Experimente ficar na fila para pegar um táxi em São Paulo ou para fazer o check-in de um voo, nos aeroportos do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte ou Manaus. Se houver atrasos, é mais do que certo que alguém sairá imediatamente com a frase: “Se é assim agora, imagine na Copa.” Sim, o País, que concentra 190 milhões de técnicos de futebol ao avaliar a Seleção Brasileira, conta agora com 190 milhões de engenheiros e especialistas em planejamento urbano. Na prática, ninguém quer passar vergonha diante dos três milhões de turistas que devem chegar ao Brasil em 2014 para acompanhar o torneio mais importante do futebol. 

 

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Ronaldo fenômeno: ”o mais importante é a decisão de jogarmos

juntos (fifa e governo brasileiro)”

 

Na casa da seleção pentacampeã, o assunto Copa é paixão pura e as críticas sobre os preparativos para o megaevento só crescem desde 2009, quando o Brasil definiu as cidades-sedes. Para piorar, a avaliação do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, em março, reforçou o pessimismo. “Lamento dizer que as coisas não estão funcionando no Brasil”, disse Valcke, acrescentando uma frase infeliz: “Vocês precisam ser pressionados, levar um chute no traseiro e fazer a Copa do Mundo.” A frase irritou o governo, e o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, chegou a pedir o afastamento de Valcke para a Fifa. O suíço acabou pedindo desculpas, mas o episódio teve o mérito de obrigar o governo a tomar atitudes mais firmes para garantir ao mundo que vai dar conta do recado. 

 

Na semana passada, Rebelo viajou à Suíça para uma reunião com a Fifa, juntamente com o presidente do Comitê Organizador Local (COL) e da CBF, José Maria Marin, e os ex-jogadores Ronaldo e Bebeto, que também integram o comitê. O governo brasileiro assumiu o compromisso de que entrará firme no controle das obras das 12 cidades-sedes que receberão os jogos em 2014. Na prática, isso significa que um representante do governo, o secretário-executivo do Ministério do Esporte, Luis Fernandes, passará a manter assento cativo nas reuniões do COL, realizadas de seis em seis semanas, para avaliar se os critérios técnicos e financeiros estão seguindo o planejamento.Segundo o Tribunal de Contas da União, a Copa está movimentando R$ 33 bilhões em infraestrutura do País, entre recursos públicos e privados. 

 

“Selamos a parceria num patamar superior”, disse Fernandes, logo após a reunião, que durou oito horas. Além dele, Marco Polo Del Nero, representante do Brasil na Fifa, participará do comitê. “Encerramos a reunião com a confiança e a convicção de que vamos superar todos os desafios com muito trabalho”, disse o ministro Aldo Rebelo. “O mais importante é ter tomado a decisão de jogarmos juntos”, disse Ronaldo. O presidente da Fifa, Joseph Blatter, que já havia acertado os ponteiros com a presidenta Dilma, há algumas semanas, também se mostrou otimista. “Não temos problemas nem discordâncias, está tudo resolvido”, disse Blatter. O número 1 da Fifa foi gentil no comentário, e, de fato, alguns desafios parecem bem administrados a 25 meses do início da Copa, como é o caso das obras dos estádios. 

 

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Aldo Rebelo (esq.), ministro do esporte: “temos a confiança e a convicção de que vamos superar

todos os desafios com muito trabalho” e Joseph Blatter(dir.), presidente da Fifa: “não temos problemas

nem discordãncias. Está tudo resolvido.”

 

Uma sala de comando do COL, no Rio de Janeiro, com 22 monitores acompanha, em tempo real, a evolução das construções nas 12 cidades-sede. Tanto a Fifa, que é uma entidade privada, como a Controladoria-Geral da União (CGU), que monitora as obras envolvendo os recursos federais no País, se dizem satisfeitas com o andamento dos projetos – o CGU chegou a fazer dois relatórios críticos ao governo, mas mudou a avaliação após ajustes implementados. Nem tudo, porém, segue o ritmo desejado. Um dos pontos mais críticos são as obras de mobilidade urbana. Um relatório elaborado a pedido do deputado Romário, do PSB fluminense, traça um quadro preocupante. Das 55 obras previstas, ainda há 24 que não saíram do papel, incluindo aeroportos que nem sequer foram licitados. 


Nessa lista, há projetos que podem não ficar prontos para a Copa das Confederações, em julho de 2013, evento que vai funcionar como um test drive para o Brasil antes de 2014. Belo Horizonte, uma das cidades-sede, ainda espera o início da construção de três corredores de ônibus. Em Brasília, o chamado veículo leve sobre trilhos (VLT ), que ligaria o aeroporto ao centro do Plano Piloto, está parado na Justiça e um novo projeto precisa ser licitado. Para Romário, uma parcela importante das obras não deve estar pronta para os eventos. “Corremos o risco de não colher o benefício desse legado”, disse à DINHEIRO. Ele também ressalta os elevados custos de projetos, como os de estádios, cujos orçamentos originais sofreram reajustes. “E, se tivermos um legado, será a que preço?” 

 

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Big Brother: sala de comando do Comitê Organizador Local, no Rio, monitora, em tempo real,

as obras dos estádios nas 12 cidades-sede.

 

O CEO da Match Connections, Gilmar Caldeira, responsável pela venda de pacotes corporativos para a Copa, minimiza as críticas. “Toda Copa começa sob o receio de que alguma coisa dará errado”, diz Caldeira. “Foi assim na Alemanha, em 2002, apesar da fama de organizados que eles têm.” A Match é uma das empresas do grupo Águia, que opera no turismo receptivo das Copas desde 1966. Caldeira já estava na empresa durante a Copa da África do Sul de 2010. “Ali o medo era exagerado e o resultado foi uma grata surpresa.” Caldeira admite que a mobilidade é sempre o ponto mais preocupante para todos os países que hospedaram a Copa. 

 

“Mas as pessoas esquecem que durante a Copa tudo que não seja futebol para de funcionar.” O executivo lembra que já há centenas de empresas se movimentando ao redor do assunto – construtoras, hotéis, restaurantes, agências, etc. – e todas com o mesmo objetivo: que o evento em 2014 seja bem-sucedido. Concorda com ele o cientista político Alberto Carlos Almeida, diretor do instituto de pesquisas Análise. “Quem acha que a Copa será um fracasso vai errar”, diz Almeida. Segundo ele, é preciso medir o estágio dos preparativos por parâmetros brasileiros, não germânicos. “O Brasil faz micaretas, Carnaval, festas de São João e até viradas culturais com sucesso”, diz. “Por que não seria assim com um evento futebolístico no país do futebol.”

 

 

 

Colaboraram Denize Bacoccina e Guilherme Queiroz