Excetuando-se pescadores, esportistas de aventura e presidentes de bancos centrais, poucos ouviram falar da cidade de Jackson Hole, no Estado americano de Wyoming. Desde 1982, é lá que o Federal Reserve de Kansas promove um seminário sobre política econômica, sempre no fim de agosto. O que justificou a escolha da cidadezinha de menos de dez mil habitantes foi a pesca da truta. Organizar uma pescaria era a única maneira de garantir a presença do então presidente do Fed Paul Volcker. Desde então, banqueiros centrais se reúnem em Jackson Hole para combinar que iscas e anzóis vão lançar ao mercado no segundo semestre. A edição de 2013, que se iniciou na quinta-feira 22, contou com uma ausência marcante, a de Ben Bernanke, presidente do Fed. 

 

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Ben Bernanke, presidente do Fed, que deixa o cargo em fevereiro:

sucessor terá de fazer a economia americana respirar sem aparelhos

 

Pela primeira vez em 25 anos, o banqueiro central dos Estados Unidos não vai aparecer. Será representado por Janet Yellen, segunda em comando no Fed. No entanto, ela vai apenas mediar um encontro, sem fazer nenhum discurso. O motivo da ausência é eleitoral. Yellen, e o economista Larry Summers, ex-economista-chefe do Banco Mundial, são os principais candidatos à sucessão de Bernanke, cujo mandato se encerra em 31 de janeiro do ano que vem. Qualquer que seja o sucessor de Bernanke, ele (ou ela) terá pela frente uma das tarefas mais difíceis para qualquer banqueiro central em toda a história dos Estados Unidos. O sistema bancário americano praticamente quebrou com a crise dos empréstimos imobiliários de má qualidade em 2008. 

 

Fazendo um paralelo médico, ele vem sendo mantido vivo por aparelhos, a saber, injeções maciças de dinheiro na economia, cerca de US$ 85 bilhões por mês. Tanto dinheiro novo aumenta o risco de inflação e distorce preços de ativos reais e financeiros ao redor do mundo. Agora, há um consenso de que o pior já passou. Os bancos sanearam seus livros de empréstimos podres, cortaram custos e melhoraram suas práticas. É hora de desligar os aparelhos e ver como a saúde do paciente se comporta. Os riscos, porém, são enormes. Se errar a mão e contrair demais a oferta de dinheiro, o novo presidente do Federal Reserve pode provocar uma onda de quebras nos bancos e também causar uma crise muito grave na economia americana. 

 

Se for liberal demais, as já desbalanceadas contas públicas americanas vão ficar em uma situação ainda pior. É nessa hora que as opiniões se dividem, pois os dois principais candidatos têm perfis bem diferentes. Summers é quase uma celebridade. Foi economista-chefe do Banco Mundial, é considerado um profissional brilhante, além de muito bem articulado politicamente – pertenceu ao círculo de colaboradores mais próximos de Bill Clinton e é o preferido de Barack Obama. Dois fatores o atrapalham. O primeiro é um temperamento reconhecidamente difícil, algo danoso para decisões em colegiado. O segundo é sua proximidade com o mercado financeiro: Summers é consultor de fundos de hedge e conselheiro de empresas independentes.

 

Também tem contra si o desapreço dos democratas no Congresso, que terão de aprovar seu nome, caso ele seja o escolhido de Obama. É considerado um linha-dura, favorável a endurecer a política monetária e a afrouxar os controles sobre os bancos, com efeitos negativos para a economia. Já Janet Yellen é muito menos conhecida fora dos círculos do poder em Washington. Com uma longa carreira acadêmica e vice-presidente do Fed, ela tem o perfil clássico do burocrata de carreira. Antes de ocupar um assento no Fed, seu cargo mais visível foi no Conselho de Assessores Econômicos de Clinton, em 1997. Ela chegou a ser cotada para suceder o mítico Alan Greenspan, quando este deu lugar a Bernanke, em 2006. 

 

Não é a predileta de Obama, mas tem o Congresso a seu favor. É considerada menos pró-mercado do que Summers, sendo mais sensível a questões como desemprego e mais favorável a uma política monetária frouxa. Há mais nomes no páreo, ambos economistas e ex-diretores do Fed: Roger Ferguson e Donald Cohn. Burocratas, sem grande visibilidade pública e politicamente neutros, e com grande conhecimento da máquina, eles podem ser uma carta na manga de Obama para fazer o ajuste das contas públicas de maneira gradual e discreta. Quem quer que seja o nome escolhido, o novo homem-forte (ou mulher) da economia americana terá poder para abalar moedas mundo afora – como, aliás, está acontecendo agora com o real, no Brasil (leia reportagem aqui).

 

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