05/11/2021 - 11:15
Se Bolsonaro fosse adepto aos diários, os dias em que ele passou na Itália, durante o encontro do G20, teria um espaço especial e recheado de frustrações. Ao acompanhar a agenda de presidentes e primeiros-ministros das mais poderosas economias do mundo, era evidente o deslocamento do brasileiro. E esse termômetro pôde ser medido pelo desinteresse da imprensa estrangeira no chefe da República do Brasil. Entre os dez maiores jornais do mundo, durante a cúpula Bolsonaro foi citado apenas 12 vezes. Sendo nove delas narrando os ataques a jornalistas no dia 31, ou a gafe de Bolsonaro por trocar o nome do representante americano para o clima, John Kerry, pelo do ator e comediante Jim Carrey. O saldo final foi triste para um país que costumava ser bem relacionado, como o Brasil. Com apenas um encontro oficial com outro presidente durante os três dias de cúpula, Bolsonaro ficou de fora das rodas de conversas informais e foi evitado por parte da comunidade internacional.
E o motivo dessa falta de aproximação com Bolsonaro está muito atrelada ao ex-inquilino da Casa Branca Donald Trump. Das duas últimas edições que participou, o presidente do Brasil se manteve perto da agenda trumpista, em uma espécie de escudo. “O que vemos é que o distanciamento do discurso de Bolsonaro com a realidade do país se converte em distanciamento físico de outras nações”, afirmou o professor de relações internacionais para América Latina da UCLA, o brasileiro Roberto Romã. De acordo com ele, há na comunidade internacional uma espécie de consenso sobre manter cautela com o presidente brasileiro. “Principalmente depois do discurso da ONU, quando houve a polêmica da vacina no presidente.” Na ocasião, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson incentivou o presidente brasileiro a ser imunizado. No dia seguinte, os tablóides britânicos não perdoaram a companhia escolhida pelo líder. Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da USP Kai Enno Lehmann, o receio não está apenas no Reino Unido. Segundo ele, alguns países, como Alemanha, preferem fazer uma rota de fuga para desviar do brasileiro. “Seria desastroso para o presidente alemão, por exemplo, ser visto com Bolsonaro.”
MUNDO À PARTE Em seus três discursos oficiais, as falas do Bolsonaro se mostraram coerentes com o que ele pregou nas últimas semanas, mas segue descolada da realidade. Na frente das câmeras ele se disse comprometido em levar adiante a vacinação voluntária dos brasileiros contra a Covid, mesmo que, semanas antes, tenha espalhado desinformação ao associar o imunizante ao vírus do HIV. Também destacou um aumento do investimento de empresas nacionais e estrangeiras no Brasil, contrariando o Tesouro Direto que, em setembro, mostrou o receio do empresariado com investimento de longo prazo e avanço apenas do capital especulativo. Fora das câmeras, um ataque à Petrobras. Em conversas reservadas, ele teria falado que a estatal é um “problema” dando a entender seu falso plano de privatizar.
E se não bastasse um entendimento descolado da realidade, Bolsonaro também precisou falar do futuro. Na terça-feira ele assinou, junto dos outros 19 líderes, um acordo com três pilares para o combate da pandemia e da economia. O primeiro deles envolve a distribuição e incentivo à aplicação da vacina (o presidente afirma nem tomado a dele); proteção das florestas (em 12 meses foram 10.851 km² de área desmatada, a maior taxa desde 2009); por fim, manutenção e retomada econômica prezando pela igualdade de gênero (no mês em que ele barra uma lei para distribuição de absorvente íntimo para mulheres vulneráveis e já avisou que vetará um PL que obriga equidade salarial entre homens e mulheres). Mais contradições para o brasileiro ouvir, absorver, justificar ou criticar, superar e esperar a próxima.