Não dá para dizer que o presidente da República, Jair Bolsonaro, não tem tentado estourar a própria bolha para angariar novos apoios (e estranho seria se não o fizesse em um cenário de desvantagem na corrida eleitoral). Depois de um aceno para os mais pobres com medidas de transferência de renda, um breve flerte com o Judiciário ao ir à posse do ministro Alexandre de Moraes na presidência do TSE e um tom moderado em sua primeira sabatina oficial como candidato, foi a vez de fazer um gesto para os empresários na capital paulista. Se intitulando o “pai do Pix”, ele terceirizou a responsabilidade pela instabilidade econômica e prometeu entregar em um segundo mandato as promessas que não foram cumpridas no atual, em especial as que envolvem privatizações e reformas fiscais.

O discurso foi reforçado também pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante um almoço feito exclusivamente para empresários, sem a presença da imprensa. A reportagem da DINHEIRO conversou com dois executivos presentes no encontro, que confirmaram o tom ameno do presidente, com destaque para promessas de campanha “que pareciam saídas de 2018”, disse um deles. Entre as propostas estavam a privatização de empresas públicas como os Correios e bancos estatais, o avanço de uma robusta de reforma tributária, além de outras mudanças fiscais. “Ele afirmou que a pandemia e a guerra atravessaram o caminho, mas que o comprometimento com o liberalismo nunca foi perdido”, disse o empresário de uma grande indústria brasileira.

Bolsonaro também defendeu acabar com “excessos dos fiscais”, fazendo menção às políticas de contingenciamento e a um controle melhor de medidas de fiscalização, especialmente ambiental, consideradas descabidas. “O homem do campo não pode temer um fiscal, ou vira inquisição”, disse o presidente. Apesar de tom de promessa, a verdade é que o atual governo já esvaziou boa parte dos órgãos responsáveis por fiscalização. Os que cuidam da Amazônia, por exemplo, multaram 93% menos em 2020 do que em 2019, segundo dados do Ibama compilados pela UFMG. Dado que deve ter perdurado em função do orçamento do órgão seguir em queda desde então. No âmbito trabalhista, a fiscalização também está mais frágil. Entre 2013 e 2018, o orçamento médio para combate do trabalho escravo, por exemplo, girava em torno de R$ 55 milhões, valor que caiu para menos de R$ 25 milhões desde a posse de Bolsonaro. Em nota, o Ministério Público já alertou sobre a falta de capacidade de fiscalização nas atuais condições.

VELHO NOVO Paulo Guedes se encontra com empresários e apresenta propostas requentadas. (Crédito:Ton Molina)

PLANO DDD Outro assunto requentado de 2018, mas com forte apelo entre os empresários, é a criação de novas âncoras fiscais e flexibilização do Orçamento público. E isso se daria por meio do Plano DDD (Desindexar, Desvincular e Desobrigar), um projeto de Paulo Guedes e que por duas vezes foi abatido em pleno voo entre a Esplanada dos Ministérios e o Congresso Nacional por snipers do Palácio da Alvorada. Isso porque desindexar significa acabar com os reajustes obrigatórios. Segundo o Tesouro, todo os anos, o Orçamento ganha cerca de R$ 700 bilhões só pela indexação automática. Desvincular significa liberdade para decidir os rumos do Orçamento, sem obrigações determinadas. A medida seria impopular, já que coloca em questão recursos para a saúde e a educação. Carlos Bernardo Santana, professor de gestão de políticas públicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro e que foi secretário de planejamento do Espírito Santo, explica que o DDD seria uma âncora fiscal, mas sua execução éproblemática, “isso porque o Poder Executivo teria autonomia para manobrar sem prestar contas”, disse. Outro promessa requentada por Guedes foi a venda de quase R$ 1 trilhão em imóveis da União que não teriam utilidade pública. Recortes de um discurso já visto de 2018, mas com algumas alterações. A primeira mudança seria atualizar o bordão “mudar tudo isso que ta aí” pelo “manter tudo que ta aqui”, tá ok?

TESTE DE DNA DO PIX

CRIS FAGA

Tudo bem que a função do Pix passou a ser utilizada durante o governo de Jair Bolsonaro, mas é um erro dizer que partiu da atual gestão a ideia do projeto. A bem dizer, China e Índia são as nações que inauguraram uma modalidade equivalente ao Pix para o pagamento, mas no Brasil quem desenhou o DNA do que temos hoje foi o economista Ilan Goldfajn, que em 2016 presidia o Banco Central. Em 3 de maio de 2018 o BC instaurou a portaria n° 97.909, que regulamentava os parâmetros para um pagamento instantâneo, enquanto a cadeira de presidente da República era ocupada por Michel Temer.