17/11/2010 - 21:00
A decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de recomprar US$ 600 bilhões em títulos do governo americano e injetar esse dinheiro na economia dos Estados Unidos causou uma razoável turbulência no mercado financeiro. A agitação foi provocada pelo porte da operação, uma das maiores da história recente, e pelo impacto que as medidas vão provocar além das fronteiras americanas.
A estratégia do Fed vem distorcendo as taxas de câmbio e os preços das ações em quase todos os países emergentes e poderá forçar diversos países – com o Brasil em destaque – a implantar políticas governamentais para desinflar as bolhas que vêm sendo sistematicamente sopradas por Ben Bernanke, presidente do Fed.
Ben Bernanke: ele decidiu imprimir US$ 600 bilhões, mas o dinheiro foge
dos EUA e busca retornos mais atraentes nos países emergentes
A diligência dos países emergentes em furar as bolhas é fácil de entender. O Fed vai comprar os títulos que estão em poder dos investidores e vai pagar em dólares, que não rendem juros e deverão ser gastos, gerando consumo e empregos.
Elegante na teoria, essa estratégia esbarra em uma dificuldade: como temem o futuro, os investidores podem aplicar parte dos US$ 600 bilhões fora dos Estados Unidos, distorcendo os preços mundo afora. “É tanto capital que vai pressionar o câmbio, as ações e os imóveis no Brasil e em outros países”, diz William Eid Júnior, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo.
Na década de 90, o primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamad,
adotou controles de capitais e foi criticado. Hoje, vários países podem segui-lo
Além de intenso, esse fenômeno será duradouro. Em circunstâncias normais, tanto dinheiro chegando pressionaria os preços para cima, elevando a inflação e forçando o Fed a aumentar os juros. O problema é que a economia americana está tão deprimida que o risco de inflação é pequeno e os juros não devem subir tão já.
Os números são eloquentes. O mercado acionário brasileiro subiu pouco em 2010 devido à incerteza com a eleição. No entanto, em outros países emergentes, as bolsas chegaram a acumular ganhos superiores a 60% em dólares (veja quadro). Pior que a alta das ações é a apreciação das moedas nacionais. Ela encarece as exportações e barateia as importações, provocando efeitos catastróficos sobre as economias emergentes.
Segundo João Pedro Bumachar Resende, economista do Itaú Unibanco, todos os países estão mostrando sinais de preocupação com a bolha cambial. “O Brasil vem adotando as medidas mais agressivas, como elevar os impostos sobre a entrada de capital”, diz ele. Mesmo quem não é tão incisivo está tomando cuidados adicionais, como aumentar a compra de reservas e facilitar a vida dos exportadores.
Segundo uma análise do banco HSBC, além do Brasil, China, Indonésia, Rússia e Tailândia são os mais propensos a adotar medidas para controlar o fluxo de dólares, relembrando o ex-primeiro-ministro malaio, Mahathir Mohamad. No auge da crise da Ásia, em 1997, ele aterrorizou o mercado ao controlar os fluxos de capital da Malásia. No longo prazo, a decisão mostrou-se acertada, pois a Malásia superou a crise antes de seus vizinhos Tailândia e Indonésia, que mantiveram os mercados abertos.
Embora Mohamad não tenha deixado saudades ao sair do governo, quem observa o mercado não descarta a hipótese de que seu exemplo seja seguido se as distorções continuarem. “Mesmo não sendo um cenário possível no curto prazo, a probabilidade de uma guerra comercial e de intervenções mais pesadas no câmbio está aumentando”, diz Resende. Se as bolhas continuarem a crescer, sempre haverá a tentação de usar o alfinete das medidas protecionistas.