel Rossetto, e o ministro da Previdência, Carlos Gabas, trabalhavam para melhorar a relação com as centrais sindicais. “A reunião foi emblemática porque reforçou a questão do diálogo”, afirma Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT). “Estamos vivendo tempos muito estranhos, então há a necessidade de incluirmos políticas para iniciar o processo de crescimento.”

Assim como os trabalhadores, os empresários também já vinham mostrando insatisfação e exigindo do governo uma pauta pós-ajuste fiscal. Mais urgente, porém, tornou-se a cobrança de que Legislativo e Executivo se entendam e procurem encerrar a atual crise política. “Uma boa parte dessa crise foi gerada pela classe política”, afirma Carlos Pastoriza, presidente da Associação Brasileira da Máquinas e Equipamentos (Abimaq). “A crise política fabricou a crise econômica e está nos matando. O Brasil não aguenta ficar dois, três anos parado, em recessão.” Pastoriza esteve em Brasília, na quarta-feira 5, com mais de 100 empresários do setor para lançar uma pauta de reivindicações e a Frente Parlamentar da Indústria de Máquinas. No Congresso, o grupo cobrou de Temer um esforço para acabar com a incerteza atual e celebrar um pacto para garantir a governabilidade e uma melhora da economia. A mesma mensagem também foi repassada ao vice-presidente pelas federações da indústria carioca (Firjan) e paulista (Fiesp) na quinta-feira 6. “A situação política e econômica é a mais aguda dos últimos 20 anos. É vital que todas as forças políticas se convençam da necessidade de trabalhar em prol da sociedade”, afirmaram as entidades, em nota conjunta. “O momento é de responsabilidade, diálogo e ação para preservar a estabilidade institucional do Brasil.” Não é com bombas que se constrói um país mais próspero, sobretudo num cenário de recessão. Ao governo cabe empenhar-se para desarmá-las.