Nem mesmo os bolsos mais recheados estão imunes aos reflexos da crise econômica. Criadores e donos dos cavalos que disputaram os Jogos de Londres têm enfrentado mais obstáculos que seus cavalos para tirar o vermelho de seus balanços. A tática mais utilizada tem sido a que por décadas é praticada no futebol brasileiro: usar um evento de grande visibilidade como vitrine, tentar vender seus melhores talentos e assim reequilibrar o caixa. O maior exemplo vem da equipe britânica que conquistou a medalha de ouro no adestramento por equipes. Logo depois do triunfo, o time anunciou que vai dizer adeus às suas montarias. 

 

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Liquidação: em Londres, empresários estão vendendo cavalos olímpicos por ? 100 mil, valor considerado uma pechincha.

 

Valegro, Uthopia e Alf pertencem ao cavaleiro Carl Hester – um dos medalhistas – e à criadora Sasha Steward, que tem o seu centro equestre na Irlanda, um dos países mais atingidos pela crise. Por conta disso, segurou as rédeas até a Olimpíada e agora vai se desfazer dos três cavalos de uma vez só. Quem tiver cerca de R$ 60 milhões nas mãos, leva. Até mesmo para o esporte olímpico com a maior concentração de milionários – competindo ou como proprietários de montarias – , o investimento pode ser muito alto. Segundo o criador brasileiro Manuel Tavares de Almeida Filho, é difícil ficar no azul. “Estamos em crise há três anos. Eu costumava participar todos os anos de um leilão em Palm Beach, na Flórida, mas parei, pois tem sido um fracasso”, diz. 

 

Dono da cachaça Velho Barreiro e sócio do banco Luso Brasileiro, ele estava em Londres para acompanhar Pastor, um de seus cavalos, montado pela filha, Luiza Tavares de Almeida, 22ª colocada na prova de adestramento. Com as dificuldades de caixa, criadores históricos como Almeida Filho têm visto cada vez mais crescer o número de outras áreas, encantados com o glamour e a possibilidade de bons relacionamentos do mundo da equitação. Principalmente nos Estados Unidos. O fundador do Yahoo!, Jerry Yang é dono de uma das estrelas da equipe americana, Ravel, um sangue-quente holandês que, aos 15 anos, disputou a sua última competição. Outro cavalo menos famoso que o dono no time americano é Rafalca, propriedade de Ann Romney, mulher do candidato republicano às eleições dos EUA, Mitt Romney. 

 

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Amantes dos cavalos: (da esq. para a dir.) Almeida Filho, Jerry Yang, Ann Romney e Trevor Hemmings.

 

Nas competições, começam a se destacar nomes como o de Georgina Bloomberg, filha do bilionário da mídia e prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, ou o de Jennifer Gates, herdeira do fundador da Microsoft, Bill Gates. Ambas são cotadas até mesmo para integrar a equipe olímpica americana na Rio-2016. Nos bastidores da equipe brasileira também há nomes de peso no mundo empresarial. Jorge Gerdau, dono do grupo que leva seu nome, é um dos mais importantes criadores nacionais e circulou em Londres durante as competições de hipismo, assim como José Victor Oliva, do grupo Holding, de empresas na área de eventos e comunicação, cujos cavalos estão entre os melhores do País nas provas de adestramento.

 

A crise que atinge o setor na Europa chegou até a família real britânica. Ela precisou do socorro de um empresário que, só depois de rico e famoso, passou a investir em cavalos. Neta da rainha Elizabeth, a amazona Zara Philips ajudou a equipe britânica a conquistar a prata no concurso completo equestre montada em High Kingdom. O cavalo pertence ao multimilionário britânico Trevor Hemmings, que encheu seus cofres com dinheiro ganho com centenas de pubs, parques industriais, hotéis, casas de apostas e, depois, cavalos. Outro neto real subiu ao pódio em Londres. Ab Abdullah Al Saud fez parte do time saudita de salto que conquistou um surpreendente bronze. 

 

“Esse é um esporte caro e dominado por belgas, britânicos, franceses e alemães”, diz Sami Al-Duhami, diretor da equipe do país, criador e dono de alguns dos cavalos que contribuíram para o desempenho. “Só conseguimos chegar lá com o apoio financeiro do nosso rei, Abdullah, da Arábia Saudita”, afirma. Enquanto assistem à invasão de investidores, os criadores tradicionais torcem para que o setor volte a apresentar números como os de 2010. Em outubro daquele ano, um criador alemão pagou € 12 milhões por Totilas, um cavalo campeão de adestramento. Valores como esses parecem distantes e os especialistas apostam que as três montarias britânicas medalhistas de ouro em Londres irão encalhar. “Tinha gente vendendo cavalos olímpicos por € 100 mil aqui”, diz o criador Almeida Filho. “Uma pechincha.”

 

Enviado especial a Londres