No segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, a ascensão de Nelson Barbosa ao Ministério da Fazenda simbolizou uma vitória dos desenvolvimentistas sobre os economistas liberais dentro do governo federal. O choque entre as duas vertentes ficara evidente ao longo de todo o primeiro ano de gestão, com medidas e declarações conflitantes entre a Fazenda de Joaquim Levy e o Planejamento de Barbosa. Sem a resistência do liberal Levy, o governo encontra espaço para tirar do papel soluções que há tempos ocupam o imaginário da ala desenvolvimentista e que encontram respaldo na base aliada de Dilma.

O crédito era a alternativa mais evidente. Por isso, foi a primeira a se concretizar, num inócuo pacote de empreestimos de R$ 83 bilhões. Mas a equipe não quer perder tempo e tem aproveitado os pronunciamentos para vender a ideia de uma controversa reforma fiscal. Seriam duas mudanças centrais: a criação de um teto para os gastos da União e a adoção de uma banda (intervalo) para a meta fiscal, que permita flexibilizar o número do superávit proposto no início do governo, como é feito atualmente.

“Como teremos limitado controle da evolução da receita, necessária se torna também a adoção de uma margem de flutuação do resultado fiscal, para acomodar sua volatilidade”, afirmou Dilma em discurso no Congresso, na terça-feira 2, em que reforçou a ideia apresentada por Barbosa há uma semana . Embora simbolizem o reconhecimento do desafio fiscal pelo Palácio, as propostas foram recebidas com restrições por especialistas. No caso do teto de despesas, a questão é domar um dos maiores gastos correntes, a Previdência, que demandará uma reforma específica.

A equipe econômica trabalha numa proposta para mudar o sistema atual, mas há dúvidas se terá cacife político para vencer resistências no Congresso e na base de apoio. O tema da banda é ainda mais polêmico. O temor é de que uma aparente tentativa de dar mais transparência aos números sirva de apoio para afrouxar o esforço fiscal. “Se o mercado entender que a banda foi colocada para cumprir uma meta bem pior, o perigo é afetar os prêmios de risco”, afirma Vinicius Botelho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV.

O paralelo mais recente de desajuste é a meta de inflação estabelecida pelo Banco Central. No regime de metas, a autoridade monetária tem um alvo central a perseguir – hoje em 4,5% – e um intervalo de dois pontos percentuais para cima e para baixo para acomodar eventuais choques. Na prática, porém, o patamar superior ao centro da meta vem sendo a regra nos últimos seis anos – o registro mais recente abaixo de 4,5% é de 2009 (4,31%), no pós-crise. Para os economistas, a sensação é de que se criou uma meta informal de 5,5%, o que torna mais difícil controlar as expectativas e a forma como elas contribuem para gerar mais inflação.

Se assim fosse com o fiscal, haveria impacto sobre o prêmio de risco do Brasil, com consequências para a economia real, como o custo de captação das empresas e no câmbio. O termo banda remete a outro episódio conturbado de flexibilização. Em 1999, o então presidente interino do Banco Central, Chico Lopes, anunciava um novo controle cambial, a chamada “banda diagonal endógena”, que estabelecia um teto para a variação do dólar. O experimento foi desmontado em questão de dias e gerou uma desvalorização de mais de 70%, que empurrou o Brasil para o sistema flutuante.

Por tropeços como esses e o histórico da primeira gestão Dilma com as contas públicas, os analistas sugerem que a questão fiscal é urgente e requer mais ação do que medidas tópicas. “A gente já viu muita contabilidade criativa”, afirma Botelho. “Agora é preciso mais atitude e menos anúncio.” Nos últimos dois anos, o governo teve de alterar a meta fiscal próximo de dezembro, para comportar déficits. Para 2016, o objetivo é alcançar uma economia de 0,5% do PIB nas contas públicas. Mas a meta já está defasada. O mercado prevê um novo rombo, de 1,1% do PIB.