05/02/2016 - 17:00
A primeira estrofe da marchinha de carnaval “Mamãe eu quero”, composta em 1936 pelos músicos Vicente Paiva e José Luis Rodrigues Calazans (conhecido como Jararaca), bem que poderia ser adaptada para o atual momento fiscal do País. O contribuinte seria a mamãe e o governo faria o papel do bebê, que quer mamar. E a CPMF poderia ser a chupeta. Ficaria assim:
Contribuinte, eu quero, contribuinte, eu quero
Contribuinte, eu quero mamar
Dá a CPMF, dá a CPMF
Dá a CPMF pro governo não chorar
Na terça-feira 2, durante a sessão de abertura do ano legislativo, não havia bandas nem fanfarras, mas o Congresso Nacional estava tão lotado e bagunçado quanto um bloco de carnaval. Do lá de fora, tiros de canhão. Do lado de dentro, tapetes vermelhos para recepcionar as autoridades. Ao chegar, a presidente Dilma Rousseff sapecou beijos no presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, e no presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB/AL). Ao desafeto presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), apenas um frio aperto de mão.
Durante o discurso de Dilma, que foi ao “baile” dos parlamentares em busca de uma reaproximação, houve vaias, aplausos e faixas de protesto – só faltaram confetes e serpentinas. Dilma pediu uma “parceria” para retomar o crescimento econômico e dar sequência à “estabilização fiscal”. “Esses objetivos não são contraditórios”, afirmou Dilma. Como se estivesse fantasiada de porta-bandeira, empunhou a CPMF e defendeu uma reforma da previdência “exequível e justa para o povo”.
Porém, assim que a folia terminar na quarta-feira de cinzas, chegará a hora de curar a ressaca. Os foliões de Brasília terão de retirar suas máscaras e encarar uma economia em frangalhos e uma crise política com desfecho imprevisível. Durante o recesso parlamentar, o clima em Brasília só piorou. Investigações da Justiça Federal e do Ministério Público colocaram nomes graúdos na berlinda, como o do ex-presidente Lula, que passou os últimos dias dando explicações sobre um apartamento tríplex no Guarujá e um sítio em Atibaia, ambos em São Paulo. Cunha também não teve refresco nas férias.
Seu nome foi novamente associado a contas secretas na Suíça, o que pode lhe render a perda do mandato. O presidente da Câmara enfrentará nas próximas semanas o Conselho de Ética e o STF. Na quarta-feira 3, o ministro do Supremo Luiz Edson Fachin liberou para julgamento o inquérito que apura se Renan usou dinheiro de empreiteira para pagar pensão a uma filha que teve fora do casamento. Na época do escândalo, em 2007, Renan renunciou à presidência do Senado. Embora todos os políticos citados neguem as acusações, o fato de haver investigações contra eles acirra os ânimos em Brasília e paralisa os trabalhos no Congresso Nacional.
“É pouco provável que, neste ambiente conturbado, o governo consiga dar prosseguimento na pauta da CPMF e da Reforma da Previdência”, afirma José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e economista-chefe da Opus Gestão de Recursos. Traçando um cenário sem o impeachment da presidente Dilma, ele projeta uma queda de 3,8% do PIB neste ano e uma inflação de, no mínimo, 8%. Com um déficit público explosivo e uma baixa credibilidade do governo para cumprir suas metas fiscais (leia reportagem aqui), a confiança do empresariado não deverá dar sinais de recuperação.
“Quanto maior a incerteza política, menor será o volume de investimentos”, diz Camargo. Os analistas avaliam que as próximas semanas – e talvez meses – serão muito difíceis para a presidente Dilma. Com uma popularidade muito pequena, ela corre o risco de perder o apoio formal do PMDB, que realizará uma convenção nacional em março. Enquanto isso, os petistas estão rachados entre os que querem defender Lula e os que preferem descolar a imagem do governo desses imbróglios, sob risco de o partido encolher nas eleições municipais. “Há um clima de salve-se quem puder no PT”, afirma Gaudêncio Torquato, professor de comunicação política da USP e presidente da GT Marketing e Comunicação.
“O partido perdeu 10 deputados na virada do ano, entre parlamentares que deixaram a sigla e os que estão licenciados.” As vaias mal educadas da oposição no Congresso Nacional já sinalizaram a Dilma o tamanho do desafio. “Eu não voto contra aposentado nem contra trabalhador”, afirma o deputado Indio da Costa (PSD/RJ). “O governo gastou demais e agora quer fazer poupança com o bolso da população.” Por ora, a presidente pediu aos aliados que se esforcem para defender os projetos do governo. Com o bloco de ministros nas ruas, ela vai insistir na péssima versão de “Mamãe eu quero”.